Em um cenário de economia aquecida e expectativas de inflação desancoradas, seria o momento de adotar uma política fiscal mais restritiva
por Daniel Couri em 30/11/24 13:47
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), após participar de reunião com líderes do Senado Federal para apresentar novo pacote fiscal | Foto: Lula Marques/ Agência Brasil - 28.11.2024
Depois de algumas semanas de espera, o governo finalmente anunciou o pacote de medidas voltadas ao controle de gastos. A bem da verdade, avanços no lado das despesas eram aguardados desde o ano passado, quando ficou claro que o regime fiscal que substituiu o antigo teto de gastos se tornaria rapidamente insustentável.
O pacote reúne 13 medidas com impacto direto sobre a despesa. Embora ainda careçam de maiores detalhamentos, já é possível fazer uma avaliação inicial. De forma geral, são todas bem-vindas.
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A maior parte das propostas tem como objetivo central aumentar a flexibilidade do orçamento e aliviar a pressão das despesas obrigatórias sobre os demais gastos. A principal medida nesse sentido é a mudança na política de valorização do salário mínimo. Sai a regra de crescimento real baseada no PIB de dois anos anteriores e entra um intervalo fixo de 0,6% a 2,5%, em linha com o regime fiscal sustentável. Embora o impacto inicial seja pequeno, a medida promete um alívio mais significativo no médio prazo.
Outras propostas seguem a mesma lógica: mudanças na Desvinculação de Receitas da União (DRU), ajustes no valor autorizado para subsídios e subvenções, a contabilização do programa de escola em tempo integral dentro do Fundeb, a inclusão de parte das emendas parlamentares no piso da saúde e revisões em programas como o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) e a Lei Aldir Blanc de fomento à cultura.
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Segundo estimativas do governo, essas medidas, que aqui agrupamos como voltadas à flexibilização do orçamento, devem gerar economias de R$ 22,9 bilhões em 2025 e R$ 32,1 bilhões em 2026.
Um segundo grupo de propostas foca em mudanças no desenho de políticas públicas. Nesse bloco, a medida mais relevante é a revisão do abono salarial, que hoje beneficia trabalhadores que recebem até dois salários mínimos. A proposta reduz esse limite para 1,5 salário mínimo, mas em uma lenta transição de dez anos. Também estão incluídas nesse grupo alterações nos critérios de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e da aposentadoria dos militares. O governo estima economias de R$ 3,1 bilhões em 2025 e R$ 3,6 bilhões em 2026 com essas medidas.
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Por fim, há um conjunto voltado à gestão de políticas públicas, que inclui melhorias nos processos de concessão do Bolsa Família e do BPC. O impacto financeiro aqui é semelhante ao do grupo anterior: economias de R$ 3,1 bilhões em 2025 e R$ 3,6 bilhões em 2026.
Mas o pacote também chama atenção pelo que deixou de fora. A ausência mais sentida é a de uma nova regra — ou ao menos de uma regra temporária — para os pisos constitucionais de saúde e educação. Atualmente, esses gastos mínimos são definidos como percentuais da arrecadação, uma dinâmica problemática devido ao seu caráter procíclico. Além disso, como o limite total de gastos cresce mais lentamente que a receita, os pisos acabam exercendo ainda mais pressão sobre as despesas que não possuem a mesma proteção.
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Em 2023 e 2024, os pisos da saúde e da educação devem crescer R$ 77 bilhões e R$ 46 bilhões, respectivamente. Esse é um terreno fértil para discussão, que precisa considerar a grande demanda por serviços públicos nessas áreas. No entanto, seria razoável que, ao menos temporariamente, esses setores também contribuíssem para o esforço de contenção de despesas.
Além disso, algumas propostas cogitadas nas últimas semanas parecem não ter sobrevivido às rodadas de discussão no Palácio do Planalto, como a revisão do seguro-desemprego. Já as contratações e os reajustes salariais dos servidores públicos, previstos em mais de R$ 26 bilhões no orçamento de 2025, receberam apenas uma menção honrosa no pacote: uma economia tímida de R$ 1 bilhão por ano.
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Por que essas e outras ideias que certamente estiveram na mesa ao longo das últimas semanas nao estão no pacote? A resposta aparentemente é simples: o governo não enxerga um problema fiscal no momento, mas apenas uma dificuldade para cumprir a regra que limita o crescimento dos gastos públicos.
O pacote anunciado reflete a visão do governo de que não é necessário reduzir o gasto público. A estratégia é garantir o cumprimento da regra fiscal que define um limite de gastos definido em 2023. E isso seria suficiente para garantir a obtenção de resultados primários melhores e para estabilizar a dívida pública daqui a alguns anos.
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É aí que reside o principal ponto de discordância entre o governo e boa parte dos analistas. Em um cenário de economia aquecida e expectativas de inflação desancoradas, seria o momento de adotar uma política fiscal mais restritiva. No entanto, o pacote não entrega essa resposta — e talvez nenhuma proposta o faria, já que o foco está em conter o crescimento das despesas obrigatórias, não em reduzir o gasto total.
Agora, cabe ao Congresso avaliar as medidas, propor ajustes e, quem sabe, avançar em debates que o governo até aqui preferiu evitar.
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