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Um balcão de negócios na Câmara do Rio

Após 12 anos de quarentena, voltou a andar no Tribunal de Justiça uma ação civil pública destinada a provar que Ivan Moreira não preenche os requisitos de idoneidade moral e reputação ilibada para conselheiro do TCM

por Chico Otavio em 10/03/24 21:23

Desde que deixou a política em 2007, o carioca Ivan Moreira, de 65 anos, atua como um zelador das contas públicas do Rio de Janeiro. Ele é um dos sete conselheiros do Tribunal de Contas do Município (TCM).  O cargo lhe dá poderes para fiscalizar a gestão da cidade e evitar abusos. Uma preocupação a mais entrou na agenda do conselheiro em dezembro do ano passado. Após 12 anos de quarentena, voltou a andar no Tribunal de Justiça uma ação civil pública destinada a provar que Moreira não preenche os requisitos de idoneidade moral e reputação ilibada para o cargo. Dados levantados pelo Ministério Público estadual (MP-RJ), à época, atualizados com levantamentos do MyNews, mostram que o conselheiro é um prodígio do mercado imobiliário da cidade, especialmente em Jacarepaguá, com um patrimônio que evoluiu no rastro da carreira política.

Em nome de Ivan Moreira e da Valex Desenvolvimento Imobiliário Ltda, na qual o conselheiro é sócio, aparecem 79 matrículas em cartórios de registro de imóveis no Rio de Janeiro, em Petrópolis, em Matias Barbosa e em Juiz de Fora (as duas últimas em Minas Gerais). A maioria das propriedades está matriculada no 9º Ofício de Registro de Imóveis da Capital, cuja competência registral abrange Barra da Tijuca, Jacarepaguá e Recreio dos Bandeirantes. Moreira, em 2004, era primeiro-secretário da Câmara Municipal quando os vereadores aprovaram o Projeto de Estruturação Urbana da Taquara (PEU-Taquara), que mudou as regras de construção e alavancou os negócios imobiliários na Freguesia, no Pechincha, na Taquara e no Tanque, bairros de Jacarepaguá onde Moreira iniciou a carreira política e a fartura imobiliária.

Moreira foi eleito pela primeira vez para a Câmara em 1992, no momento em que os legislativos municipais passaram a ter poder de decidir sobre as regras da construção. Até então, só os prefeitos davam as cartas, por decretos. Mas a Constituição de 1988 e as leis orgânicas municipais criaram condições para os vereadores atuarem em questões como a mudança de uso das áreas das cidades e a fixação dos gabaritos de edificação. Em tese, a intenção era das melhores possíveis, uma vez que democratizava um tema essencial para a vida dos moradores. Porém, ao estabelecer nova relação das Câmaras com o mercado imobiliário, a mudança abriu caminho para a conversão do legislativo, quando controlado por interesses suspeitos, em balcão de negócios.

Desde então, teve início um festival de projetos de lei avulsos, que alteraram o uso e a ocupação do solo – alguns deles, delimitados a um único prédio ou terreno. Para abrir a porteira para o mercado de construção, os vereadores apresentavam projetos pontuais e não tinham grande dificuldade de aprová-los, mesmo por maioria absoluta. Houve casos em que a Câmara legalizou obras erguidas em áreas protegidas e outras limitações relevantes. Ou seja, os vereadores legalizaram o ilegalizável, como puxadinhos e coberturas irregulares, oferecendo um convite à ocupação ilegal da cidade.

Na esteira do fenômeno, alguns políticos não se contentaram apenas em ficar atrás das balizas da atividade parlamentar. Eles viraram dublês de vereadores e empresários. Foi o caso de Ivan Moreira. Pesquisa limitada aos nomes citados na ação civil pública revelou pelo menos quatro empresas ligadas ao conselheiro e que apresentaram no contrato social atividades do ramo imobiliário – além da Valex, entram na conta a Nossa Senhora de Fátima Administração de Bens Próprios, a Santa Bárbara Administração de Bens Próprios e a empresa individual de Georgina dos Santos Valente de Oliveira, mulher de Ivan e ex-responsável por um cartório de registro civil em Jacarepaguá.

Salto patrimonial de 300% em cinco anos, diz MP

Ivan Moreira tomou posse no TCM em setembro de 2007, após presidir por dois anos e meio a Câmara Municipal. Três meses depois, o MP-RJ entrou com uma ação civil pública, distribuída à 5ª Vara da Fazenda Pública, pedindo para barrar a nomeação. Na denúncia, sete promotores citaram provas do aumento do patrimônio do conselheiro em quase 300%, em apenas cinco anos. Eles sustentaram que, como forma de cobrir o salto financeiro, Moreira teria usado uma empresa fantasma e laranjas na tomada de falsos empréstimos. Ele também foi acusado de manter um esquema de rachadinhas em seu gabinete, com a nomeação de funcionários fantasmas.

Ivan declarou, segundo a ação do MP, a tomada de “empréstimo” de R$ 60 mil, em 2002, junto a Dilson Pereira de Andrade. Dilson, à época, residia na Rua Araújo Leitão 1.035, casa 49, no Morro do Barro Preto/Árvore Seca, no Lins de Vasconcelos. Os promotores apuraram que Dilson vivia em “uma residência bastante humilde , encravada entre diversas outras casas igualmente humildes”. Os vizinhos disseram que Dilson morava numa casa que tem pouco mais de 35 metros quadrados, com telha de amianto e paredes sem reboco.

Travada por manobras da defesa, a ação estava parada desde 2011. Os advogados alegaram, entre outros pontos, que o Judiciário não teria competência para analisar os aspectos relacionados à moralidade administrativa no preenchimento de cargos públicos. No ano passado, autorizado por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que julgou a ação legítima, o Tribunal de Justiça negou um recurso do ex-vereador – contra o uso da quebra dos seus sigilos bancário e fiscal pelo MP-RJ – e mandou o processo seguir. Mas os advogados do conselheiro ingressaram com nova petição, ainda não apreciada, pedindo o arquivamento do processo. Sustentam que o cliente já fora inocentado dessas acusações em outra ação – esta por improbidade – que teria sido arquivada.

Em fotos de divulgação do TCM, o conselheiro sempre aparece com um sorriso largo, acentuando o maxilar quadrado. Motivos de satisfação, não faltam a esse carioca do Méier. Moreira cumpriu quatro mandatos consecutivos na Câmara Municipal antes de migrar para o TCM. Atravessou a carreira de conselheiro sem ser assombrado pelo fantasma da ação movida pelo MP. Hoje, é corregedor do tribunal de contas. Sua influência ainda é forte do legislativo municipal e seria responsável por manter há duas décadas um ex-sócio em posto de gasolina (Auto Posto Chacaltaya Ltda), Cesar Rodrigues Abrahão, como chefe de gabinete da Presidência da Casa.

O ponto de partida de seus negócios é a Rua Professor Henrique Costa, na Taquara. O endereço, que já foi uma fazenda de gado no passado, ajuda a explicar como uma antiga pastagem se transformou aceleradamente em selva de concreto armado das últimas duas décadas. A rua onde Ivan Moreira morou (número 730) e instalou uma de suas empresas, a HC Serviços em Geral Ltda (número 725) foi uma das contempladas pelo PEU Taquara, de 2004. O projeto, que contou com o voto favorável do então vereador, definiu a região como uma das prioridades dos investimentos públicos municipais, além de aumentar os gabaritos e criar outros benefícios na construção. Um excelente negócio para o mercado.

As edificações brotaram praticamente de um lado da rua. No outro, contido por uma encosta, ainda resistem casas simples, muitas delas em vilas. Algumas, antes moradias, viraram lojas, depósitos e oficinas mecânicas. Por alguma razão desconhecida, havia uma quantidade expressiva de integrantes da Polícia Militar (PM) entre os novos moradores. Um deles, Ronnie Lessa, apontado como executor, há quase seis anos, da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Foi desse prédio, a dois números do antigo endereço de Ivan Moreira, que um dos comparsas de Ronnie, José Márcio Mantovano, o Márcio Gordo, teria supostamente retirado as armas do assassino da vereadora, até hoje não localizadas pelos investigadores.

Não há qualquer indício que envolva Ivan Moreira com crimes de sangue e, muito menos, com o Caso Marielle. Porém, essa proximidade, ainda que física, entre política, quadrilhas e negócios imobiliários é uma situação recorrente em importantes investigações sobre a escalada das ações do crime organizado na cidade.

Rua Professor Henrique Costa 730 – Foto: Gustavo Stephan

Rua Professor Henrique Costa 841 – Foto: Gustavo Stephan

Rua Professor Henrique Costa 841 – Foto: Gustavo Stephan

Rua Professor Henrique Costa, na Taquara, no Rio – uma antiga fazenda de gado – Foto: Gustavo Stephan

Rua Professor Henrique Costa 730 – Foto: Gustavo Stephan

IE Empresa Celta – Foto: Gustavo Stephan

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