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2022

“Me questiono se haverá até mesmo uma frente restrita”, diz Tabata Amaral sobre coalização da esquerda

Deputada fala sobre agravamento das desigualdades no Brasil sob o comando de Bolsonaro e cita descompasso entre integrantes da esquerda

por Vitor Hugo Gonçalves em 19/10/21 17:06

A deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) é cética sobre a possibilidade de uma frente ampla de esquerda para enfrentar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nas urnas. Em entrevista ao MyNews, a congressista faz críticas ao “negacionismo” do Palácio do Planalto, mas também pontua uma parcela da esquerda “prefere fazer a narrativa”.

Em suas falas, Tabata discorreu sobre a desigualdade socioeconômica que atinge o Brasil, escancarada pela pandemia de covid-19, além de expor críticas à condução federal frente à crise sanitária e o processo de tramitação do auxílio emergencial.

Íntegra da entrevista com a deputada federal Tabata Amaral.

Deputada, a senhora foi eleita tendo como principal bandeira a educação. Quais foram os avanços ou retrocessos que a educação teve nesses últimos dois anos?

“A gente está vivendo um momento bem desafiador para a nossa educação. De forma geral, o que a pandemia faz é expor e aprofundar nossas muitas desigualdades, e já tínhamos uma desigualdade muito grande na nossa educação pública.

10% dos alunos de ensino médio já abandonaram a escola porque estão tão desmotivados, tão sem nenhum acesso durante a pandemia, que já não veem a educação como um futuro para si. Então, nos temos vários desafios que, infelizmente, foram ampliados, como a questão da desigualdade de acesso à internet, a desigualdade socioeconômica, que acaba refletindo na educação, e nesse meio tempo tivemos também uma série de desafios com o governo federal, que não entende seu papel no meio disso tudo, o papel de apoiar, de coordenar os esforços”

Mas tivemos também alguns avanços: o Congresso vem ocupando um lugar que deveria ser ocupado pelo governo. Aprovamos o novo Fundeb – responsável por metade do financiamento da educação básica –, que foi para a Constituição, e agora temos um fundo maior, mais redistribuível e que pela primeira vez olha pela qualidade da educação… Tenho muito orgulho dessa proposta, que apresentei assim que fui eleita, pois ela incentiva que os prefeitos coloquem, de fato, o recurso na educação, combatam a desigualdade, deem oportunidades iguais a esses alunos

[…] Alguns retrocessos, uma batalha muito grande, especialmente em relação ao Governo Federal e a esse contexto de pandemia, mas também muito orgulho pelo trabalho que a bancada da educação vem fazendo aqui na Câmara”.

O Congresso aprovou recentemente a PEC Emergencial, compreendida como uma condição imposta pelo governo para aprovar uma nova rodada do auxílio. Pela urgência do tema, não havia uma outra maneira de implantar o benefício?

“Com certeza. Eu sou uma das autoras de um projeto que viabiliza a prorrogação do auxílio emergencial, apresentado nove meses atrás… Então, sim, havia muitas maneiras de fazermos isso. Algo que sempre levo comigo, como alguém que conhece a fome, que sabe como a situação está na periferia, é: ‘quem tem fome tem pressa’. Quem tem fome não tem espaço para essas burocracias, para essa trapalhada toda que estamos vendo.

O que o governo fez foi uma manobra que eu, inclusive, tenho dificuldade em entender, porque ele colocou junto algo que era extremamente emergencial, que é a prorrogação do auxílio, com medidas fiscais que sequer têm impacto agora no curto prazo. [A PEC Emergencial] Não é o melhor caminho, havia outras maneiras, mais rápidas… As pessoas estão passando fome, a pandemia está no seu pior momento, e a gente não poderia ter ficado tantos meses sem o auxílio emergencial”.

Deputada federal pelo PDT de São Paulo, Tabata Amaral concede entrevista ao Canal MyNews.
Deputada federal pelo PDT de São Paulo, Tabata Amaral concede entrevista ao Canal MyNews. Foto: Reprodução (Canal MyNews).

Durante a tramitação da PEC Emergencial, a senhora recebeu ataques nas redes sociais, com diversas fake News. O que foi falado e o que é mentira?

“Da mesma forma que sou muito crítica ao negacionismo e às trapalhadas do governo, também sou muito crítica à uma parcela da esquerda que, infelizmente, prefere fazer a narrativa, prefere marcar uma posição a produzir soluções.

O que o governo fez foi amarrar a parte fiscal da PEC com a liberação de recursos para o auxílio. Não tinha como separar: ou você votava ou você não votava a PEC. Alguns parlamentares de esquerda preferiram ser contra a PEC, então ser contra a liberação de recursos para o auxílio emergencial, porque eram contra outros aspectos, contra narrativas de que o projeto veio do governo Bolsonaro. Eu não tenho coragem de fazer isso… Eu venho da periferia, eu moro em uma ocupação até hoje, eu sei o que a fome está fazendo no nosso Brasil. Por isso, não tenho coragem de atrasar em um dia a mais o auxílio emergencial.

Qual a leitura que eu faço: para se proteger dos ataques de quem iria dizer ‘você votou contra o auxílio emergencial’, algumas lideranças políticas começaram a propagar fake news dizendo que, a partir daquele momento, os salários dos servidores seriam congelados por 15 anos. Isso não tem um fundo de verdade sequer. E me parece que fizeram isso para desviar a atenção, para mobilizar os servidores, para que não apontassem o dedo e dissessem ‘vocês votaram contra o auxílio emergencial’.

Infelizmente, tive que passar diversos dias dizendo que isso é mentira, o que votamos foi ‘isso’. Porque quem está com o prato vazio não está na internet se mobilizando, não está em sindicato, não faz lobby… geralmente não é ouvido, nem pela esquerda e nem pela direita”.

A senhora acha que há uma dificuldade maior de união por parte da esquerda, seja em votações, disputas internas e até pensando em uma frente ampla para futuras eleições?  

“Eu vou lutar até o último momento para que tenhamos uma alternativa ao Bolsonaro, porque hoje em dia é sobre as quase 300 mil mortes, é sobre um governo que está acabando com a nossa economia, que não consegue vacinar sua população e que, claramente, coloca narrativas políticas e projetos pessoais de poder acima de quem mais precisa.

Então, eu vou lutar, mas é muito difícil, pois uma parte da esquerda, em uma disputa de poder, em uma disputa de espaço, entra em conflito consigo mesma. Apresentei uma emenda para que pudéssemos fatiar a PEC, e não consegui 50 assinaturas – a oposição é muito maior que isso no Congresso. […] O ponto é: se uma luta que para mim é tão consensual, que é sobre quem passa fome, não consegue nos unir, se uma parte da própria esquerda utiliza as armas do gabinete do ódio, com fake news, ataques, xingamentos e ameaças, será que a gente entendeu o tamanho do perigo que estamos vivendo?

O meu questionamento não é nem sobre se teremos uma frente ampla, que considero necessária, mas se haverá uma frente restrita… me parece que não. Entretanto, eu continuarei lutando para que seja possível”.

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