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Câmera nas fardas policiais não é questão polêmica, é uma necessidade, afirma especialista em segurança pública

Debate levantado por candidatos que são contra monitoramento é busca por votos, de acordo com pesquisador de segurança pública e Major reformado Luiz Alexandre da Costa.

por Julia Melo em 02/05/22 16:26

Programa “Olho Vivo”, que monitora as operações policiais com câmeras nas fardas, começou em 2020 e é uma das principais ações do governo do PSDB. Foto: divulgação Governo do Estado de São Paulo

O uso de câmeras nos coletes de policiais militares não deveria ser motivo de polêmica, de acordo com o pesquisador de Segurança Pública da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), mestre em Ciências Jurídicas e Sociais e Major reformado da PM do Rio, Luiz Alexandre da Costa. Segundo ele, existem dados suficientes que comprovam a efetividade do monitoramento policial. 

“É bem assustador a gente ver candidatos de vertentes que não são de extrema direita falando esse tipo de coisa. A única possibilidade que eu consigo enxergar é a intenção de conseguir votos dentro das polícias”, declarou o especialista em entrevista ao MyNews nesta segunda-feira (2).

“Não tem o que o policial faça com a câmera, trabalhando na legalidade, que ele faça sem a câmera. Não tem como explicar isso. […] Eles não têm dados técnicos, não têm nada, além do vazio de buscar votos”, afirmou.

A discussão sobre a necessidade uso de câmeras corporais pela Polícia Militar de São Paulo foi suscitada após o pré-candidato ao governo paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos) dizer que pretende acabar com a medida caso seja eleito. Freitas é o representante do presidente Jair Bolsonaro na disputa.

Segundo o pré-candidato, as câmeras representam perigo para a segurança dos agentes, porque limitam a ação dos policiais, que se sentiriam intimidados pela presença das câmeras.

Em 2020, o Brasil registrou recorde de mortes decorrentes de ações policiais. As informações foram divulgadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que faz esse levantamento desde 2013 e registrou no primeiro ano de pandemia 6.416 mortes. Homens negros jovens foram as principais vítimas. 

Apesar da gravidade do cenário, as pré-candidaturas aos governos estaduais e ao governo federal têm relegado o tema a discussões pontuais, abordadas de forma superficial.

Câmeras acopladas aos uniformes de policiais militares do estado de São Paulo. Foto: Rovena Rosa (Agência Brasil)

O argumento utilizado por Freitas contra o uso do equipamento é contestado pela própria Polícia Militar de São Paulo, que apontou redução de 32,7% na resistência às abordagens policiais de 2019 a 2021 nos batalhões que usam a tecnologia. Isso contra 19,2% em batalhões que não usam.

Outros candidatos também já se posicionaram sobre o tema. Márcio França (PSB) afirmou ser defensor do fim do uso por considerar as câmeras invasivas. Para ele, o monitoramento diminui a letalidade, como apontam estudos, porque se diminuem as ocorrências por intimidação, e não por resolver os problemas de segurança. Fernando Haddad (PT) e Rodrigo Garcia (PSDB), atual governador, são a favor da permanência.

Pesquisa

Implantadas em Rondônia, São Paulo e Santa Catarina, a coleta de imagens dos policiais militares serve como prova em processos judiciais nos quais o agente de segurança é a principal testemunha de uma ocorrência, além de evitar abusos no uso da força policial.

Um estudo feito em Santa Catarina em 2018 e avaliado pela Universidade de Warwick, do Reino Unido, monitorou durante três meses o uso experimental das câmeras corporais em policiais. Os pesquisadores comparam, em um universo de 9.259 ocorrências, um grupo de policiais que trabalhavam com as câmeras e um grupo que trabalhava sem.

No final, foi constatado queda na diminuição do uso da força policial no grupo que fazia uso das câmeras: 56% no disparo de armas, 48% nas acusações de desacato e 12% no uso de algemas. Além disso, se registrou melhoria na qualidade das informações passadas pelos policiais. 

Luiz Alexandre da Costa é pesquisador do Laboratório de Estudos de Política de Defesa e Segurança Pública, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, doutorando em Ciência Política (UERJ) e mestre em Ciência Jurídicas e Sociais (UFF). Também é consultor do Instituto Fogo Cruzado e Major da reserva da Polícia Militar do RJ. Foto: arquivo pessoal

Segundo Luiz Alexandre da Costa, as câmeras gravam o policial enquanto ele está em serviço e não permite que o agente a desligue por conta própria. O ideal é que as imagens fiquem armazenadas por um ano e sejam analisadas em todos os casos de mortes decorrentes das ações policiais, indicou o especialista. Em casos não-letais, vale a análise se houver alguma denúncia de abuso. 

Costa defende que além de planejar a implementação, os estados precisam pensar na manutenção desses equipamentos e das imagens coletadas. Ele cita o caso do Rio de Janeiro como um exemplo. O estado, marcado pela violência das ações policiais nas comunidades, passa por um processo de implantação do monitoramento repleto de entraves. 

O programa que prevê o uso das câmeras já começou a ser testado na festa de réveillon, na virada de 2021 para 2022. No entanto, a compra de 22 mil equipamentos foi suspensa em fevereiro, após denúncias de irregularidades na licitação. O Supremo Tribunal Federal (STF) deu, também em fevereiro, o prazo de 180 dias para a polícia carioca começar a instalação das câmeras.

Os problemas da segurança pública

Segundo Luiz Alexandre, Major reformado que conversa constantemente com integrantes da classe policial, a maioria dos agentes é contra as câmeras corporais. Ele explica que a implementação dos equipamentos em outros policiais, como os civis e federais, poderia diminuir a sensação geral desses profissionais de que eles são os únicos vigiados.

O Fórum Brasileiro de Segurança também mapeou a quantidade de mortes de policiais em 2020 e mostrou que esses profissionais morreram mais por Covid-19 do que por assassinatos. 194 policiais foram mortos, enquanto 472 faleceram por complicações do coronavírus – o que equivale a 72% do total. 

Policiais militares em grupo. Foto: Tânia Rêgo (Agência Brasil)

O pesquisador explica que a principal hipótese para o alto número de mortes causadas pela doença está no fato de que os policiais não puderam fazer isolamento social. Somado a isso, tem o não uso de máscaras, especialmente por boa parte da classe acompanhar as recomendações do presidente Jair Bolsonaro (PL). Luiz Alexandre da Costa trabalha agora num estudo que analisa a mortalidade policial ao longo da pandemia. 

Para além do uso de câmeras, a mortalidade – tanto de civis quanto de policiais – deve ser reduzida através do uso de mais inteligência, tecnologia e investigação nas corporações. É o que defende o especialista, que conhece de perto a vivência dos policiais. Ele cita a medida do STF, de suspensão das operações em comunidades cariocas durante a pandemia, expedida em 2020. 

Segundo ele, a decisão fez com que a letalidade policial nas favelas caísse nos primeiros três meses, mas logo as ações retornaram a partir de um novo entendimento do comando policial carioca. O período de eficiência do parecer do STF, explica Luiz Alexandre, mostrou que a atividade criminosa não aumentou, o que coloca em cheque a necessidade da maioria das operações no estado. 

“A gente tem o exemplo do Jacarezinho, com [quase] três dezenas de mortes envolvendo, inclusive, a morte de policiais. Naquele momento daquela operação, houve um aumento da segurança? Tanto dentro da favela quanto do seu entorno? Ou aquela operação acabou gerando mais insegurança?”, questionou o especialista.

Ele se referiu à operação feita na comunidade do Jacarezinho, Rio de Janeiro, em 6 de maio de 2021. É considerada a mais letal da história, com 28 mortos. Segundo as autoridades policiais, 28 pessoas foram mortas – 27 identificadas somente como criminosos e um policial civil. 

O pesquisador não se mostra otimista com as propostas dos presidenciáveis colocadas na mesa até o momento. Apesar de enxergar nos planos dos Partidos dos Trabalhadores ideias mais robustas e completas para o desafio da segurança pública, Luiz Alexandre critica a fala de Lula do sábado (30). Na ocasião, o petista afirmou que Bolsonaro “não gosta de gente, gosta de policial”. 

Segundo Luiz Alexandre, apesar da retratação feita pelo ex-presidente que disse se referir à milícia, a declaração só reforça o estereótipo que os policiais sentem dos representantes de esquerda. O estereótipo é, para ele, o de que “eles [a esquerda] não nos vêem como gente, se nós não somos gente, somos descartáveis”. Na medida em que é colocado como problema, o policial que não se vê como parte da solução da segurança pública, traz mais dificuldade para resolver os desafios da área, explicou o Major reformado.

Confira a entrevista completa na edição do Café do MyNews desta segunda-feira (2):

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