João Doria (PSBD) acabou por deixar o governo de São Paulo para disputar as eleições presidenciais de 2022. Decisão foi precedida de crise dentro do partido tucano.
por Paulo Totti em 05/04/22 10:06
Foto de arquivo de João Doria (PSDB), ex-governador de São Paulo e pré-candidato à presidência da república. Foto: Governo do Estado de São Paulo.
Na mais bem humorada de suas peças, “Much ado about nothing”, William Shakespeare conta a história de amor e intriga, de Claudio, Hero, Beatriz, Dom Pedro e Dom João, que depois de tantas paixões, mentiras e traições, acaba tudo bem e a vida recomeça sem mais novidades como dantes, em Messina, na Sicília de 1599. Se o bardo vivesse em nossos dias e estivesse em São Paulo, poderia escrever para o Netflix “Muito barulho por nada II”, uma série baseada no que viu e ouviu no auditório do Palácio do Morumbi.
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A quinta-feira (1°), antepenúltimo dia para se fechar a janela partidária e encerrar-se o prazo das desincompatibilizações, começou com previsões de tormentas políticas capazes de provocar mudanças no panorama eleitoral do país e implodir de vez o partido que desde 1995 monopoliza o poder na pauliceia, o PSDB.
Já pela madrugada noticia-se que João Dória desiste de ser candidato à presidência da república e pretende continuar governador até o final de seu mandato, em janeiro de 2023. O vice-governador Rodrigo Garcia considera-se traído pois tinha a promessa de assumir agora o governo e candidatar-se à reeleição em 2 de outubro. Garcia, pede demissão do cargo de secretário de Governo, que teria mesmo que abandonar dois dias depois, e anuncia que vai se mudar para o União Brasil.
Ao meio-dia a crise está instalada. Dória é que se sente vítima de uma traição generalizada: o governador gaúcho, Eduardo Leite, a quem Dória derrotou (54% x 44%) em prévia realizada em 2021, declara que o resultado da consulta que custou R$ 10 milhões ao fundo partidário, não é uma corrente que amarra o partido ante novos desafios e soluções.
O senador Tasso Jereissati e o deputado Aécio Neves aconselham Leite a recusar o convite de Gilberto Kassab para ser presidenciável pelo PSD e continuar tucano, pois até a convenção o PSDB perceberá que Dória não cresce nas pesquisas. O presidente do partido, deputado Bruno Araújo, dá entrevista em que subscreve que o resultado da consulta de 27 de novembro do ano passado pode ser revogado pela convenção em julho.
O vice-governador Rodrigo Garcia, que Dória trouxe do DEM para ser candidato à sua sucessão pelo PSDB, dá sinais de que, empossado no Morumbi, vai cuidar de sua própria candidatura e deixar Dória sozinho (Dória fez isso com Geraldo Alckmin na eleição de 2018, uma traição que o levou a apoiar Jair Bolsonaro). Candidatos do PSDB ao governo em outros estados não se entusiasmam com a candidatura presidencial de Dória e a Globonews informa que Raquel Lyra, de Pernambuco, recusa aparecer em fotos ao lado do governador paulista.
Pouco depois do meio-dia, o presidente do PSDB distribui nota de dois parágrafos em que afirma ser Dória o candidato do partido e que a consulta será respeitada, como convém a uma agremiação política que se preza e com lideranças de moral ilibada.
O governador e o vice se reúnem, a sós, por três horas e reaparecem aos abraços – houve beijos também – no auditório do palácio quase às 17 horas. Segundo Dória, estão presentes 619 prefeitos dos 645 municípios de São Paulo. Dória discursa, lembra o pai, perseguido e exilado pela ditadura militar, faz um balanço (bom, reconheça-se) do seu governo, ergue o braço de Bruno Araújo (constrangido, percebe-se), e brada à multidão de funcionários do palácio e assessores de João e Rodrigo que a luta continua e que ambos vão ganhar as eleições que se avizinham. Tudo acaba em roda de samba e Dória sai nos ombros de assessores entusiasmados.
No mesmo dia, enquanto Jair Bolsonaro fazia seu comício na despedida dos ministros e secretários que disputarão eleição, e as forças armadas divulgavam manifesto que atribui propósitos democráticos e civilizatórios ao golpe civil-militar de 1964, Sérgio Moro desiste da candidatura presidencial pelo Podemos, muda de domicílio eleitoral para São Paulo e se declara soldado do União Brasil, o partido saído da fusão do DEM com o PSL. ACM Neto e Ronaldo Caiado declaram em nota que o ex-juiz é bem-vindo mas, como diria Romário, não dá para entrar no ônibus e querer, de cara, lugar na janelinha.
Cai a noite e a impressão que deixou entre os observadores é que convém aguardar o próximo Datafolha para saber se Dória aparece com mais de 3%. E Eduardo Leite, mantido na lista por precaução, com mais de 2%.
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