A família Cid confunde sua imagem à da família militar, do acampamento no QG ao comércio de jóias
Em 15/08/23 09:11
por Política com Bosco
João Bosco Rabello traz uma bagagem acumulada em mais de 45 anos de profissão, em grandes veículos nacionais como O Globo e O Estado de S.Paulo. Sua coluna, agora no MyNews, traz insights valiosos e análises aprofundadas do cenário político direto de Brasília para os leitores.
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Chavão em notas que tentam dissociar corporações do mau comportamento de seus integrantes, o clássico “não compactuamos com eventuais desvios de conduta” tem sido recorrente em manifestações das Forças Armadas. Notadamente do Exército.
O problema é que os desvios de conduta são cada vez menos “eventuais” e as notas se sucedem no mesmo diapasão. Já há elementos suficientes para constatar criminosos fardados com as tradicionais cores verde-oliva.
O mais notório deles, tem o tenente-coronel Mauro Cid, fiel Ajudante de Ordens do ex-presidente Bolsonaro, que compareceu à CPMI do Golpe impecavelmente fardado, com aval do Exército. E, a partir dele, descobre-se um novelo sem fim, a desafiar o compromisso constitucional e os critérios de promoção e nomeações de altas patentes em um governo que se pretendia redentor.
O desenho cívico que orientava o marketing da volta dos militares ao poder pelo voto virou um garrancho sem precedentes. Em nome do mofado combate ao comunismo, a caserna escancarou uma face ideológica que em nada deve aos extremos que condena no espectro político.
A nódoa alcança a instituição, em que pesem os esforços de retórica para manter-se dissociada dos “eventuais” desvios de conduta. O escândalo comprovado do comércio de patrimônio nacional, entre outros, não envolve as tropas, mas oficiais de cúpula, de altas e diversas patentes, o mais recente um ex-integrante do alto-comando.
A aventura de enredar-se com um capitão reformado para reescrever a história de 64 tem seu gene no ex-comandante da Força, general Villas Boas, de biografia e ideário cultuados nas Três Armas. Inconformado com a permanência do que chama de a versão da esquerda para o golpe de 64, tornou-se obsessivo em demonstrar que era uma versão fake.
Arrastou consigo a instituição ao sequer hesitar em abraçar-se àquele que afrontou fundamentos básicos da vida militar, como a hierarquia, a disciplina e o compromisso de não atentar contra os seus. A mesma causa que usou como pretexto para sua subversão quando nos quartéis, Bolsonaro aplicou para cooptar biografias militares até aqui preservadas: os salários.
Foi um derrame de dinheiro, uma farta distribuição de remunerações que chegou a garantir ganhos de R$ 100 mil a oficiais de alta patente. Ninguém poderia imaginar que tal estratégia chegasse ao ponto de transformar oficiais em camelôs. Pior, sob o messiânico slogan de Deus, Pátria e Família.
Dinheiro fácil na veia vicia como qualquer droga, como ficou demonstrado no descaminho pelo qual enveredou o general Mauro César Lourena Cid, contemplado com um cargo civil na Apex, em Miami, onde a família fez fortuna.
Não bastava, e o general de biografia aparentemente irretocável, ex-integrante do Alto Comando, emplacou o filho na antessala do presidente da República de quem fora colega na meritória e louvada Academia Militar de Agulhas Negras, polo qualificado da formação da elite militar brasileira. Sabe-se agora com qual finalidade.
E onde ficou o ideário de 64, de pretensa reedição, é o que se deve perguntar agora o velho general que deu a senha com um twitter para uma campanha implacável contra o Supremo Tribunal Federal, símbolo maior do Poder Judiciário. Na prática, os militares confirmaram seus críticos de 64 ao tentarem governar com sua própria Constituição.
O escândalo em curso ainda promete muitas revelações, inclusive contra políticos adesistas, mas já expõe, para além de seus efeitos judiciais, a defasagem das Forças Armadas em relação à evolução dos conceitos de sociedade e de seu papel nesse universo.
A família Cid confunde sua imagem com a família militar, explica a proteção aos acampamentos em frente ao QG do Exército, sede dos atos golpistas, e desnuda o despreparo profissional de seus integrantes em contraste com a lendária qualidade da formação profissional e moral dos militares.
Desde Pazuello, o general da Saúde, até Mauro Cid e família, o elemento analógico-subversivo está presente. O caminho das investigações sobre a trama da ruptura constitucional denuncia um Exército seduzido pela permanente tentação de tutelar a sociedade civil.
Capturar e-mails e mensagens de Whatsapp deletadas de forma incompleta é tarefa fácil para qualquer criança recém-saída das fraldas. É o jardim de infância da era tecnológica, que derrotou oficiais encarregados da segurança presidencial, com formação na inteligência. Ainda bem, nesse caso.
Os segredos caem, um a um, como no sugestivo título da operação policial roubado á Bíblia: Lucas 12:2, traduzido no versículo “não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido.” A ironia é o Sudário profano do general Lourena, sobretudo sob o lema oficial “Deus acima de todos”.
Oculto, por ora, resta o mistério por trás da célebre frase de Bolsonaro a Villas Boas, já como presidente da República. “General, o que já conversamos ficará entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”.
Será preciso ir além da retórica, porque reputações, como os diamantes, são eternas. Falsos brilhantes reluzem, mas não brilham.
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