Fala-se muito de “ameaça” evangélica sobre a presença de cristãos na política e no governo Bolsonaro. Há, porém, uma trajetória de 35 anos da existência de uma “bancada evangélica” no Congresso Nacional.
por Magali Cunha em 12/07/22 09:28
A relação entre religião e política, presente no Brasil desde 1500, quando a Igreja Católica aportou nestas terras com os colonizadores portugueses, deixou de ser unicamente objeto de estudos acadêmicos e ganhou as páginas de jornais e revistas e discussões populares em mídias sociais e outros espaços. Isto se deve ao protagonismo alcançado por um segmento cristão, o evangélico, especialmente a partir do processo eleitoral de 2018.
Fala-se muito do que alguns chamam de “ameaça” evangélica, e outros, ao contrário, de “bênção de Deus”. As avaliações díspares respondem à intensificação da presença de cristãos na política, estimulada pela aliança do governo Bolsonaro com lideranças deste segmento religioso. Este processo tomou a forma da ocupação de cargos no Poder Executivo, rearticulação de alianças o Poder Legislativo, e a emersão de personagens do Poder Judiciário identificados com a fé cristã que interferem em políticas e realizam ações públicas (vide a controversa Operação Lava Jato).
Há, porém, uma trajetória de 35 anos da existência de uma “bancada evangélica” no Congresso Nacional. Ela foi intensificada durante a presidência de Eduardo Cunha (MDB/RJ) na Câmara dos Deputados, com a ênfase em pautas da moralidade sexual e defesa da “família tradicional”. Esta força política no Congresso Nacional uniu forças com uma direita ressentida, nada religiosa, e foi determinante para que Dilma Rousseff fosse tirada da Presidência da República em 2016.
Como pesquisadora sobre “religião e política” há muitos anos, não é difícil observar que lendo, assistindo e ouvindo o que se torna público, em espaços acadêmicos, jornalísticos e populares, ainda há muita incompreensão e equívocos em abordagens sobre evangélicos. Em parte, estes são provocados pelo desconhecimento da história e das dinâmicas que envolvem este grupo religioso no país, por outro lado são movidos por imaginários e preconceitos.
Por isso, o primeiro livro da série “MyNews Explica!”, editado em parceria com a Editora Almedina, “Evangélicos na Política Brasileira”, de minha autoria, é uma importante contribuição a quem deseja compreender este processo. Em linguagem acessível, o livro oferece informações, dados, reflexões que partem de um ponto básico imprescindível para se abordar o tema: ao nos referirmos a “evangélicos” não estamos tratando de um grupo monolítico, único, coeso. É uma teia formada pelos mais variados fios, que representam teologias, práticas, costumes, visões de mundo, estruturas organizacionais as mais diversas.
É nesse sentido que a quase totalidade do conteúdo circulante sobre este tema trata de evangélicos como sinônimo de conservadorismo e acaba ignorando o significado da intensa presença de grupos evangélicos que atuam como ativistas políticos progressistas nos mais diversos movimentos e nas mídias sociais.
Por isso, em mais um ano eleitoral, voltam à cena várias abordagens sobre a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência, em 2018, atreladas a um apoio massivo deste grupo religioso. Na lógica que alguns analistas de política seguem, esta base evangélica seguirá dando o voto para que Jair Bolsonaro seja reeleito no outubro próximo. Afinal, o atual presidente segue exibindo sinais do apoio inabalável de lideranças evangélicas de grandes igrejas, mesmo em meio a crises de corrupção como a que atingiu o Ministério da Educação.
Porém, para além de uma lógica numérica, é muito importante compreender motivações para o voto neste segmento, que estão para muito além da ideia de que evangélicos votam em quem pastores mandam.
Aprender a ver os evangélicos com um grupo fragmentado e diverso e observar as nuances que o formam é uma primeira lição a ser tomada, que ajuda a superar equívocos recorrentes. Com a série “MyNews Explica!”, vale a pena reafirmar: religião e política podem ser discutidas, sim! Desde que seja com base em conteúdo coerente.
*Magali Cunha é jornalista e doutora em Ciências da Comunicação. É pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER) e colaboradora do Conselho Mundial de Igrejas.
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