A experiência chilena, em que direita e extrema-direita se uniram contra a reforma constitucional, é didática e indica que o governo deve somar ao empenho de Lira e Pacheco pelo isolamento do bolsonarismo.
Em 08/05/23 16:09
por Política com Bosco
João Bosco Rabello traz uma bagagem acumulada em mais de 45 anos de profissão, em grandes veículos nacionais como O Globo e O Estado de S.Paulo. Sua coluna, agora no MyNews, traz insights valiosos e análises aprofundadas do cenário político direto de Brasília para os leitores.
(foto: MAURO PIMENTEL / AFP)
Ulysses Guimarães dizia que em política, por vezes, até a raiva é combinada. Referia-se ao teatro da política que se socorre com frequência da dissimulação para alcançar propósitos, eliminar resistências e desobstruir caminhos.
A reflexão vem a propósito da recente votação que derrubou trechos de projeto do governo suspendendo pontos da regulamentação do marco legal do saneamento. O resultado serviu para exibir o tamanho do governo na Câmara: 136 votos.
Como nas investigações de crimes, a primeira pergunta a ser feita é a quem serve o ato. No caso, a derrota é mais aparência que realidade definitiva para o governo: ela serve também ao presidente Lula como instrumento para quebrar resistências de aliados à consolidação parlamentar da aliança que o elegeu.
O exemplo chileno, que juntou a direita e a extrema-direita contra a reforma constitucional, é didático para que o PT se alinhe ao isolamento do bolsonarismo em sintonia com os presidentes da Câmara e Senado, como sinaliza Lula. Para isso, a aliança ao centro e à direita é fundamental.
É oportuno lembrar que Lula soube da derrota na sua véspera, quando se reuniu com o presidente da Câmara, Arthur Lira, para aparar as arestas que ainda impedem a retomada da rotina legislativa. Lira cobrou a liberação das emendas devidas pelo governo e alertou que não poderia mais evitar uma sinalização mais dura dos deputados.
O parlamento tem seus meios de mandar recados ao governo e um deles é a imposição de revezes, o que faz de forma proporcional à insatisfação e ao grau de percepção quanto as intenções do Executivo. No caso, o recado foi brando. Uma espécie de alerta amarelo.
A reação de Lula após a derrota deixou entrever que já a esperava a partir da conversa com o presidente da Câmara. Não a construiu, mas demonstrou que a usará a seu favor no ambiente interno. Seu papel na ópera foi o de “assumir” a articulação política, não sem antes elogiar o titular dessa missão, o ministro Alexandre Padilha.
Padilha vinha sendo alvo do fogo amigo que debitara em sua conta o saldo negativo da articulação. Lula desagravou o seu ministro e pessoalmente cuidou de iniciar o processo de liberação das emendas, medida essencial para reverter o humor dos deputados.
A liberação das emendas abre passagem para a tramitação do arcabouço fiscal, de importância vital para o governo. Mas não só: tenta remover passivo de maior gravidade que se junta à insuficiência de votos estampada na derrota de alerta.
O governo chega ao seu quinto mês com 20 medidas provisórias editadas – e nenhuma aprovada – e quatro Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) criadas. Em um mês, ou menos, as principais MPs irão caducar, inclusive a mais básica que reorganiza a Esplanada dos Ministérios.
A morte por inação das medidas provisórias é a derrota que não pode acontecer de forma ampla e integral. Elas representam a largada do governo e foram editadas na sequência da posse de Lula, refletindo parte do arcabouço social do governo, em contraponto ao fiscal.
Lá estão, entre outras, as MPs da retomada do programa Minha Casa, Minha Vida, o Novo Bolsa Família e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), além do voto de qualidade a favor da União em caso de empate em julgamentos Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
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