O '6 de Janeiro' brasileiro vem aí, e será muito pior que o americano
por Cedê Silva em 14/06/22 14:38
Foto: Marcos Corrêa/PR
Uma das editorias permanentes do jornalismo em Brasília é a dos “militares incomodados”.
O leitor pode fazer uma rápida busca no Google e verificar o que estou falando. Busque pelo termo “militares incomodados” e veja quantas manchetes, de quantos jornais diferentes, empregaram esse termo desde 2018 – ainda antes de Bolsonaro tomar posse.
Funciona assim: nunca tantos militares estiveram no poder, empregados em tantos ministérios, estatais e agências (inclusive na Anvisa). Apesar de usufruírem do poder, de altos salários e de se meterem com frequência em áreas para as quais não têm a menor competência, alguns militares falam – sempre em off, ou seja, sem serem identificados pelos jornalistas – que estão “incomodados” com este ou aquele “arroubo” de Bolsonaro.
Não sei quanto aos militares, mas eu aprendi que quando a gente está incomodado pode ser o caso de procurar um dermatologista. Jornalistas assinam notinhas, não receitas médicas.
De “incômodo” em “incômodo”, os militares mais ambiciosos alcançaram um duplo fenômeno: o milico de governo e o milico de oposição. Existem hoje generais a favor de Bolsonaro e os supostamente contra. O general Hamilton Mourão, na prática um para-raios público para as boiadas do Ministério do Meio Ambiente, é agora do grupo da oposição. Oficialmente rompido com o presidente, já que não vai repetir a chapa de 2018, será candidato no Rio Grande do Sul. O general Santos Cruz deve seguir o mesmo caminho. O almirante Barra Torres, no comando da Anvisa, usou de sua patente para tentar botar moral no capitão na questão da vacinação das crianças.
A Câmara dos Deputados já tem hoje, diga-se, dois generais, dois coronéis e um major do Exército – todos de primeiro mandato, eleitos na onda bolsonarista de 2018.
O major da reserva é Vitor Hugo, que já foi líder do governo Bolsonaro na Câmara e do extinto PSL. Em agosto de 2021, na noite da votação da PEC do Voto Impresso, fez no plenário o discurso mais importante: mesmo perdendo, nós ganhamos.
“Ainda que nós percamos no Plenário hoje, nós já vencemos a discussão na sociedade brasileira” disse o major. “Porque milhões e milhões de brasileiros conseguiram ter a liberdade e a segurança de irem às ruas. E de expressar a sua opinião. E de dizer que não confiam no sistema, e é esse o ‘gap’ de confiança que existe que precisa ser suplantado pelas ações nossas, dos parlamentares que têm que ser sensíveis”, acrescentou.
A PEC do Voto Impresso foi derrotada, horas depois do desfile dos tanques da Marinha que soltavam mais fumaça que o Planet Hemp. Mas os militares, ao menos os que falam publicamente, continuaram fazendo de tudo para aumentar o gap citado por Vitor Hugo.
Na quinta passada (9) o deputado federal General Girão (PL-RN) disse à CNN Brasil, sobre as eleições: “qualquer meio eletrônico que use o sistema mundial de computadores, ele está sujeito sim à interferência”. Na verdade, as urnas eletrônicas não são conectadas à internet. General Girão deve saber disso, mas não faz questão de informar o público.
No dia anterior, o ministro da Defesa, o também general Paulo Sérgio, se recusou a responder na Câmara se as Forças Armadas vão respeitar o resultado das eleições. Preferiu citar o artigo 142 da Constituição, o favorito de Bolsonaro, no qual o fã de Brilhante Ustra enxerga uma imaginária e fantasiosa atribuição de autogolpe.
Na noite deste domingo (12), reportagem da Folha mostrou que os militares só começaram a questionar o sistema eletrônico de votação no fim de 2021. O Brasil começou a usar urnas eletrônicas em 1996. Durante 25 anos, portanto, nossos líderes repousaram em berço esplêndido diante do que apenas agora julgam ser uma ameaça.
Os militares incomodados “em off” com os “arroubos” de Bolsonaro estão incomodados “em on” com as urnas eletrônicas. O ‘6 de Janeiro’ brasileiro vem aí, e será muito pior que o americano.
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