Ao compor uma frente ampla em defesa do processo democrático, Lula recrutou um grupo diverso e, em alguma medida, instável. Surge, então, o inusitado desafio de começar um Governo com seis ministros presidenciáveis
por Mister U em 14/04/23 18:26
Coluna do Mister U
Lula, Alckmin, Haddad, Tebet, Marina Silva, Rui Costa e Dino. Diferentes origens, com histórias que se cruzaram como adversários, todos hoje compartilham duas questões: um cargo de primeiro escalão e um olho nas eleições de 2026. A ciência política reconhece que os políticos estão sempre em busca da próxima eleição, e a ansiedade por mudanças é uma constante no Brasil, porém a atual conjuntura, em que o Presidente da República disputa o palanque de 2026 com seis de seus ministros é, no mínimo, inusitada.
Apesar de sua incontestável experiência, o Presidente não está nessa situação por escolha, mas por falta dela. Encarando um pleito extremamente polarizado (lugar comum do atual momento histórico no mundo), Lula foi capaz de vencer por um fio de cabelo ao construir uma aliança “jamais vista na história desse país”, tendo recebido apoio de aliados, interesseiros, desafetos e rivais históricos. Resultado: todos foram, e assim se sentem, essenciais para a sua terceira subida pela rampa do Planalto.
Em seu discurso de vitória, Lula (lendo) foi preciso e correto ao reconhecer as adesões recebidas. A construção de sua transição e da Esplanada com a qual reassumiu o posto, porém, denotam a impossibilidade de um Executivo forte e centralizado no projeto do Partido dos Trabalhadores. Aliás, é forçoso lembrar que, enquanto candidato, deu indícios de que não concorreria à reeleição em 2026. Bolsonaro disse o mesmo em 2018…
A combinação desses dois fatores – uma aliança complexa de vitoriosos cobrando seu quinhão e sua possível ausência na eleição seguinte – com a descrença de parte da população, que votou em Lula apesar dele e de seu partido, motivou a inédita antecipação do duelo de 2026 para o período da transição. Haddad, Alckmin e Tebet já precisavam escapar de desconfortáveis perguntas sobre suas plataformas de campanha antes de tomarem posse em suas pastas.
Fernando Haddad, aliás, é o caso mais emblemático. Respeitado e considerado moderado para os padrões do PT, o Ministro da Fazenda tem dois grandes potenciais: o de “guardar lugar”, como fez ao concorrer à Presidência em 2018 diante da prisão de Lula e faz agora diante da nada crível desistência antecipada do Presidente; e o de ser derrotado em eleições, acumulando três derrotas seguidas (à reeleição à prefeitura de São Paulo em 2014, a citada ao Planalto em 2018 e ao Governo de São Paulo em 2022). Haddad parece ter sido escolhido pelo Presidente Lula para ser seu substituto justamente por não oferecer nenhum risco ou ameaça interna na estrutura do PT. Um personagem de reconhecida competência técnica, porém sem carisma, com pouca articulação política e nenhuma experiência em lidar com o Legislativo. Qualquer semelhança talvez não seja mera coincidência…
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Haddad presta outro serviço a Lula: os desgastes necessários ao ajuste fiscal e outras decisões amargas no campo da economia poderão ser atribuídas ao Ministro, liberando o Presidente para colher os louros de uma política econômica minimamente austera. Nenhum ministro da Fazenda será popular em tempos de vacas magras…
Haddad procura seu lugar ao sol na área econômica disputando com Geraldo Alkmin e Simone Tebet. O ex-Governador de São Paulo deixou um PSDB diminuído e perdido por um PSB que saiu das urnas igualmente diminuído e perdido. Depois de derrotado para seu atual chefe em 2006 e para Bolsonaro em 2018, Alkmin assumiu a cadeira de Presidente da República pela primeira vez graças a Lula, em 2023, durante a missão aos EUA. Eternizado como o insosso “chuchu”, nunca foi bom de voto, mas é um excepcional articulador. Todavia, nunca será um aliado confiável para o PT, que o encara como um caçador de recompensas. Faz uma boa relação com o mercado, sendo esse e o seu histórico positivo à frente da maior economia do País os seus maiores trunfos. São as armas que possui e que, discretamente, usa para se cacifar.
Tebet vive as dores e as delícias de ser uma novata no cenário. De família política do distante Mato Grosso do Sul, a ex-Senadora surfou na onda do combate à corrupção e nas agendas sociais, angariando votos entre os descontentes com Bolsonaro e os órfãos de Moro. Seu apoio parece ter sido importante para perfis de votantes que torciam o nariz para Lula. Mas sua curta história nacional não permitia que ficasse fora da cena política por quatro anos e ainda manter o capital eleitoral. Assim, optou por aderir a um governo no qual não acredita e com o qual não compartilha valores. Por enquanto, acompanha a boiada com as pistolas no coldre, e só deve sacá-las mais próximo de 2026.
Marina Silva por sua vez possui esse capital. Já teve vinte milhões de votos e é um nome reconhecido nacional e internacionalmente. Seria difícil Lula não lhe ceder o Ministério que ocupou em seu segundo mandato, antes de romper com o PT e se tornar persona non grata da então futura Presidente Dilma, com quem ia às turras enquanto Ministra de Minas e Energia e Casa Civil. Marina goza de prestígio internacional e empresta credibilidade na sustentabilidade, área em que Lula precisa desesperadamente se diferenciar do seu antecessor com entregas efetivas. Daí certamente surgirão tensões, pois será improvável que o Governo avance, ou mesmo recupere terreno, em uma agenda que se tornou arena ideológica e que esbarra em interesses econômicos quando se precisa de um impulso de desenvolvimento. Mulher com uma história pessoal de desafios, o trunfo de Marina é sua projeção internacional e o olhar do norte global.
Dino surge como um lobo solitário. Embora tenha se apresentado como opção à vaga de vice antes de Alkmin fechar sua transição ao PSB, o ex-PCdoB e ex-Governador do Maranhão, estado que deu massiva vantagem a Lula, é um ambicioso político que já ocupou cadeira nos três poderes, um em cada esfera da federação. Dino não perderia a oportunidade de estar nesse grupo, e a crise institucional pós 8 de janeiro, combinada com a atração da oposição no Congresso pelo seu nome – CPI dos atos antidemocráticos, diversos convites e convocações apresentadas – lhe deram a chance de provar sua competência, habilidade política e sede por voos mais altos. A pasta da Justiça também é responsável pela Segurança Pública, um calcanhar de Aquiles das estruturas do Executivo, com viés bolsonarista e lavajatista. Dino é crucial, sabe disso, e vai capitalizar junto a Lula, ao PT e, se tiver espaço, à população.
De carona na carruagem do governo, aparece Rui Costa. O ex-governador da Bahia, colégio eleitoral fundamental para a vitória, é quase um preposto de Jacques Wagner, verdadeiro líder regional na legenda. Na Casa Civil, tem tentado equilibrar e servir de anteparo às balas que um governo sem base enfrenta no Congresso. Enfrenta ainda outro desafio: coordenar os quase quarenta ministros, cujas pautas se sobrepõem e cujas orientações políticas nem sempre convergem. Tem pouco capital próprio, mas se Lula e Haddad por suas razões não puderem concorrer, talvez seja o melhor nome que o PT poderá apresentar, especialmente se alcançar um razoável sucesso na condução política.
O atual Presidente é um experiente xerife que pensa em aposentar e passar o manto para um sucessor à sua altura, mas ainda tem truques na manga e, talvez, disposição para uma aventura final. Lula esteve presente em todas as eleições desde a constituinte: das nove, disputou as três primeiras (1989, 1994 e 1998), venceu três (2002, 2006 e 2022) e apresentou prepostos nas outras três (2010, 2014 e 2018). Sua influência sobre 2026 é inegável e suas escolhas até lá determinarão os passos e ações dos demais candidatos. Sete integrantes do governo se encaram, com dedos nervosos e armas (ainda) na cintura. A qualquer momento, alguém começará a atirar. Até lá, o faroeste que se tornou a política brasileira vai continuar um grande impasse mexicano.
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