Governo autorizou o confisco de R$ 8 bi de dinheiro esquecido por brasileiros em contas bancárias e R$ 12 bi de depósitos judiciais para 'cumprir' a meta fiscal
por Tiago Mitraud em 19/09/24 14:19
Homem usando a calculadora
Imagine que você, preocupado após os resultados ruins de um check-up médico, tenha decidido mudar seu estilo de vida. Com orientação de um médico, estabeleceu a meta de emagrecer 10 quilos em seis meses para melhorar sua saúde. Porém, depois de algumas semanas de motivação, você abandonou os hábitos saudáveis que havia planejado seguir.
O tempo passa e, faltando poucas semanas para a próxima consulta, o desespero bate. Sua preocupação maior não é sua saúde, mas o constrangimento de encarar o médico ao descobrir que você não seguiu as orientações. Em vez de retomar os hábitos saudáveis, você encontra uma “solução milagrosa”: descobre como alterar a balança para que ela mostre 10 quilos a menos.
Obviamente, sua saúde continuará em risco, e o médico perceberá que, apesar dos números parecerem melhores, o diagnóstico não mudou. Mesmo assim, você insiste nesse caminho, enganando apenas a si mesmo.
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Esta anedota reflete o caminho escolhido pelo governo federal para cumprir a meta fiscal que ele próprio estabeleceu no início do mandato. Na última semana, o governo aprovou uma medida que autoriza o confisco de R$ 8 bilhões de dinheiro esquecido por brasileiros em contas bancárias, além de R$ 12 bilhões de depósitos judiciais, com o intuito de “cumprir” a meta fiscal.
Essa medida, além de ser uma apropriação do dinheiro alheio, equivale a adulterar a balança. Assim como o indivíduo que ainda enfrenta problemas de saúde apesar da trapaça, a manobra pode gerar números aparentemente positivos, mas a realidade das contas públicas segue preocupante.
O problema se agrava quando percebemos que essas não foram medidas isoladas. O governo tem recorrido a artifícios contábeis e decisões questionáveis para tentar atingir a meta fiscal sem enfrentar os problemas estruturais do orçamento. Um exemplo foi a aprovação do Programa Pé-de-Meia, que excluiu seus gastos do cálculo da meta fiscal. Agora, nas discussões sobre o orçamento de 2025, há sinais de que o Auxílio Gás será pago “por fora”, ou seja, também fora do alcance da meta fiscal.
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Até o Judiciário, que rotineiramente interfere nas decisões dos demais poderes, tem contribuído para essas distorções. Recentemente, o ministro Flávio Dino, do STF, autorizou que meio bilhão de reais fossem destinados ao combate às queimadas, sem que esse valor entrasse na contabilidade da meta fiscal.
Esses gastos, que são responsabilidades diretas do governo, deveriam estar incluídos no orçamento. Quando não há espaço para essas despesas, o governo e o Congresso, ao invés de ajustarem suas prioridades, preferem recorrer a manobras que aumentam as despesas da União sem a devida responsabilidade fiscal.
As metas fiscais não são apenas números que devem ser atingidos no final do ano. Elas servem para induzir mudanças no comportamento do governo em relação aos gastos públicos. Devem incentivar o controle do orçamento e a redução de despesas, promovendo a sustentabilidade financeira do país. No entanto, o que temos visto é um uso criativo das regras, com o governo manipulando números em vez de lidar com a raiz dos problemas.
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O que se espera de uma administração responsável é que busque soluções permanentes para o desequilíbrio fiscal, com reformas estruturais, cortes de privilégios e gastos ineficientes, além de maior transparência. Até o momento, essas iniciativas têm sido sistematicamente evitadas.
As metas fiscais têm a função de guiar o país rumo ao equilíbrio financeiro, fortalecendo a credibilidade do governo e trazendo benefícios à população. No entanto, quando as metas são maquiadas e os números distorcidos, o efeito é contrário: o governo perde credibilidade e o país se torna mais vulnerável, comprometendo seu futuro econômico.
Precisamos de um governo que compreenda que metas fiscais devem ser mecanismos para induzir responsabilidade, e não números a serem distorcidos até darem a informação desejada.
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