O dia oito de janeiro de 2023, no ataque orquestrado aos Três Poderes da República, marcará, de forma indelével, nossa história e nossa sociedade, numa profunda cicatriz
por Rodrigo Augusto Prando em 10/01/23 08:31
Terroristas invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
“E se pensas que burlas as normas penais. Insuflas, agitas e gritas demais. A lei logo vai te abraçar, infrator. Com seus braços de estivador” (Chico Buarque).
O dia oito de janeiro de 2023 marcará, de forma indelével, nossa história, nossa sociedade, numa profunda cicatriz. Foi orquestrado um ataque, simultâneo, aos três Poderes da República, um ataque, no limite, à democracia e ao nosso Estado Democrático de Direito.
As imagens mostram uma turba enfurecida depredando as instalações do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto. Não foi nosso Capitólio, foi pior, muito pior, já que foi organizado e financiado objetivando ocupar e trazer o caos não só ao Distrito Federal, mas, também, a multiplicação destas ações nos vários estados brasileiros, com fechamento de estradas, refinarias, paralisação dos caminhões, entre outras estratégias amplamente divulgadas nas redes sociais ocupadas por bolsonaristas da extrema-direita.
Os eventos do domingo, em Brasília, não se resumiu a uma depredação, apenas. Não foram os prédios, os móveis, documentos e obras de arte de valor incalculável destruídos; foram torpedos de ódio direcionados aos valores da democracia, da vida republicana e das leis.
O ataque foi material e imaterial, simbólico. Nada, absolutamente nada, do que ocorreu foi por acaso ou uma surpresa para os que acompanharam de perto a política brasileira e mundial nos últimos anos. A divulgação da ocupação da Praça dos Três Poderes e a invasão dos prédios, bem como a continuidade em pontos e cidades estratégicas do país foi prenunciada pelos próprios bolsonaristas e foram captadas por estudiosos e por jornalistas que se debruçam na temática da extrema direita.
A destruição assistida, ao vivo, nas televisões ou nas redes sociais, não teria como promover uma ruptura, um golpe, já que, para isso, as condições objetivas demandam mais do que ônibus, refeições, banheiros químicos e barracas. Se, objetivamente, as condições de um golpe não se apresentam; ao menos, agora, está claro que, subjetivamente, nós temos muitos indivíduos e grupos dispostos, com vontade e com influenciadores, jornalistas, empresários e pessoas comuns que se afirmam do lado oposto da democracia.
Domingo, 08/01/23, demarcou, definitivamente, uma fronteira e que foi ultrapassada. Não eram apenas manifestações de descontentamento com as urnas, com o sistema eleitoral, com o resultado das eleições. Não. O desejo é de não aceitar a democracia e suas regras; de não aceitar a convivência dos três Poderes, sendo basilar que cada poder sirva de freio e contrapeso aos demais; o desejo é de instaurar o caos e, com isso, aguardar um líder messiânico e autocrata capaz de impor ordem e submeter todos os que pensam de forma diferente à tirania.
A aposta no caos está no pensamento, na ideologia, difundida por Steve Bannon, Alexander Dugin e no falecido Olavo de Carvalho, para ficar nos mais conhecidos. São os que não apenas querem bloquear e destruir a democracia, mas que são contrários às conquistas da Modernidade, do Iluminismo e das democracias liberais.
Há autores e livros que nos indicam as facetas e as dimensões deste fenômeno, alguns, à guisa de exemplo: “Tempestade ideológica – bolsonarismo: a alt-right e o populismo iliberal no Brasil”, de Michele Prado; “Guerra cultural e retórica do ódio: crônicas de um Brasil pós-político”, de João Cezar de Castro Rocha e “Brasil em transe: bolsonarismo, nova direita e desdemocratização”, de Rosana Pinheiro-Machado e Adriano de Freixo e “Menos Marx, mais Mises: o liberalismo e a nova direita no Brasil”, de Camila Rocha.
Que fique claro, límpido, evidente: o terrorismo doméstico, nos moldes da definição do FBI está entre nós e não são aloprados, uma minoria, um punhado de fanáticos. Muitos riram do comportamento dos bolsonaristas que foram acampar nas portas dos quartéis, de suas orações, de seu choro, do pedido de intervenção militar e até do pedido de ajuda aos extraterrestres. Tudo isso formou um caldo de cultura que, há muito, se faz presente na vida politica e no cotidiano dos brasileiros.
Ao final e ao cabo da eleição, o candidato derrotado não reconhece a vitória de seu adversário e coloca-se num silêncio eloquente, num silêncio que fala muito. Rodovias foram bloqueadas, tiros desferidos contra postos operacionais de concessionárias nas estradas, um órgão que não chegou aquele que aguardava transplante, um menino que quase ficou cego e que teve um pai desesperado pedindo para seguir viagem, ônibus queimados e um quase jogado de cima de um viaduto e até uma bomba sendo colocada num caminhão tanque que seria levado ao aeroporto de Brasília e que, segundo a fala do autor, deveria desencadear a decretação de um “estado de sítio” e de intervenção militar.
Isso tudo que aqui foi descrito e que está amplamente divulgado pelos meios de comunicação é resultado – direto e indireto – de um ataque à política, aos políticos e às instituições. A violência existe, sempre existiu, mas é monopólio do Estado nas sociedades alicerçadas sobre as leis e sobre a democracia. O Estado e a política, bem como as instituições e a própria democracia não são perfeitos. A violência, em Brasília e noutras áreas de nosso país, nega a política, é o contrário da política, que visa resolver os conflitos por intermédio do diálogo, no ambiente institucional, com regras e leis.
Negar e atacar a democracia e o Estado e seus Poderes, independente de quem é o político que ocupa o poder, é apostar no caos, na anomia e no distanciamento da civilidade, do convívio e de qualquer projeto de vida coletiva.
Que os lamentáveis episódios que assistimos sejam objeto de investigação, dentro da lei. Sem vingança e sem perseguições, apenas a força da lei e das instituições. Que agentes públicos entendam que sua função é proteger o cidadão, o patrimônio público, independente de quaisquer colorações políticas. O Estado, suas instituições, como as polícias e Forças Armadas, são permanentes, não podem, jamais, ser instrumentalizadas por qualquer político, partido ou ideologia.
Fiquemos, por fim, com uma reflexão: o que queremos para nossa sociedade? Paz, tranquilidade, leis e instituições funcionando no bojo da democracia ou o vandalismo, a destruição e a violência, simbólica e concreta em nossas ruas? Em que pese que a letra de Chico Buarque, do “Hino de Duran”, foi escrita em outro contexto, mas uma das suas estrofes parece bem atual e necessária: “A lei logo vai te abraçar, infrator”.
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