Deputada fala sobre agravamento das desigualdades no Brasil sob o comando de Bolsonaro e cita descompasso entre integrantes da esquerda
por Vitor Hugo Gonçalves em 19/10/21 17:06
A deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) é cética sobre a possibilidade de uma frente ampla de esquerda para enfrentar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nas urnas. Em entrevista ao MyNews, a congressista faz críticas ao “negacionismo” do Palácio do Planalto, mas também pontua uma parcela da esquerda “prefere fazer a narrativa”.
Em suas falas, Tabata discorreu sobre a desigualdade socioeconômica que atinge o Brasil, escancarada pela pandemia de covid-19, além de expor críticas à condução federal frente à crise sanitária e o processo de tramitação do auxílio emergencial.
Deputada, a senhora foi eleita tendo como principal bandeira a educação. Quais foram os avanços ou retrocessos que a educação teve nesses últimos dois anos?
“A gente está vivendo um momento bem desafiador para a nossa educação. De forma geral, o que a pandemia faz é expor e aprofundar nossas muitas desigualdades, e já tínhamos uma desigualdade muito grande na nossa educação pública.
10% dos alunos de ensino médio já abandonaram a escola porque estão tão desmotivados, tão sem nenhum acesso durante a pandemia, que já não veem a educação como um futuro para si. Então, nos temos vários desafios que, infelizmente, foram ampliados, como a questão da desigualdade de acesso à internet, a desigualdade socioeconômica, que acaba refletindo na educação, e nesse meio tempo tivemos também uma série de desafios com o governo federal, que não entende seu papel no meio disso tudo, o papel de apoiar, de coordenar os esforços”
Mas tivemos também alguns avanços: o Congresso vem ocupando um lugar que deveria ser ocupado pelo governo. Aprovamos o novo Fundeb – responsável por metade do financiamento da educação básica –, que foi para a Constituição, e agora temos um fundo maior, mais redistribuível e que pela primeira vez olha pela qualidade da educação… Tenho muito orgulho dessa proposta, que apresentei assim que fui eleita, pois ela incentiva que os prefeitos coloquem, de fato, o recurso na educação, combatam a desigualdade, deem oportunidades iguais a esses alunos
[…] Alguns retrocessos, uma batalha muito grande, especialmente em relação ao Governo Federal e a esse contexto de pandemia, mas também muito orgulho pelo trabalho que a bancada da educação vem fazendo aqui na Câmara”.
O Congresso aprovou recentemente a PEC Emergencial, compreendida como uma condição imposta pelo governo para aprovar uma nova rodada do auxílio. Pela urgência do tema, não havia uma outra maneira de implantar o benefício?
“Com certeza. Eu sou uma das autoras de um projeto que viabiliza a prorrogação do auxílio emergencial, apresentado nove meses atrás… Então, sim, havia muitas maneiras de fazermos isso. Algo que sempre levo comigo, como alguém que conhece a fome, que sabe como a situação está na periferia, é: ‘quem tem fome tem pressa’. Quem tem fome não tem espaço para essas burocracias, para essa trapalhada toda que estamos vendo.
O que o governo fez foi uma manobra que eu, inclusive, tenho dificuldade em entender, porque ele colocou junto algo que era extremamente emergencial, que é a prorrogação do auxílio, com medidas fiscais que sequer têm impacto agora no curto prazo. [A PEC Emergencial] Não é o melhor caminho, havia outras maneiras, mais rápidas… As pessoas estão passando fome, a pandemia está no seu pior momento, e a gente não poderia ter ficado tantos meses sem o auxílio emergencial”.
Durante a tramitação da PEC Emergencial, a senhora recebeu ataques nas redes sociais, com diversas fake News. O que foi falado e o que é mentira?
“Da mesma forma que sou muito crítica ao negacionismo e às trapalhadas do governo, também sou muito crítica à uma parcela da esquerda que, infelizmente, prefere fazer a narrativa, prefere marcar uma posição a produzir soluções.
O que o governo fez foi amarrar a parte fiscal da PEC com a liberação de recursos para o auxílio. Não tinha como separar: ou você votava ou você não votava a PEC. Alguns parlamentares de esquerda preferiram ser contra a PEC, então ser contra a liberação de recursos para o auxílio emergencial, porque eram contra outros aspectos, contra narrativas de que o projeto veio do governo Bolsonaro. Eu não tenho coragem de fazer isso… Eu venho da periferia, eu moro em uma ocupação até hoje, eu sei o que a fome está fazendo no nosso Brasil. Por isso, não tenho coragem de atrasar em um dia a mais o auxílio emergencial.
Qual a leitura que eu faço: para se proteger dos ataques de quem iria dizer ‘você votou contra o auxílio emergencial’, algumas lideranças políticas começaram a propagar fake news dizendo que, a partir daquele momento, os salários dos servidores seriam congelados por 15 anos. Isso não tem um fundo de verdade sequer. E me parece que fizeram isso para desviar a atenção, para mobilizar os servidores, para que não apontassem o dedo e dissessem ‘vocês votaram contra o auxílio emergencial’.
Infelizmente, tive que passar diversos dias dizendo que isso é mentira, o que votamos foi ‘isso’. Porque quem está com o prato vazio não está na internet se mobilizando, não está em sindicato, não faz lobby… geralmente não é ouvido, nem pela esquerda e nem pela direita”.
A senhora acha que há uma dificuldade maior de união por parte da esquerda, seja em votações, disputas internas e até pensando em uma frente ampla para futuras eleições?
“Eu vou lutar até o último momento para que tenhamos uma alternativa ao Bolsonaro, porque hoje em dia é sobre as quase 300 mil mortes, é sobre um governo que está acabando com a nossa economia, que não consegue vacinar sua população e que, claramente, coloca narrativas políticas e projetos pessoais de poder acima de quem mais precisa.
Então, eu vou lutar, mas é muito difícil, pois uma parte da esquerda, em uma disputa de poder, em uma disputa de espaço, entra em conflito consigo mesma. Apresentei uma emenda para que pudéssemos fatiar a PEC, e não consegui 50 assinaturas – a oposição é muito maior que isso no Congresso. […] O ponto é: se uma luta que para mim é tão consensual, que é sobre quem passa fome, não consegue nos unir, se uma parte da própria esquerda utiliza as armas do gabinete do ódio, com fake news, ataques, xingamentos e ameaças, será que a gente entendeu o tamanho do perigo que estamos vivendo?
O meu questionamento não é nem sobre se teremos uma frente ampla, que considero necessária, mas se haverá uma frente restrita… me parece que não. Entretanto, eu continuarei lutando para que seja possível”.
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