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Assediadores não podem passar

Enfrentar assédio moral numa empresa é mais do que criar uma área de compliance. A mudança tem que vir de cima

por Beatriz Prates em 15/12/20 16:21

Eu já sofri assédio moral. Foi duro, doloroso e levou um tempo para recuperar minha autoestima. Aconteceu há alguns anos. E posso dizer: o assédio moral te mina, aos poucos. É uma construção. O assediador, de repente, toma conta da narrativa do profissional que você é e constrói um caminho que te fragiliza, te desmoraliza. Por um tempo, você aceita aquela situação. Até você não aguentar mais.

Lendo na revista piauí o inexplicável percurso da comediante Dani Calabresa para denunciar o assédio sexual que sofreu na Globo, eu lembrei muito da minha jornada. Claro que não dá pra comparar os dois tipos de assédio e na minha época não tinha um departamento de compliance para reclamar. Mas tem alguns pontos parecidos. Os colegas que acobertam, os chefes que não fazem nada e a paralisia da empresa que não toma uma atitude. É a cultura do assédio impregnada em milhares de empresas pelo mundo. Se as empresas não conseguem resolver assédio moral, quem dirá assédio sexual.

Na minha experiência, o assediador era uma mulher. Lembro que entrei para a nova equipe e os colegas me avisaram: “Olha, ela é meio difícil. Grita e trata mal, mas depois de uns meses melhora”. Os assediadores sabem como manipular. Passam uma imagem de eficiência e superioridade. São articulados e, quando em perigo ou ameaçados, atacam. 

Era uma equipe super profissional e super oprimida. Na hora do trabalho ninguém conversava com ninguém. E a voz da assediadora reinava absoluta. Lembro de falar para meus colegas que aquilo não era normal, mas eles pareciam anestesiados.

Assédio moral é um problema mais comum do que se imagina em empresas
Assédio moral é um problema mais comum do que se imagina em empresas.
(Foto: Pixabay)

Depois de vários ataques, um dia a assediadora passou dos limites. Ela achou que eu tinha cometido um erro grave, tinha errado uma conta. Me chamou, me trancou numa sala com o supervisor e gritou barbaridades. Não me ouvia. Disse que sabia, desde o início, que eu ia errar, que era questão de tempo. Me questionou como profissional. Urrava a frase “quem você pensa que é?”. Questionou minha carreira inteira. Na época, tinha mais de 15 anos de jornalismo. E enquanto a gritaria rolava, o supervisor refazia a conta e confirmava que eu estava errada. Não me conformei. Saí da reunião e procurei alguns colegas que refizeram a conta e provaram que eu estava certa. Foram necessárias 4 pessoas diferentes na sala de reunião até que a assediadora aceitasse que quem estava errada era ela.

Fiquei muito mal. No dia seguinte o supervisor me procurou, constrangido. Começou a conversa pedindo desculpas. Confessou que tinha feito a conta errada para agradar a assediadora. Ou seja: ele fez a conta dar o número que ela queria. Ele traiu a lógica, a matemática, o correto, tudo para satisfazer a assediadora. Imagina o risco que uma empresa corre com situações como essa? Ele queria meu perdão.

Levei uns dias para me recuperar e depois tive a coragem de  procurar a chefe da assediadora. Contei o que tinha acontecido. A chefe disse que aquilo era inadmissível. Foi gentil. Me colocou em outra equipe e disse “ vou pensar se vou falar com a assediadora. Tenho medo que ela comece a te perseguir”. Nunca mais tive notícias. Pelo que sei, ambas – a chefe e a assediadora -, continuam na empresa, liderando. 

Enfrentar assédio numa empresa é mais do que só criar uma área de compliance. A mudança, na minha opinião, tem que vir de cima. Não adianta o chefe dizer que não aceita certos comportamentos e quando a denúncia vem, não fazer nada. Os líderes de hoje têm que pesar na avaliação não só o resultado, mas a postura. O estrago que os assediadores causam na equipe também tem que ser medido. E sempre perguntar: vale a pena continuar com alguém que entrega resultados na base da humilhação? Na minha experiência, não. Vi um supervisor trair a lógica e a matemática para agradar uma assediadora.

Enquanto o discurso for “ah, mas é um ótimo profissional” as empresas não avançam. Uma denúncia de assédio moral tem que ser investigada e o assediador precisa ser punido, receber treinamento, se ajustar. Já a denúncia de assédio sexual, na minha opinião,  deveria ser tratada como um caso de Covid, com isolamento do denunciado. Depois, uma investigação séria, rápida e eficiente. Se comprovado o assédio só há uma saída para a empresa: punição exemplar. Assediadores não podem passar. 

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