Arquivos aborto - Canal MyNews – Jornalismo Independente https://canalmynews.com.br/tag/aborto/ Nosso papel como veículo de jornalismo é ampliar o debate, dar contexto e informação de qualidade para você tomar sempre a melhor decisão. MyNews, jornalismo independente. Thu, 15 Aug 2024 17:59:08 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Assistolia fetal é recomendado para diminuir o sofrimento psíquico da mulher, diz médico https://canalmynews.com.br/opiniao/assistolia-fetal-e-recomendado-para-diminuir-o-sofrimento-psiquico-da-mulher-diz-medico/ Mon, 17 Jun 2024 21:32:03 +0000 https://localhost:8000/?p=43938 Método é referendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para realizar abortos em mulheres com mais de 20 semanas de gravidez

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A assistolia fetal, método indicado para realizar abortos em mulheres com mais de 20 semanas de gravidez, é o mais recomendado para diminuir o sofrimento psíquico da mulher. Foi o que afirmou o médico obstetra Olímpio Moraes, referência em aborto legal no Brasil, ao programa Segunda Chamada de sexta-feira (14). O procedimento, referendado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), consiste na injeção de produtos químicos no feto para induzir a parada dos batimentos cardíacos dele antes de retirá-lo do útero.

Em 3 de abril deste ano, o CFM (Conselho Federal de Medicina), na resolução 2.378/2024, proibiu a realização da assistolia fetal, medida depois suspendida pelo STF (Supremo Tribunal Federal). A decisão do CFM alega que o procedimento pode ser considerado “tortura” para o feto, uma vez que causaria muita dor ao nascituro. Mas o argumento não é consenso entre os médicos. Além disso, é certo que a assistolia fetal é o método abortivo mais eficaz em gestações acima de 20 semanas.

Segundo Moraes, a administração do medicamento abortivo Misoprostol em mulheres com gestações avançadas pode levar a uma tentativa malsucedida de aborto. Isso significa que é possível que o feto sobreviva, o que seria o pior cenário. Caso isso aconteça, ele viverá com uma série de problemas graves e saúde, e terá grande chance de morrer poucos meses depois de ser retirado da barriga da mãe.

Leia mais: ‘Criança não é mãe’: entenda o que está em jogo por trás do Projeto de Lei 1904/24

“Quem vai adotar aquele filho prematuro, muitas vezes sequelado, cego, surdo, que não andar, vai ter uma vida vegetativa?”, questiona Moraes. “Quem vai assumir isso? Será que os pastores vão pegar para criar?”

Os debates realizados no Segunda Chamada de sexta-feira foram motivados pela discussão sobre o Projeto de Lei 1904/2024, apresentado recentemente pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros 32 parlamentares. A proposta, que teve o regime de urgência aprovado no Congresso e pode ser votado nos próximos dias, pretende equiparar qualquer aborto realizado no Brasil após 22 semanas ao crime de homicídio. A regra valeria inclusive para os casos em que o procedimento é autorizado pela legislação brasileira, como na gestação decorrente de estupro.

Caso aprovado, o PL afetaria principalmente as crianças vítimas de abuso, e em especial as mais vulneráveis. Elas representam boa parte de quem busca os serviços de aborto com uma gravidez já avançada, uma vez que, em casos de abuso sexual, o tempo para identificar a gestação costuma ser maior.

Assista abaixo a entrevista:

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‘Criança não é mãe’: entenda o que está em jogo por trás do Projeto de Lei 1904/24 https://canalmynews.com.br/brasil/crianca-nao-e-mae-entenda-o-que-esta-em-jogo-por-tras-do-projeto-de-lei-1904-24/ Thu, 13 Jun 2024 16:23:21 +0000 https://localhost:8000/?p=43834 Proposta pretende equiparar qualquer aborto realizado no Brasil após 22 semanas de gravidez ao crime de homicídio

O post ‘Criança não é mãe’: entenda o que está em jogo por trás do Projeto de Lei 1904/24 apareceu primeiro em Canal MyNews – Jornalismo Independente.

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O slogan “Criança não é mãe” viralizou na internet nos últimos dias e deu nome a uma campanha encabeçada por dezenas de organizações da sociedade civil. Isso porque pode ser votado nos próximos dias o Projeto de Lei 1904/24, que propõe uma alteração penal sobre o aborto. O procedimento é hoje permitido no Brasil em três situações: quando a gravidez é fruto de um estupro, representa risco à vida da mulher ou em casos de anencefalia fetal (malformação que resulta na ausência parcial do cérebro e da calota craniana do feto). A lei não impõe um limite de idade gestacional para nenhum dos casos. Mas o PL, cujo regime de urgência foi aprovado na noite de segunda-feira (12), quer mudar isso.

A proposta, apresentada pelo deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e outros 32 parlamentares, pretende equiparar qualquer aborto realizado no Brasil após 22 semanas de gravidez ao crime de homicídio. A regra valeria inclusive para os casos em que o procedimento é autorizado pela legislação brasileira, como na gestação decorrente de estupro.

As crianças, sobretudo as mais vulneráveis socialmente, seriam as mais afetadas caso o PL fosse aprovado. Elas representam boa parte de quem busca os serviços de aborto com uma gravidez já avançada, uma vez que, em casos de abuso sexual, o tempo para identificar a gestação costuma ser maior.

Leia mais: De corpo e alma na luta: a enfermeira que batalha pelo aborto seguro há 40 anos

“A criança é afetada principalmente pela incapacidade de entender que ela sofreu um abuso sexual e as consequências disso”, afirma a médica ginecologista Rhaisa Cunha. “A grande maioria desses abusos acontece no meio familiar, então há uma dificuldade, seja por medo ou vergonha, em comunicar o ocorrido a um responsável de confiança. Muitas vezes, a menina já chega no hospital com uma dor abdominal ou um sangramento, o que indica uma gravidez mais avançada, geralmente acima de 22 semanas.”

Além das crianças, mulheres em qualquer situação de vulnerabilidade, seja ela social ou de outra ordem, também serão as principais afetadas caso o PL seja aprovado. Isso inclui, por exemplo, mulheres que apresentem alguma deficiência mental ou física. Mas, em alguma medida, a proposta colocaria todas as mulheres em risco.

Ainda que o aborto seja permitido por lei em três situações, muitas mulheres enfrentam dificuldade para encontrar médicos que realizem o procedimento, mesmo nas bases legais. Em alguns casos, a demora pode ultrapassar 22 semanas. Para a advogada Gabriela Souza, fundadora do escritório Gabriela Souza Advocacia para Mulheres, o PL é inconstitucional.

“Ele viola não só a Constituição, como vários tratados internacionais, a exemplo da Convenção de Belém do Pará e da CEDAL (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher), que garantem proteção a mulheres vítimas de abuso sexual”, explica. “Há também uma desproporção preocupante com relação às penalidades para aborto e estupro, nesse caso. Enquanto a vítima poderia passar até 20 anos na cadeia, o abusador seria condenado a no máximo 10 anos de reclusão.”

O Brasil caminha na contramão de seus vizinhos da América Latina. Dos 13 países do continente, 6 descriminalizaram ou legalizaram o procedimento, sendo Argentina, Chile e Colômbia os mais recentes. Argentina, Uruguai, Guiana e Guiana Francesa estabeleceram leis que orientam e asseguram a interrupção da gravidez. Já Chile e Colômbia não classificam o aborto como crime.

Para Gabriela, esse retrocesso é reflexo de um Congresso extremamente conservador, composto em sua maioria por homens que desconhecem a realidade dessas meninas e mulheres. Ela ressalta que o PL “traz uma ideia de dominação sobre os corpos das mulheres” e “põe em xeque direitos conquistados por elas há décadas”.

 

Saúde pública

 

No Brasil, apesar de o aborto ser permitido por lei somente em três situações, isso não significa que ele não seja realizado fora dessas circunstâncias. Na realidade, o procedimento é feito com muita frequência, mas sem nenhuma segurança. Segundo dados da ONG Gênero e Número, entre 2012 e 2022, 483 mulheres morreram por aborto em hospitais da rede pública de saúde do Brasil. A maior parte dessas mortes ocorreu por “falha na tentativa de aborto”. Nesses casos, a cada 28 internações, uma paciente veio a óbito.

“A criminalização do aborto faz com que mulheres, em especial as mais vulneráveis socialmente — pobres e pretas, vindas de regiões periféricas das grandes cidades ou dos rincões do país — procurem tratamentos muito arriscados realizados por pessoas não capacitadas”, diz a ginecologista Rhaisa Cunha. “Com isso, muitas mulheres sofrem consequências graves, como infecções generalizadas, perfurações uterinas, hemorragias e até mesmo a perda do útero. Isso quando não morrem. Então, quando se tem uma quantidade significativa de mulheres necessitando de atendimento e internação por conta de uma falha na tentativa de aborto, isso é sem dúvida uma pauta de saúde pública.”

Rhaisa ressalta que o termo “saúde pública” diz respeito também a medidas que deveriam ser pensadas pelo Estado para ensinar crianças e adolescentes sobre contracepção eficaz e, principalmente, capacitá-las para identificar e denunciar um abuso sexual. O Brasil sofre com a falta de políticas públicas voltadas para esses fins, e os números mostram isso.

De acordo com dados do SUS (Sistema Único de Saúde), o ano de 2022 atingiu recorde histórico em número de estupros e estupros de vulneráveis, com 74.930 vítimas. Destas, 6 em cada 10 são crianças com idade entre 0 e 13 anos. Em 10 anos (2013-2022), a média de meninas menores de 14 anos que deram à luz foi de 21.905,5 por ano. Isso significa que, a cada ano, mais de 20 mil meninas deixaram para trás a infância ou a adolescência para viverem a maternidade.

Entenda o projeto de lei que pode colocar meninas abusadas no banco dos réus:

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STF julgará descriminalização do aborto no plenário presencial https://canalmynews.com.br/politica/stf-julgara-descriminalizacao-do-aborto-no-plenario-presencial/ Fri, 22 Sep 2023 12:15:47 +0000 https://canalmynews.com.br/?p=39934 Julgamento ocorreria em ambiente virtual a partir desta sexta (22)

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O Supremo Tribunal Federal (STF) vai iniciar no plenário físico o julgamento sobre a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez. A data ainda não foi marcada.

O julgamento do caso foi iniciado na madrugada desta sexta-feira (22) no plenário virtual da Corte, mas um pedido de destaque do ministro Luís Roberto Barroso suspendeu o julgamento. O pedido de destaque é justamente a solicitação para levar para o plenário físico um julgamento que corre em ambiente virtual.

A análise do caso no Supremo é motivada por uma ação protocolada pelo PSOL, em 2017. O partido defende que interrupção da gravidez até a 12ª semana deixe de ser crime. A legenda alega que a criminalização afeta a dignidade da pessoa humana e afeta principalmente mulheres negras e pobres.

Atualmente, a legislação brasileira permite o aborto em casos de estupro, risco à vida da gestante ou fetos anencéfalos.

A ação é relatada por Rosa Weber, que deixará o tribunal na semana que vem ao completar 75 anos e se aposentar compulsoriamente. A ministra será substituída por Barroso, que tomará posse na quinta-feira (28).

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Rosa Weber libera descriminalização do aborto para julgamento https://canalmynews.com.br/politica/rosa-weber-libera-descriminalizacao-do-aborto-para-julgamento/ Wed, 13 Sep 2023 11:26:56 +0000 https://canalmynews.com.br/?p=39575 Interrupção da gravidez até a 12ª semana deixaria de ser crime

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A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, liberou hoje (12) para julgamento a ação que pretende descriminalizar o aborto até a 12ª semana de gravidez.

Apesar da liberação do caso para análise da Corte, a data do julgamento ainda não foi definida. A ministra é relatora do caso e se aposentará no final deste mês ao completar 75 anos.

Desde 2017, uma ação protocolada pelo PSOL tramita na Corte. O partido defende que a interrupção da gravidez até a 12ª semana deixe de ser crime.

Atualmente, a legislação brasileira permite o aborto em casos de estupro, risco à vida da gestante ou fetos anencéfalos.

Em 2018, o Supremo realizou uma audiência pública para debater o assunto com especialistas contrários e favoráveis à interrupção.

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Uma em cada sete mulheres, aos 40 anos, já passou por aborto no Brasil https://canalmynews.com.br/brasil/uma-em-cada-sete-mulheres-aos-40-anos-ja-passou-por-aborto-no-brasil/ Wed, 29 Mar 2023 13:03:21 +0000 https://canalmynews.com.br/?p=36698 Pesquisa mostra que 52% delas dizem ter abortado com menos de 19 anos

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A Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) de 2021 mostra que uma em cada sete mulheres, com idade próxima aos 40 anos, já fez pelo menos um aborto no Brasil. O levantamento realizado em novembro de 2021 ouviu 2 mil mulheres em 125 municípios.

O estudo foi coordenado pela antropóloga e professora da Universidade de Brasília, Débora Diniz; pelo professor visitante da Columbia University, Marcelo Medeiros; e pelo professor da Universidade Estadual do Piauí, Alberto Madeiro.

Panorama
O levantamento indica que mais da metade (52%) do total de mulheres que abortou tinham 19 anos de idade ou menos, quando fizeram seu primeiro aborto. Deste contingente (abaixo de 19 anos), 46% eram adolescentes entre 16 e 19 anos e 6%, meninas entre 12 e 14 anos. Pele legislação, praticar sexo ou atos libidinosos com menor de 14 anos é considerado crime de estupro de vulnerável, independentemente de haver consentimento da criança, sob pena de prisão de 8 a 15 anos.

Nesta edição, a taxa de aborto mostrou queda no comparativo com as duas PNAs anteriores, realizadas em 2010 e 2016. Em 2021, cerca de 10% das mulheres entrevistadas afirmaram ter feito pelo menos um aborto no decorrer de suas vidas, comparado com 13%, em 2016, e 15%, em 2010. A pesquisa concluiu que a queda pode ser explicada pela tendência crescente do uso de métodos contraceptivos reversíveis na América Latina e no Caribe.

Em 2021, 21% das mulheres que abortaram realizaram um segundo procedimento, chamado aborto de repetição. Entre elas, estão predominantemente mulheres negras.

Parte das entrevistadas (39%) usou medicamento para interromper a gestação. A pesquisa cita que o medicamento mais usado é um indicado para prevenção e tratamento da úlcera gástrica. Além disso, 43% das mulheres foram hospitalizadas para finalizar o aborto.

“Nessas situações, temos relatos traumáticos de perseguição, convocação da polícia, mulheres algemadas nos hospitais. Então, há impacto na saúde pública pela ocupação de leitos, na saúde das mulheres porque, por alguma razão, utilizaram medicamentos inseguros, indevidos ou foram para a clandestinidade em clínicas inseguras, ou porque não tem a informação sobre como é um aborto. Por isso, procuram os hospitais”, disse a antropóloga e uma das autoras do estudo Débora Diniz.

A pesquisa indicou, ainda, que a gravidez não-planejada foi comum entre as mulheres no Brasil. Duas em cada três mulheres grávidas (66%) não havia planejado a gravidez. Débora Diniz aponta a educação sexual como parte da solução “para que esse último recurso, do aborto, não seja utilizado”.

Perfil
O levantamento mostrou que o perfil das mulheres que abortaram é semelhante de outras pesquisas: elas são de todas as idades do ciclo reprodutivo, religiões, escolaridades, raças, classes sociais, estado civil e regiões do país.

No entanto, a pesquisadora Débora Diniz confirma que “apesar de serem mulheres comuns, que estão em todos os lugares, há uma concentração maior no grupo das mais vulneráveis. São mulheres negras, indígenas, residentes no Norte e do Nordeste, com menor escolaridade e muito jovens”.

As 2 mil entrevistadas na PNA 2021 foram escolhidas aleatoriamente entre mulheres alfabetizadas, com idades de 18 a 39 anos e residentes em áreas urbanas. A metodologia da pesquisa usa uma questionário face a face com perguntas sociodemográficas, como idade, religião e renda.

Outro questionário com perguntas sobre aborto é preenchido pela própria mulher e depositado em uma urna lacrada. Os coordenadores da pesquisa entendem que a técnica para coletar informações sensíveis diminui a taxa de respostas falsas, por resguardar o anonimato das entrevistadas.

Aborto Legal
No Brasil, o aborto é legalizado em três circunstâncias: gravidez decorrente de estupro, se representar risco de morte materna e no caso de anencefalia fetal (não formação do cérebro do feto).

No entanto, na prática, o cenário tem sido diferente. A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, disse à Agência Brasil “que meninas e mulheres têm enfrentado barreiras para acessar o aborto, nas situações já previstas em lei”. Para ela, a consequência é que “quando o direito ao aborto é negado, por exemplo, a uma vítima de estupro, as evidências apontam que essa mulher vai fazê-lo de forma insegura, clandestina”.

Na avaliação da ministra, o Poder Executivo deve assegurar que todas as meninas e mulheres tenham seus direitos garantidos e “que tenham acesso a informações sobre esses direitos e como acessá-los”.

O Ministério das Mulheres lembra que, em 2013, foi assinada a Lei do Minuto Seguinte para viabilizar atendimento integral e multidisciplinar às vítimas de estupro nos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). “Esse atendimento é fundamental para a prevenção de gravidez e de infecções sexualmente transmissíveis, entre outros cuidados de saúde física e psicossocial [da vítima]”, enfatiza a ministra Cida Gonçalves.

Todos hospitais credenciados ao SUS, que oferecem serviços de ginecologia e obstetrícia, devem realizar abortos nos casos previstos em lei. Entretanto, de acordo com o site Mapa Aborto Legal, apenas 42 hospitais realizavam o procedimento de fato, em setembro de 2022.

Em nota oficial enviada à Agência Brasil, o Ministério da Saúde declara que “está empenhado em fortalecer a Política de Atenção Integral à Saúde das Mulheres, a partir da ótica da inclusão e do diálogo sobre o contexto da saúde sexual e reprodutiva; e em fortalecer também a Rede Cegonha, que inclui o atendimento a mulheres em situação de abortamento”.

Daqui para frente
Em janeiro deste ano, o governo federal tornou sem validade a portaria do Ministério da Saúde que determinava ao médico a comunicação à polícia da justificativa para interrupção da gravidez, mesmo nos casos previstos em lei, e que também fossem preservadas as evidências do cometimento do estupro.

No mesmo mês, o governo brasileiro se desligou da Declaração do Consenso de Genebra sobre Saúde da Mulher e Fortalecimento da Família, assinada em 2020, por entender que representa uma posição das nações contra o aborto.

Para Débora Diniz a análise da ação que descriminaliza o aborto nas doze primeiras semanas de gestação, no Supremo Tribunal Federal (STF), é urgente.

“Em uma democracia, os poderes Legislativo e Judiciário têm igual legitimidade para solução de uma violação de um direito fundamental, como é a saúde e a questão do aborto”, argumentou. “É sobre não prender. É sobre cuidar e prevenir. É sobre a vida, a dignidade, em particular da juventude vulnerável deste país”, diz a pesquisadora.

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Google (não faz mais que a sua obrigação) e anuncia que dados sobre visitas a clínicas de aborto serão deletados https://canalmynews.com.br/juliana-macedo/google-nao-faz-mais-que-a-sua-obrigacao-e-anuncia-que-dados-sobre-visitas-a-clinicas-de-aborto-serao-deletados/ Mon, 18 Jul 2022 13:56:55 +0000 https://canalmynews.com.br/?p=31677 Após a Suprema Corte Americana se posicionar contra o direito do aborto legal no país, a empresa declara que as informações relacionadas a este deslocamento serão deletadas logo em seguida.

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No texto publicado em no último dia cinco – A usuária da experiência ou a experiência da usuária? – mencionei que os tribunais americanos podem solicitar dados de empresas de tecnologia e utilizá-los como prova em julgamentos contra mulheres que tenham realizado aborto. Dias depois, o jornalista Bruno Natal – do podcast Resumido – comentou sobre o posicionamento Google sobre o armazenamento de informações sobre a localização de usuários que visitarem: Clínicas de aborto, centros de aconselhamento, abrigos para violência doméstica, centros de fertilidade, instalações de tratamento de dependências, clínicas de perda de peso, clínicas de cirurgia estética, e outros. 

“Estamos anunciando que, se nossos sistemas identificarem que alguém visitou um desses lugares, excluiremos as entradas de histórico de localização logo após a visita.” afirmou Jen Fitzpatrick, vice presidente de experiências e sistemas do Google. 

A empresa também comunicou que vai incluir no aplicativo do seu dispositivo Fitbit, a função “Deletar todo o histórico de ciclo menstrual”. Como diria o Bruno Natal, “Dados esses que nem deveriam ser armazenados, pra início de conversa”. 

Afinal, mesmo antes da suprema corte americana oficializar a decisão revogando a lei de direito ao aborto, parlamentares solicitaram ao Google a garantia de sigilo das informações àqueles que procurassem este tipo de serviço, além de parar de coletar e armazenar dados de localização desnecessários ou não agregados que poderiam ser usados ​​para identificar pessoas que buscam aborto. 

Não ficou claro se o pedido será plenamente atendido, pois Jen afirma que, esta responsabilidade é compartilhada por muitas instituições: “Dado que esses problemas se aplicam a provedores de saúde, empresas de telecomunicações, bancos, plataformas de tecnologia e muito mais, sabemos que as proteções de privacidade não podem depender apenas de empresas agindo individualmente”.

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Menina estuprada em Santa Catarina consegue aborto legal https://canalmynews.com.br/brasil/menina-estuprada-em-santa-catarina-consegue-aborto-legal/ Sat, 25 Jun 2022 11:30:42 +0000 https://canalmynews.com.br/?p=30618 Aborto legal foi feito pelo hospital Joanita Angela Gonzaga Del Moral. O Código Penal autoriza a interrupção da gravidez em caso de violência sexual, sem restrição quanto ao tempo de gestação.

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A menina de Santa Catarina que engravidou ao ser estuprada quando tinha apenas dez anos de idade foi submetida ao procedimento de aborto legal, nesta quinta-feira (23), no Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago, de Florianópolis.

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), representantes do hospital, que é vinculado à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), comunicaram que as providências necessárias à interrupção da gestação já tinham sido adotadas.

Na quarta-feira (22), a procuradora da República Daniele Cardoso Escobar enviou à superintendente do hospital universitário, Joanita Angela Gonzaga Del Moral, uma recomendação para que o estabelecimento cumprisse o que a legislação brasileira determina e realizasse o aborto legal.

No ofício, a procuradora recomendou à superintendente que garantisse “a pacientes que procurem o serviço de saúde a realização de procedimentos de interrupção da gestação nas hipóteses de aborto legal, independentemente da idade gestacional e peso fetal, sendo desnecessária qualquer autorização judicial ou comunicação policial”.

O Código Penal autoriza a interrupção da gravidez em caso de violência sexual, sem qualquer restrição quanto ao tempo de gestação e sem necessidade de autorização judicial.

Ao tornar público a realização do aborto, o MPF lamentou “a triste situação ocorrida e reafirmou seu compromisso em zelar pelo efetivo respeito aos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal”. Em relação a outras recomendações feitas ontem ao hospital, o MPF informou que as providências a serem adotadas serão avaliadas oportunamente.

Entenda o caso

No início de maio deste ano, a mãe da garota a levou ao hospital universitário logo após constatar que a menina estava grávida. Na ocasião, a garota tinha dez anos. Considerado uma referência em casos de aborto legal em Santa Catarina, o estabelecimento constatou que o feto já tinha 22 semanas e se recusou a fazer o procedimento, pois uma norma administrativa estabelece que as equipes do hospital não realizem abortos após 20 semanas.

A mãe da menina recorreu ao Poder Judiciário a fim de obter autorização para interromper a gravidez, mas não obteve o aval judicial e a menina acabou sendo encaminhada para um abrigo.

O caso, que tramita em segredo de justiça na comarca de Tijucas, na região metropolitana de Florianópolis, veio a público após o site The Intercept e o portal Catarinas divulgarem trechos da audiência em que a juíza Joana Ribeiro Zimmer, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), faz uma série de perguntas à criança, hoje com 11 anos. No vídeo, a juíza questiona a garota se poderia “suportar mais um pouquinho” para, assim, permitir que o feto pudesse ser retirado com vida.

Com a repercussão do caso, a magistrada foi afastada. Em nota, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina informou que a Corregedoria abriu um procedimento investigatório sobre a condução do processo. Juíza e promotora envolvidas no caso disseram que não iriam se pronunciar.

Consultada pela Agência Brasil, a direção do Hospital Universitário informou que não fornece informações sobre procedimentos relacionados a pacientes atendidos na instituição. E destacou não ser possível se pronunciar sobre o caso da menina por ele estar em segredo de justiça.

Sobre os critérios para interromper legalmente a gravidez, o hospital reafirmou que, após o limite de 20 semanas de gestação, a unidade só faz o procedimento amparado por decisão judicial. “Quando ocorre de ultrapassar o limite da idade gestacional estabelecido pelo protocolo para conduzir o procedimento, orientamos a família a recorrer judicialmente para assegurar esse direito. Realizamos inúmeros encaminhamentos ao Poder Judiciário que, normalmente, defere o pedido com agilidade, compreendendo a complexidade e urgência da situação. No entanto, há situações, pontuais, cuja conduta do Poder Judiciário não corresponde à expectativa da equipe assistencial do hospital em atender as demandas de saúde na sua integralidade”, informou o hospital, em nota.

“Em todas as circunstâncias o hospital buscou garantir a assistência em saúde e os direitos humanos à criança, ofertando assistência e avaliação da equipe multidisciplinar em relação à melhor conduta para a situação. Esta instituição, que é uma das únicas do estado de Santa Catarina a oferecer um serviço de aborto legal, sempre trabalhou com intuito de assegurar o direito das mulheres”, acrescentou a instituição.

Ontem (23), ao comentar o caso, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Cristiane Britto, criticou a forma como o assunto vinha sendo tratado. “O comentário que faço deste caso é que está tudo errado na forma de abordagem”, disse a ministra ao se referir à divulgação dos fatos, pela imprensa, como “criminosa”. “Ninguém está falando da violência pela qual esta garota passou. Do estupro. Ninguém está falando que, agora, precisamos parar e pensar onde nós erramos. Por que crianças com esta mesma idade estão sendo vítimas de estupro no Brasil todo”, acrescentou a Cristiane ao participar de um evento em Belém (PA).

Relembre o caso da menina de 10 anos que engravidou após estupro e interrompeu a gravidez num hospital de Pernambuco. O diretor-executivo do hospital, Olímpio Moraes Filho falou para o canal MyNews  como foram os momentos de tensão na porta do hospital. Olímpio fala também sobre a questão violência sexual contra meninas e o aborto no Brasil, “o aborto é livre no Brasil para quem tem dinheiro”. Veja entrevista completa:

 

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Compromisso com a vida das mulheres: a médica à frente do 1º serviço de aborto legal https://canalmynews.com.br/mais/compromisso-com-vida-das-mulheres-medica-a-frente-do-1o-servico-aborto-legal/ Sun, 03 Oct 2021 19:12:58 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/compromisso-com-vida-das-mulheres-medica-a-frente-do-1o-servico-aborto-legal/ Mesmo denunciada e recebendo ameaças, Maria José atendia mulheres e lutou por uma política pública humanizada pelo aborto seguro

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Quando Maria José de Oliveira Araújo nasceu, em 1949, o direito à interrupção da gestação já era algo garantido em lei no Brasil nos casos de risco de morte da mulher e de gravidez decorrente de estupro. Mas o acesso das mulheres a esse direito, que estava previsto no Código Penal de 1940, só começou a se concretizar mais de quarenta anos depois, em 1989, com a participação de Maria José e de muitas companheiras feministas na criação do primeiro serviço público de aborto legal do país, em São Paulo.

Na época, ela atuava como coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher, na gestão da prefeita Luiza Erundina. O Hospital Municipal Arthur Ribeiro Saboya, mais conhecido como Hospital Jabaquara, na zona sul de São Paulo, começou a oferecer às vítimas de violência sexual o atendimento a que tinham direito pela lei e que lhes era sistematicamente negado. Maria José ficou meses fazendo formação com todos os profissionais da unidade, dos porteiros aos médicos para que as mulheres que buscassem o serviço fossem atendidas corretamente. Atuação que lhe rendeu denúncias e ameaças à vida, mas que não parou.

Mazé - médica que implementou serviço de aborto legal em SP
Maria José de Oliveira Araújo, ou Mazé, é médica e implementou o primeiro serviço de aborto legal no Brasil/Imagem: Revista AzMina/Reprodução

“Ninguém um dia pode falar nessa luta [pelo aborto seguro] sem citar o nome de Mazé”, comenta Greice Menezes, amiga dela, médica e pesquisadora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA). “De todas as qualidades que Mazé tem, talvez o comprometimento dela com o outro, com os direitos e a vida das mulheres, seja algo a ser ressaltado”, aponta Greice, destacando ainda que Maria José mantém a mesma força todos esses anos. “Ela tem sempre uma firmeza e uma grande indignação diante da injustiça.” Nos espaços em que Mazé ocupou, ela fez a diferença, pois, definitivamente, não é do tipo de pessoa que fica calada, “ela é a que vai falar, vai agir e vai esperançar”.

Médica com atuação clínica na pediatria e na ginecologia, gestora pública, psicanalista e ativista feminista, Maria José, 72 anos, prefere ser chamada de Mazé. Ela tem sua história de vida intimamente ligada à luta pelos direitos das mulheres, especialmente os sexuais e reprodutivos.

Hoje, com mais de cinquenta anos dedicados à causa, Mazé é contundente em dizer: “O Brasil é perverso com as mulheres e tem uma dívida gigantesca com elas”. Mulheres negras, pobres, da periferia, são as mais atingidas, avalia Mazé. “E, sobretudo, as indígenas, que estão sendo fortemente violadas, e as trabalhadoras rurais, que não têm acesso a um monte de necessidades básicas, de saúde, de educação.”

Políticas que salvam vidas de mulheres que se submeteriam a aborto clandestino

Mazé elaborou políticas que salvaram a vida de milhares de mulheres, que provavelmente iriam se submeter a abortos clandestinos, apesar de terem direito à interrupção segura. Fez isso durante os anos em que atuou enquanto gestora pública, entre 1989 e 2006, em cargos municipal e federal (sempre na área de atenção à mulher). Mesmo não ocupando mais cargos políticos, ela segue na articulação para o fortalecimento da rede de aborto legal do país, especialmente, na Bahia, onde mora atualmente.

É uma das fundadoras da Rede Feminista de Saúde, pertence à Rede Médica Pelo Direito de Decidir e, este ano, passou a integrar o Fórum Estadual Sobre o Aborto, cujas discussões visam também ampliar a rede, hoje com apenas cinco unidades hospitalares habilitadas a realizar a interrupção legal.

Os muitos lugares em que Mazé viveu, no Brasil e no exterior, tiveram papel decisivo em sua formação e engajamento na luta feminista, mas o primeiro exemplo que recebeu veio ainda em casa, no interior da Bahia.

Em plena década de 50 – época em que as Organizações das Nações Unidas (ONU) acabavam de reconhecer pela primeira vez a igualdade de direitos entre homens e mulheres – seus pais já tratavam a independência dos filhos sem distinção de gênero. Na família de classe média, os oito irmãos (três homens e cinco mulheres) tiveram acesso garantido à escola.

Foi por conta dos estudos que, aos 8 anos, Maria José se mudou de Teofilândia para a capital, Salvador, distante cerca de 220 quilômetros. A vontade de fazer Medicina ganhou forma no ginásio, às vésperas do vestibular. “Procurava uma profissão onde pudesse exercer minha humanidade”, conta. Em 1975, se formou médica pela Faculdade Bahiana de Medicina.

Como profissional, os caminhos que a conduziram ao exercício de sua humanidade transcenderam os muros dos hospitais. Enquanto fazia residência em pediatria no Rio de Janeiro, a conquista de uma bolsa para estudar saúde materno-infantil na Universidade Sorbonne a levou a Paris.

Quem a conhece percebe sua construção diversa, na bagagem de conhecimentos e também no sotaque, que mantém a base da cidade do interior, mas é cheio de outros sons, dos lugares por onde ela passou: São Paulo, Suíça, França.

Movimentos feministas foram fundamentais para a garantia de direitos humanos das mulheres

Era 1977, época das ditaduras latino-americanas. Paris havia se tornado destino certeiro de muitos refugiados políticos. “Quando eu fui pra França eu não era ativista, me tornei lá.” O movimento das mulheres na Europa estava no auge, “em plena ebulição”, recorda, “tinha passeatas pelo direito ao aborto com um milhão de pessoas”.

Um dos espaços fundamentais para seu engajamento político foi o Círculo das Mulheres Brasileiras em Paris, formado principalmente por jovens estudantes de classe média que fugiram do Brasil após a edição do AI-5. Mazé participou do grupo por quase dois dos seus cinco anos de existência. O Círculo chegou ao fim em meados de 1979, com o retorno de muitas companheiras ao Brasil após a assinatura da Lei da Anistia.

Nessa altura, o movimento de mulheres já estava presente na academia, nos sindicatos e nos movimentos sociais. Em todos esses espaços, a luta feminista já ditava novas formas de assistência à saúde reprodutiva das mulheres, diferente do cuidado dispensado pela medicina tradicional. Na Suiça, onde também teve oportunidade de estudar, Maria José trabalhou em um ambulatório feminista de atenção primária à saúde da mulher.

De volta ao Brasil, no início dos anos 80, toda essa experiência e prática deu origem ao Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, em São Paulo – com um ambulatório que implementou, pela primeira vez no país, uma abordagem de cuidado centrada nos direitos humanos das mulheres e atenta às questões reprodutivas, obstétricas e ginecológicas.

“Fundamos associações e laboratórios em que as mulheres atendidas eram vistas enquanto sujeitas de sua própria saúde.” O exame ginecológico, contou Mazé, era feito numa cama normal. “A gente colocava o espéculo de plástico para a mulher ver o colo do útero dela, colhia a secreção vaginal, e elas participavam do processo.”

Sua casa chegou a ser invadida

Num país machista, claro que a forma com que esse grupos lidavam com a autonomia da mulher em relação ao seu próprio corpo iria encontrar barreiras. Muitas foram as ameaças sofridas pelas feministas, como na época da implementação do primeiro programa de aborto legal do país, no Hospital Jabaquara, em São Paulo.

Mazé passou por muitos problemas nesse período, porque também trabalhava no coletivo feminista. Ela era diretora do ambulatório, que atendia casos de violência sexual, e sofreu muita perseguição. Ela chegou a ter a casa invadida e revirada, xingamentos eram deixados em sua secretária eletrônica. Respondeu a inquéritos policiais e contou com o apoio de advogadas feministas. “Tudo isso transtornou muito a minha vida”, conta Mazé, numa fala que transparece ainda hoje certo abalo.

Mas nada foi capaz de fazê-la parar. Certa de estar à frente de um programa fundamental para a garantia dos mínimos direitos à população feminina, seguiu formulando políticas públicas. Só viu algumas ações se concretizarem muitos anos depois, como a política que garantiu a não exigência do boletim de ocorrência em casos de aborto legal – e que até hoje é descumprida.

O comportamento arcaico de muitos profissionais de saúde está, para Mazé, no pano de fundo deste descumprimento. Muitos acham que as mulheres que buscam seus direitos estão mentindo sobre as violências que sofreram, que elas engravidam porque não usaram um método contraceptivo, ou ele falhou, e que querem aproveitar a não exigência do boletim de ocorrência para fazer um aborto. “Essa ideia de que isso seria uma ‘brecha’ não corresponde à realidade. Há toda uma norma, uma série de protocolos. É difícil uma mulher mentir para se submeter a tudo isso”, atesta.

Diante dos entraves no acesso ao direito à interrupção da gestação em casos previstos pela lei, que passa ainda pela dificuldade de encontrar informações sobre os hospitais habilitados a realizar o procedimento, Mazé não cansa de repetir: “E as vidas das mulheres? Aonde fica?”.


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De corpo e alma na luta: a enfermeira que batalha pelo aborto seguro há 40 anos https://canalmynews.com.br/mais/corpo-e-alma-na-luta-enfermeira-batalha-aborto-seguro-ha-40-anos/ Wed, 29 Sep 2021 21:05:42 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/corpo-e-alma-na-luta-enfermeira-batalha-aborto-seguro-ha-40-anos/ Paula Viana pega mulheres pela mão para garantir que tenham direito ao aborto legal e seguro

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Severina Ferreira finalmente tinha uma autorização judicial para interromper a gestação do feto anencéfalo que carregava há 7 meses na barriga, mas não achava hospital que aceitasse fazer o procedimento. A enfermeira Paula Viana pegou a mão dessa mulher – no sentido mais amplo desse gesto – e juntas foram de uma unidade à outra, até que, já anoitecendo, entraram na sala de triagem do Cisam (Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros), no Recife.

“Por mim tudo bem, eu não tenho nenhum problema [com o aborto], mas os anestesistas não vão fazer, vamos ter que esperar até amanhã”, disse o médico de plantão. “Aí eu me arretei”, conta Paula, que o mandou procurar um profissional para iniciar o procedimento de imediato, nem que fosse preciso contratar alguém, pois o hospital não poderia negar aquele atendimento. E assim foi feito.

Paula Viana - Grupo Curumim
Paula Viana, do Grupo Curumim, no Recife, luta há 40 anos pelo direito ao aborto legal e seguro/Imagem: Reprodução/Revista AzMina

O martírio de Severina – na Justiça e na Saúde – foi narrado no documentário dirigido por Eliane Brum e Débora Diniz, em 2005. Nessa época, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu o aborto em casos de anencefalia, o que só foi revertido pelo próprio STF em 2012, com o depoimento de Severina. Mas a história que vamos contar agora é a da também pernambucana Paula Viana, 58 anos.

Enfermeira, parteira e ativista pelo aborto seguro – Paula aparece no filme ao lado de Severina peregrinando nos hospitais. Essa foi uma das várias situações em que ela esteve junto para garantir o exercício do direito da mulher. Há 40 anos, ela percorre um caminho que é, sobretudo, feminista. Vai completar três décadas como integrante e coordenadora do Grupo Curumim – Gestação e Parto.

Paula tornou-se uma referência importante nessa política da articulação entre as redes de proteção nos últimos 20 anos. O pouco que está estabelecido na legislação em relação ao aborto vem sendo desrespeitado por autoridades e frentes religiosas fundamentalistas, e acaba sendo cumprido, muitas vezes, a partir de atuações feministas como as de Paula.

Partos e abortos – Paula Viana está disposta a receber qualquer título para proteger as mulheres

O número de partos que acompanhou, ela tem de cor: 116. Sozinha, como parteira, na casa das famílias, foram 16. Já a quantidade de abortos, Paula nunca contou porque sempre ocorreram de formas turbulentas, ainda que fossem permitidos por lei.

Ela foi excomungada da Igreja Católica duas vezes pelo mesmo arcebispo – uma delas por garantir, em 2009, o aborto legal de uma menina de 9 anos estuprada pelo padrasto, que engravidou de gêmeos. Paula a ajudou a sobreviver, pois ela não tinha condições físicas para gestar dois fetos.

Está disposta a receber qualquer título para proteger as mulheres, e um dos seus principais papéis é justamente o de articular, intervindo nas situações de desrespeito aos direitos. Ela conhece serviços e profissionais da saúde praticamente do Brasil inteiro, rodou 17 estados elaborando o programa nacional: Parto e Nascimento Domiciliar Assistido por Parteiras Tradicionais.

“Quando chega pra gente situações de aborto legal, ainda é uma grande dificuldade para que a mulher consiga atendimento”, testemunha Paula. Muitas vítimas precisam ir para o Recife, mesmo esse sendo um direito garantido há 80 anos no Código Penal Brasileiro. Os poucos lugares que realizam o aborto legal não atendem a demanda e isso piorou na pandemia.

Recentemente, Paula atuou no caso da menina capixaba de 10 anos, também vítima de estupro, que precisou sair do interior do Espírito Santo para fazer o abortamento na capital pernambucana. Quando souberam da situação da garota, em agosto de 2020, rapidamente Paula entrou na articulação e formou-se um grupo que acionou todos os atores que poderiam ajudar. “Liguei pra Olímpio [obstetra do Recife] e no outro dia a menina já estava aqui”, recorda. Era preciso ser rápido porque a criança entraria em situação de risco de vida.

Amigos e inimigos – a defesa do aborto seguro e legal diante de diversas violências contra as mulheres

Olímpio de Morais também foi excomungado e é conhecido como médico recifense defensor do direito ao aborto seguro. Apesar de ter o apoio dele e da unidade hospitalar, isso não evitou situações constrangedoras e humilhantes, lembra Paula, como ter que colocar a menina e a avó no porta-malas do carro para fugir da mobilização de um grupo na frente do hospital que tentava impedir o procedimento legal.

“Paula é muito corajosa, sem dúvida nenhuma, é uma pessoa que eu admiro, que nos ajuda muito, e eu só tenho a agradecer por ela estar em Pernambuco e ter uma projeção nacional”, disse Olímpio, amigo dela há 30 anos.

Encontrar parceiros na medicina como Olímpio para a pauta feminista nunca foi simples, aponta Paula. “Infelizmente, é uma minoria que tem essa participação política.” Ela vivenciou várias situações de violência no parto, o que a fez, inclusive, desistir por um tempo de ser enfermeira obstetra. “Já vi médico dar porrada no joelho para a mulher abrir a perna”. Se identificou depois com a parteria domiciliar e humanizada.

Com o profissional que atendeu o caso da anencefalia, Paula lembra da insensibilidade que ele teve ao colocar um sonar em alto volume para que todos na sala ouvissem o batimento do coração daquele feto, inclusive Severina. “O senhor pode baixar o volume?”, perguntou Paula.

O aborto é uma situação natural, tão comum quanto o parto, diz Paula Viana, mas as mulheres são discriminadas porque, em geral, as pessoas acham que a decisão é tomada sem responsabilidade. “Na verdade, essas mulheres têm um comprometimento com a vida não só delas nessa situação, mas da família e dos outros filhos.”

Injustiça reprodutiva – mulheres morrem sem atendimento e vítimas de preconceito

Deparar-se com a mortalidade materna foi o que levou Paula ao ativismo, e a conduz até hoje a continuar na resistência, mesmo cansada diante do cenário político atual. Uma das memórias mais marcantes que ela tem de pequena foi quando, em Olinda, sua cidade natal, uma menina morreu por aborto. “Eu não sabia que isso podia matar, fiquei com muito medo de engravidar.”

A história foi parar numa redação que ela escreveu no início do curso de enfermagem, e, a partir daí, Paula conta das perseguições que as professoras, maioria freiras católicas, na época, faziam.

Hoje, ela incluiria naquela redação que os falecimentos por aborto são 100% evitáveis, e que descriminalizar faz parte de um processo de justiça para muitas mulheres. “A gente vê até os abortos espontâneos causarem a morte, por um comportamento da equipe de saúde que negligenciou o atendimento. É inadmissível a mulher sangrar dentro do hospital até morrer.”

Paula se baseia na ciência e na experiência de 30 anos nos comitês de estudo e prevenção da morte materna do Recife e Pernambuco (representando o Grupo Curumim). Ela integra um grupo que toda semana investiga a trajetória das mulheres que morreram na gestação, no aborto e no parto, desde 1992. “É um trabalho muito impactante, tem momentos que eu paro, porque parece que estamos enxugando gelo”, desabafa ela sobre um desespero que chama de “injustiça reprodutiva”.

A mulher que sofre violência sexual não estava nem pensando em engravidar, “ela foi agredida, quer ser tratada”, destaca Paula. Por isso, que a porta de entrada para o abortamento deve ser o serviço social, mudando a perspectiva de que é algo que está só no corpo.

Corpos – violência obstétrica precisa ser visibilizada

Foi na fundação da Rede Nacional pela Humanização do Parto e Nascimento, a Rehuna, em 1993, que ela passou a pontuar a diferenciação entre o parto e o nascimento. Apesar de serem eventos integrados, têm impactos distintos na pessoa que está parindo e na que está nascendo.

“A situação de violência obstétrica deve ser visibilizada também na situação de aborto e não somente na hora do parto”, explica Paula. A busca sempre é aprender e saber lidar com cada mulher, dentro dessa sociedade machista, racista, misógina, avalia.

Companheira pela legalização do aborto, Verônica Ferreira, do SOS Corpo (Instituto Feminista para a Democracia), destaca a prontidão de Paula em responder situações de violação. “Como dizem nossas irmãs latino-americanas, Paula põe corpo na luta”, afirma, acrescentando que a amiga é uma referência pelos direitos das mulheres “a ver o parto sem medo, sem ameaça e sem risco”.

Jornadas feministas – uma trajetória pela descriminalização do aborto

Na década de 80, muitos grupos de mulheres foram se formando. Foram as feministas que debateram com sanitaristas e deram essa noção de gênero e integralidade ao Sistema Único de Saúde, o SUS, que antes, segundo Paula, girava em torno só da maternidade. Ela viu nesse trabalho das políticas públicas o seu lugar. Nunca quis entrar em partidos políticos, por se incomodar com a disputa de poder e o machismo entranhado neste espaço. Mas fez parte de comunidades anarquistas, que, para ela, estavam mais próximas da realidade, apesar de brigarem pela “utopia”.

Paula nunca pensou que fosse fácil legalizar o aborto no Brasil, mas confessa que teve momentos em que achou que conseguiriam mudar algo, como quando ocorreram as Conferências Nacionais de Política para Mulheres. “A gente trabalhou muito, 120 mil mulheres de todo o Brasil construíram um documento. Formamos a primeira coalizão feminista”, conta. As jornadas brasileiras pelo Aborto Legal e Seguro ocorreram em 2004, e Paula foi uma das coordenadoras.

Seria levado ao Congresso Nacional um texto de descriminalização do aborto até a décima segunda semana de gestação, mas não houve apoio do governo à época e acabou se resumindo ali a um ato simbólico, de resistência. “Mesmo assim eu ainda tive esperança.” Agora, “pelo legislativo não tem mais horizonte pra isso, a gente está ameaçada”, preocupa-se Paula.

Quem luta continuamente, há 40 anos, não perde muito tempo com o desânimo. Logo em seguida ao desabafo, Paula cita que hoje tem muita gente nessa resistência: coletivos, médicas, assistentes sociais, psicólogas, comunicadoras… “Estou no grupo organizador do Fórum Intersetorial de Serviços Brasileiros de Aborto Previsto em Lei, tem sido super legal ver gente nova chegando”. Durante uma marcha do dia 8 de março, em depoimento em vídeo, Paula Viana fala valente: “as mulheres sempre foram protagonistas da transformação da sociedade, nós vamos mudar esse Brasil”.

  • Matéria produzida pela Revista AzMina, em referência ao dia de luta pela descriminalização do aborto

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As lições que podemos aprender com a legalização do aborto na Argentina https://canalmynews.com.br/mais/licoes-legalizacao-do-aborto-na-argentina/ Mon, 15 Feb 2021 16:01:40 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/licoes-legalizacao-do-aborto-na-argentina/ A onda verde não vai chegar ao Brasil sozinha. A luta das argentinas mostra que é preciso muita ação e mobilização para fazer a legalização do aborto acontecer

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Da Revista AzMina

Era madrugada do dia 30 de dezembro quando, para a socióloga Dora Barrancos e para milhares de hermanas ativistas, a Argentina passou a ser um país mais igualitário e justo. Enquanto o Senado votava e aprovava a legalização do aborto até a 14ª semana de gestação, elas se abraçavam comovidas na porta do Congresso ao rememorar o enorme número de vidas que a criminalização do procedimento vitimou ao longo dos tempos. “Com a sanção da lei todas as emoções transbordaram”, conta Dora. 

Em 2018, nós, brasileiras, fizemos uma vigília parecida, em frente ao STF (Supremo Tribunal Federal), onde era realizada uma audiência para discutir a ADPF 442, que pede a descriminalização o aborto no país. Mas o desfecho não foi o mesmo e a vigília brasileira não terminou em celebração. Não só a votação da ADPF 442 está parada até hoje, como os movimentos políticos têm sido todos no sentido de restringir ainda mais o direito por aqui.

Mas a esperança ainda existe: um dia, o cenário na Argentina também foi ruim. E para entender o que podemos aprender com elas para que um dia o cenário mude aqui também, fomos conversar com algumas das responsáveis pela mudança, quatro ativistas e pesquisadoras que acompanharam de perto a conquista. E vale saber: as informações aqui descritas também são fruto de quase quatro anos de pesquisa de doutorado desta jornalista no Programa de Pós-Graduação Interunidades Integração da América Latina na USP (Universidade de São Paulo), que será defendida em 2021. 

“Não tenho dúvidas de que a lei de aborto na Argentina se constitui como um dado exemplar, estimulante, bastante decisivo para a América Latina. Ela fortalece substancialmente os movimentos feministas da região a persistirem nas suas lutas”, diz a Dora Barrancos.

O contexto histórico

Antes de contar o segredo do sucesso, é preciso dizer que essa é uma luta antiga das mulheres na Argentina. “Esse momento é fruto da persistência das feministas, que mantiveram o tema na agenda política ao longo dos anos, mas também é efeito da grande mobilização nas ruas”, diz a advogada Gabriela Rondon, pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, que trabalha pela descriminalização do aborto no Brasil.

Um marco importante nessa história foi o fim da Ditadura Militar na Argentina, nos anos 1980, quando as mulheres tentaram incluir nas novas leis do regime democrático a interrupção voluntária da gestação como um direito. Nessa época, a luta ainda se concentrava na militância, especialmente por meio da incidência de organizações como a ATEM (Associação de Trabalho e Estudo da Mulher), fundada em 1982 por pesquisadoras e ativistas, que promove pesquisas e mobilização em temas relacionados à violência contra a mulher e publica a revista Brujas, que trata o acesso ao aborto como tema de direitos humanos.

A principal estratégia de ação eram as marchas nas ruas. É de 1984, por exemplo, a imagem da feminista María Elena Oddone subindo as escadas do Congresso com uma placa “Não à maternidade, sim ao prazer”, na primeira marcha do Dia Internacional da Mulher na democracia. 

Os atos, no entanto, não foram suficientes, e a forte influência da Igreja Católica fez com que a discussão não avançasse. E por anos, essa influência perdurou: durante a visita do Papa João Paulo 2º, em 1998, o então presidente Carlos Menem promulgou uma lei estabelecendo o 25 de março como o “Dia da Criança por Nascer”. 

Para as argentinas, no entanto, a luta não estava esquecida, e a legalização do aborto permaneceu como uma dívida da democracia com as mulheres. “Pensar na legalização como uma dívida histórica toca em um ponto afetivo e político, muito sensível à nossa sociedade. É uma maneira de mobilizar esperanças, mostrando que não renunciamos e que ainda lutamos pelos direitos humanos”, diz a socióloga Nayla Vacarezza, professora e pesquisadora da UBA (Universidade de Buenos Aires).

Os Encontros Nacionais de Mulheres

Junto com a democracia, nasceu um evento que ajuda a explicar a articulação das argentinas ao longo das últimas décadas: os Encontros Nacionais de Mulheres. Eles são realizados anualmente desde 1986, acontecem durante três dias da segunda semana de agosto, reúnem participantes de todos os cantos do país e de diversos movimentos, desde sindicatos a grupos LGBTQIA+, de vários espectros políticos e todo tipo de militância. 

Na programação, há uma abertura, grupos de trabalho, painéis de discussão, uma feira para que as organizações comercializem seus produtos e financiem o deslocamento, e uma grande marcha de encerramento. Em 2020 não houve encontro por conta da pandemia, mas em 2019, em La Plata, foram cerca de 200 mil participantes e quase 90 grupos de trabalho. 

Ao final de dois dias, cada grupo produz um documento com pontos e propostas de invenção sobre o tema tratado (por exemplo: aborto, comunidades indígenas, imigração, maternidade), que são incluídos no documento final do evento. A ideia é que, mesmo nas diferenças, elas consigam tirar dessas reuniões pautas comuns ao movimento de mulheres.

Na plenária final, elas fazem um balanço do encontro e decidem, por meio de votação, qual será a próxima cidade a receber o encontro. Uma comissão com representantes de organizações locais é formada para buscar apoio de estrutura, logística e de financiamento. Muitas participantes chegam com ônibus fretados (pagos por elas ou pelas organizações que representam) e ficam em dormitórios coletivos montados para o evento em escolas e quadras públicas. 

Foi em um desses encontros que surgiu a ideia da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito, lançada oficialmente em 2005. 

A Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto

“Como a Campanha nasceu em um encontro, conseguimos unificar demandas de diferentes feminismos e construir a luta pela legalização do aborto diante da sociedade como a demanda de maior consenso dentro dos feminismos, do movimento de mulheres, lésbicas, travestis e trans. Foi um acordo que se deu cara a cara  e territorialmente nos encontros nacionais de mulheres. É como se, a cada ano, a gente renovasse o contrato feminista, social e político de lutar por esse direito e por essa demanda”, explica Laura Salomé Canteros, jornalista feminista e integrante da Campanha há dez anos. 

Desde o começo, a campanha reúne associações profissionais, acadêmicas e ativistas para pautar o tema a nível nacional. Essa aliança, que hoje tem mais de 700 organizações, deu força ao movimento, e fez dela uma das protagonistas do debate nos últimos 15 anos.

Outro ensinamento importante das argentinas foi a capilaridade das mobilizações, com a criação de comitês locais para discutir o projeto que seria votado em 2018 pelo Congresso. Isso foi feito por meio das redes de profissionais favoráveis à legalização e de organizações associadas à Campanha Nacional.

“A mobilização conseguiu ir para além de Buenos Aires, tinha representantes em várias províncias, inclusive nas mais conservadoras”, diz Gabriela Rondon.

Os comitês locais da campanha são formados por ativistas e integrantes de organizações sociais, políticas, estudantis, sindicais e de direitos humanos que fazem parte da Campanha Nacional. Há pelo menos um grupo em cada Estado do país, que se reunia periodicamente de forma presencial para transmitir e colocar em prática os acordos firmados nas plenárias anuais nacionais. “Eles têm o objetivo de federalizar, territorializar a luta pela despenalização social e a legalização do aborto”, afirma Laura Salomé, integrante da Campanha. 

Isso ajudou a interiorizar o debate, mostrando que não se tratava de um tema apenas para senadores e deputados, mas de todo o país. “Teve muito impacto que essa demanda estivesse em todas as províncias, com a realização de plenárias locais”, afirma Nayla Vacarezza.

“Isso é importante, porque não basta aprovar o projeto de lei, é preciso sensibilizar, especialmente o sistema de saúde, para que depois ele seja implementado”. Nayla Vacarezza.

Nas redes e nas ruas

Uma das imagens características dos atos pela legalização do aborto na Argentina são as que unem adolescentes e veteranas do ativismo. Isso foi impulsionado pelos atos do Ni Una Menos, que em 2015 fizeram milhares de mulheres saírem em protesto contra a morte da adolescente Chiara Páez, 14, que estava grávida quando foi assassinada pelo namorado.

Os atos voltaram no ano seguinte, quando outro caso de feminicídio mobilizou as argentinas em todo país: o de Lucía Perez, 16, que morreu após ser drogada, violentada e empalada por dois homens, de 41 e 23 anos. O crime gerou uma greve nacional de mulheres e os protestos alcançaram outros países da América Latina, como o Brasil. 

Nessa mobilização, as mulheres perceberam sua força, articularam-se e uniram diferentes gerações. Logo, a pauta, inicialmente contra o feminicídio e a violência de gênero, incluiu também a demanda pelo aborto legal, seguro e gratuito. Além das ruas, elas mobilizaram campanhas nas redes sociais com o uso de hashtags como #NiUnaMenos, #MiPrimerAcoso,  #AbortoLegalYa e #SeraLey.

“Havia mulheres de 80 anos ao lado de garotas de 15. Isso fez com que conseguíssemos atuar por todos os lados, porque cada geração aporta com um tipo de conhecimento. As jovens aprenderam com as mais velhas, que, por sua vez, também se pintaram com glitter e entraram para o Twitter. Então, não foi um caminho de apenas uma via, e esse foi um dos motores para o êxito”, explica Nayla Vacarezza.

Um dos nomes que emergeriram com o Ni Una Menos e as marchas pelo aborto legal foi o de Ofelia Fernández, que em 2015 tinha apenas 15 anos e era uma das representantes do movimento secundarista. Hoje aos 20, é uma das mais jovens deputadas do país e, por onde vai, leva seu lenço verde da campanha pela legalização do aborto.

Entre as veteranas, estão nomes como a socióloga Dora Barrancos, 80, a médica Martha Rosenberg e as advogadas Nelly Minyersky, 92, e Nina Brugo, 77, que apareciam na linha de frente das marchas pelo aborto legal.

Tirar o aborto do armário

Em outra frente, uma série de coletivas passaram a militar pelo aborto seguro na Argentina, mesmo em contexto de criminalização. A primeira iniciativa surgiu em 2009, quando um grupo de lésbicas feministas lançaram uma linha telefônica para dar informações sobre como interromper uma gestação com medicamentos.

Depois disso, iniciativas semelhantes pipocaram pelo país (e também por outras partes da América Latina). 

O que elas fazem é tornar acessível a informação pública e presente nos protocolos da OMS (Organização Mundial da Saúde) e de associações médicas, como a Figo (Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia), sobre como fazer um aborto seguro. Segundo esses manuais internacionais, o uso de medicamentos é seguro, desde que o procedimento seja realizado da forma e com a dosagem correta.

“Essas iniciativas tiveram o impacto de demonstrar que o aborto é um direito e uma realidade para as mulheres e pessoas com capacidade de gestar e abortar. Estabeleceram as bases para dar uma resposta à problemática de saúde pública”, diz Laura Salomé, da Campanha Nacional. 

Na Argentina, uma das mais conhecidas são as Socorristas en Red, uma aliança que reúne 58 coletivas feministas. Além de dar informação, elas tratam de discutir o estigma e a culpa normalmente associadas ao processo, tratando-o como parte da vida reprodutiva de muitas mulheres. 

“Essas coletivas foram e são chave tanto no acompanhamento como na articulação com o sistema de saúde. Elas têm sido pioneiras em chegar às mulheres com informação de qualidade, precisa e em formatos variados. Também são o motor da despenalização social do aborto”, afirma a médica Mariana Romero, uma das coordenadoras do REDAAS (Rede de Acceso ao Aborto Seguro) na Argentina.

Segundo os relatórios do grupo, entre janeiro e outubro de 2020 elas acompanharam 13.408 abortos; nove em cada dez mulheres atendidas não precisaram acessar os serviços de saúde após o procedimento.

“A partir do ativismo, sustentamos que cada aborto é um mundo. Queremos escutar e acompanhar e, com isso, politizar os desejos que nos movem a tomar determinadas decisões em certos momentos de nossas vidas”, afirmou Ruth Zurbriggen, uma das integrantes das Socorristas em audiência no Senado em dezembro de 2020. 

A atuação dessas ativistas é facilitada pelo contexto na Argentina. Desde antes da legalização, o Misoprostol (também indicado para tratar problemas gástricos) podia ser comprado na farmácia com receita médica. No Brasil, ele é de circulação restrita aos hospitais com atendimento obstétrico.

“É claro que existem essas redes no Brasil, mas aqui elas são mais anônimas, e com razão. A nossa legislação é mais restritiva que a Argentina em relação ao acesso e à circulação do Misoprostol. Possuir o remédio pode ser muito mais grave do que o crime de aborto em si. Por isso, a gente enfrenta um cenário de medo e estigma mais intenso nesse tema, um cenário único no mundo”, explica Gabriela Rondon.

Insistir, e insistir mais um pouco

Assim que foi criada, a primeira iniciativa da Campanha foi elaborar e protocolar, em 2006, um projeto pedindo a legalização do aborto no Congresso Nacional. Elas repetiam esse processo mais sete vezes até 2018, quando o texto foi analisado pela primeira vez pelos deputados. 

“Acredito que a maior lição do movimento na Argentina foi a obstinação feminina, que tem raiz nas mães e avós, que estão em todas as lutas e têm como valor a democracia”, afirma a pesquisadora da UBA.

De tanta insistência, o texto foi finalmente votado em 2018, durante o governo de Mauricio Macri. Apesar de contrário à legalização, o presidente preferiu não interferir diretamente no debate, já que o país vivia uma crise econômica e discutir aborto desviava a atenção dos temas da economia. 

O projeto foi aprovado pelos deputados por 129 votos a favor e 125 contrários, após horas de vigília dos movimentos feministas ao lado de fora do Congresso. O texto, no entanto, acabou rejeitado pelos senadores, por 38 a 31, onde os conservadores tinham maioria e defendiam que era preciso preservar o direito à vida desde o nascimento. “Não será menos trágico um aborto porque se realiza em um hospital. Não, será trágico da mesma forma. O objetivo é que não existam mais abortos na Argentina”, disse à época o senador Esteban Bullrich, ex-ministro da educação de Mauricio Macri. Apesar da negativa, o debate já havia se instalado, e as feministas entenderam que era o momento de insistir um pouco mais. 

“O efeito da vitória parcial de 2018 foi gigantesco. A sensação naquele momento era que faltava pouco, que a sociedade já tinha entendido que aborto era uma questão de saúde pública. Em seguida houve eleições, uma mudança da composição na Câmara dos Deputados e no Senado”, diz a pesquisadora da Anis. 

Naquele ano, enquanto a Argentina discutia o tema no Legislativo, as brasileiras acompanhavam no STF (Supremo Tribunal Federal) a audiência pública que discutia a ADPF 442, ação que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Vale lembrar, AzMina já mostrou que apenas um projeto de lei tentou fazer o mesmo no Congresso na última década no Brasi.

“Eu acredito que, para nós, as principais lições foram: não desistir da luta, não se render jamais e manter a maior unidade, apesar das diferenças que caracterizam os nossos feminismos”, diz a socióloga Dora Barrancos.

De repente, todo mundo falava sobre aborto

Tanto a incidência política, quanto o ativismo em defesa do aborto seguro e as grandes mobilizações nas ruas fizeram com que o tema enfim virasse pauta do Congresso argentino em 2018. 

Nesse momento, a discussão ganhou profundidade e chegou não só ao Parlamento, como também à mesa do jantar, aos programas jornalísticos, aos almoços de trabalho e aos intervalos da escola. De repente, todo mundo falava sobre o assunto.

Ganhou força o argumento do aborto como um direito e uma questão de saúde pública e muita gente acabou mudando de lado, como a senadora, ex-presidente e atual vice, Cristina Kirchner.

“Eu antes era uma pessoa que dizia ‘não sou feminista, sou feminina’. Que estupidez! Não foi apenas [minha filha] Florencia que me fez mudar de ideia, foram também as garotas do ensino médio e as minhas netas, Helenita y María Emilia”, disse em seu discurso ao votar a favor do projeto em 2018.

Assim como Kirchner, as pesquisas de opinião mostraram que mais gente aprovava uma mudança na lei. Segundo pesquisas realizadas pela Ipsos, entre 2014 e 2020, passou de 65% para 75% a porcentagem dos argentinos que aprovavam o aborto em determinadas circunstâncias.

“Em 2018, houve um giro. Foi quando começamos a usar os lenços verdes na vida cotidiana, levando o debate para todos os lados, como se a vida fosse igual à luta pelo aborto legal”, afirma Vacarezza, pesquisadora da UBA.

O lenço verde virou um símbolo do movimento da luta pelo aborto legal. Ele é uma homenagem aos lenços brancos usados pelas Mães da Praça de Maio, que buscam até hoje filhos e netos desaparecidos durante a Ditadura Militar. A cor é usada há mais de 15 anos pelas feministas que lutam pela legalização do aborto e foi decidida coletivamente por eliminação: não podia ser azul (associada à bandeira do país), violeta (do feminismo) nem branco (usado pelas Mães de Maio). Além disso, está inscrito o lema “Educação sexual para decidir, anticonceptivos para não abortar e aborto legal e gratuito para não morrer”, inspirado no usado por feministas italianas na década de 1970.

Aproveitar o contexto político

Ainda na ressaca da votação de 2018 e das mobilizações da Maré Verde, o projeto de legalização do aborto virou pauta das eleições presidenciais no ano seguinte. As feministas continuaram pressionando e o assunto não esfriou. Então candidato, Alberto Fernandez não só se posicionou a favor da mudança na lei como prometeu apresentar um projeto assim que assumisse o cargo. 

As mobilizações feministas pela aprovação do projeto um ano antes foram decisivas para isso. “A demanda social depois do debate de 2018 foi imensa, imparável e, pela primeira, quem não se comprometesse com essa causa ficaria de fora. Além disso, os argumentos apresentados no Congresso foram muito contundentes desde a perspectiva de saúde pública e de direitos. Em terceiro lugar, muitas candidatas se definiram como verdes, de diferentes partidos, e isso também pressionou”, afirma Mariana Romero. 

Um presidente declaradamente a favor do aborto era algo novo impensável há alguns anos atrás. Isso só foi possível em 2019, diz Dora Barrancos, com a carreira de Fernandez como professor de direito penal na Universidade de Buenos Aires e o apoio que tem desde a campanha. “Sua candidatura foi apoiada por um grande número de feministas, e não poucas exercemos cargos no governo”, afirma a socióloga, que é uma das assessoras do presidente em assuntos de gênero. 

As eleições de 2019 também promoveram uma mudança na Câmara e no Senado, onde Fernandez tinha maioria, abrindo espaço para uma nova discussão do projeto.

Vale citar outro ingrediente importante: a menor desigualdade de gênero no Legislativo argentino. “Vários mecanismos de reforma política fizeram com o Congresso tivesse mais mulheres e pessoas mais jovens. Isso dá a sensação de representação, de maior diálogo entre as ruas e a institucionalidade”, afirma a advogada Gabriela Rondon.

De fato, dados do Observatório de Gênero da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), ligada à ONU, mostram que o Brasil tem um dos menores índices da Região. Por aqui, as mulheres são 14,6% do Legislativo, enquanto na Argentina elas são 40,9%.

Em 2020, o contexto então parecia finalmente  favorável: presidente que apoiava a legalização do aborto, renovação no Congresso, alta participação de mulheres, maior aceitação por parte da sociedade e mobilização feminista. Só que aí apareceu uma pandemia, adiando um pouco os planos. 

“Para nós, a Argentina é um exemplo muito positivo, porque é um país próximo e mostra que, mesmo em um ano de pandemia e crise, em um país católico como o nosso, era hora desse tema vir a público. Foi um ato de coragem política e mostra que não existe o melhor momento, é preciso enquadrar o aborto como um assunto urgente”, diz a advogada Gabriela Rondon.

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Áurea Carolina: discussão sobre o aborto legal, seguro e gratuito é urgente https://canalmynews.com.br/dialogos/aurea-carolina-discussao-sobre-o-aborto-legal-seguro-e-gratuito-e-urgente/ Wed, 20 Jan 2021 19:58:19 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/aurea-carolina-discussao-sobre-o-aborto-legal-seguro-e-gratuito-e-urgente/ Ao contrário do que prega o senso comum, a medida pode inclusive reduzir o número de procedimentos, como aconteceu em outros países

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Na última semana de 2020, um lampejo de esperança coloriu de verde as ruas e as redes sociais em toda a América Latina. A mobilização histórica das mulheres argentinas pela garantia de seus direitos sexuais e reprodutivos foi vitoriosa: o aborto legal, seguro e gratuito foi aprovado pelo Congresso argentino e será lei no país.

É uma vitória muito importante. Também por aqui, movimentos de mulheres em todo o Brasil atuam há décadas pela vida de todas nós. A discussão sobre o aborto legal, seguro e gratuito é urgente e deve ser tratada no campo da saúde pública. Enfrentar a perspectiva moralizante e anticientífica que leva à criminalização precisa ser uma prioridade para todos e todas que defendem os direitos das mulheres.

Já sabemos há anos que o aborto é uma realidade na vida de mulheres de diversas idades, credos e classes sociais. De acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto 2016, aos 40 anos, uma em cada cinco das mulheres brasileiras terá feito pelo menos um aborto. Ainda assim, nosso Código Penal determina que as mulheres que realizam o procedimento podem ser presas por até três anos ou investigadas até oito anos depois do ato.

Para além de ser um limitador para o debate público sobre o assunto e um ataque gravíssimo à nossa liberdade de crença, a criminalização é letal, principalmente para mulheres pobres, negras e indígenas – que têm menos acesso às políticas públicas e estão muitas vezes em situação de vulnerabilidade. Dados da OMS mostram que o aborto clandestino é a quinta causa de mortalidade materna em nosso país.

Áurea Carolina: discussão sobre o aborto legal, seguro e gratuito é urgente
A deputada federal Áurea Carolina (PSOL-MG)
(Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados)

Mesmo nos casos em que a interrupção da gravidez é permitida pela lei, meninas e mulheres encontram obstáculos terríveis para fazerem valer seus direitos. No ano passado, acompanhamos estarrecidas a saga de uma criança de apenas dez anos que sofria violência sexual do próprio tio para ter acesso ao aborto legal.

Obviamente, não era um caso isolado. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019 mostrou que quatro meninas de até 13 anos são estupradas por hora em nosso país. A novidade nesse caso foi a absurda tentativa de interferência do Ministério da Mulher e dos Direitos Humanos que, em sua cruzada contra o aborto, colocou em risco a vida da própria menina.

Legalizar o aborto é uma condição indispensável para enfrentar uma face perversa da violência de gênero e efetivar os direitos sexuais e reprodutivos de todas as mulheres. Ao contrário do que prega o senso comum, a medida pode inclusive reduzir o número de procedimentos, como aconteceu na Espanha e em Portugal, que legalizaram a prática e investiram na oferta de contraceptivos. As evidências mostram que o que realmente impede que abortos aconteçam é o fortalecimento das políticas de saúde acessíveis e universais, baseadas em respeito, informação e autonomia.

Com esperança de que a vitória argentina ecoe em toda a América Latina, nós reforçamos o lema das nossas hermanas: educação sexual para decidir, anticoncepcionais para não abortar e aborto seguro para não morrer! Seguimos em luta.


Quem é Áurea Carolina

Áurea Carolina, mãe do Jorge Luz, é deputada federal pelo PSOL-MG, educadora popular, lutadora negra feminista e mestra em Ciência Política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)

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Lenise Garcia: não ao aborto, sim às duas vidas https://canalmynews.com.br/dialogos/lenise-garcia-nao-ao-aborto-sim-as-duas-vidas/ Wed, 20 Jan 2021 19:57:27 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/lenise-garcia-nao-ao-aborto-sim-as-duas-vidas/ “As grávidas, especialmente as mais jovens, necessitam diferentes tipos de apoio. É equivocado apresentar a legalização do aborto como ‘solução'”

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A recente aprovação da lei do aborto na Argentina, fruto de forte financiamento internacional de grupos de pressão pelas clínicas de aborto, e também do empenho do novo governo no país irmão, certamente estimulará os grupos que lutam para liberar o aborto no Brasil, embora haja muitas diferenças na situação dos dois países. Em comum, temos o fato de que a população argentina, tal como a brasileira, continua a ser majoritariamente contra essa aprovação. 

Embora lamente a impopular decisão do Parlamento argentino, louvo o fato de que o debate ocorreu no fórum adequado, embora em momento totalmente impróprio, dado o período de final de ano e as circunstâncias da pandemia, que impediram uma participação efetiva dos cidadãos. No Brasil, o Congresso Nacional tem rejeitado repetidamente as inúmeras tentativas de se aprovar lei semelhante, e por isso a estratégia tem sido buscar o Supremo Tribunal Federal (STF), indevidamente chamado a legislar, dado não ser essa a sua missão constitucional.

A ADPF 442/2017 foi enviada ao STF pelo partido político PSOL, pedindo a liberação do aborto até as 12 semanas de gravidez, embora efetivamente, ao desqualificar o Código Penal, possa levar à não criminalização do aborto em qualquer situação e idade gestacional. A meu ver, a decisão mais correta do STF seria a de remeter o assunto ao Congresso Nacional, onde devem atuar os partidos políticos.

Os movimentos pró-vida aderimos, no Brasil, ao lema levantado na Argentina: pelas duas vidas. Efetivamente, é impossível separar as vidas de mãe e filho(a). 

Lenise Garcia: não ao aborto, sim às duas vidas
Lenise Garcia, presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto.
(Foto: arquivo pessoal)

As situações que levam grávidas a pensarem em aborto costumam ser bastante complexas, envolvendo solidão, abandono, falta de diálogo com a própria família, descompromisso do pai da criança, problemas econômicos e tantos outros. As grávidas, especialmente as mais jovens, necessitam diferentes tipos de apoio. É equivocado apresentar a legalização do aborto como “solução”, pois o dilema não está em um contraste entre o aborto clandestino, que pode colocar em risco também a mãe, e o aborto legal, no qual o(a) filho(a) é eliminado(a).

Cabe às famílias e à sociedade a busca de caminhos de acolhimento e valorização da vida, tanto da mãe como do(a) filho(a). A gestante já não tem a opção de ter ou não uma criança, mas apenas a alternativa de ter uma criança viva ou morta, caso realize um aborto, e isso também mata algo dentro dela, mesmo que se grite em altos brados que ela estaria apenas exercendo um direito. Não há direito sobre a vida do(a) filho(a), pois esse direito corresponde à própria criança, já gerada e em desenvolvimento. A mãe pode tirar a criança de seu útero, mas não a tira da cabeça nem do coração, e por isso tantas sofrem pelo restante de suas vidas por causa do aborto realizado, muitas vezes em sua tenra juventude. Também essas pessoas necessitam apoio para superar o trauma. 

Se o aborto é o problema, o aborto não pode ser a solução. As soluções passam sempre pela valorização das vidas da mãe e do(a) filho(a). 


Quem é Lenise Garcia

Lenise Garcia é professora aposentada do Instituto de Biologia e do Mestrado em Ensino de Ciências da Universidade de Brasília (UnB) e presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto

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Gracias, Argentina! https://canalmynews.com.br/sem-categoria/gracias-argentina/ Wed, 30 Dec 2020 20:51:38 +0000 http://localhost/wpcanal/sem-categoria/gracias-argentina/ Quem é contra a legalização do aborto não entende que nenhuma mulher quer abortar

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Manifestação em Buenos Aires favorável à descriminalização do aborto. Argentina aprova direito de mulher decidir sobre aborto até a 14ª semana de gestação
Manifestação em Buenos Aires favorável à descriminalização do aborto. Argentina aprovou direito de mulher decidir sobre aborto até a 14ª semana de gestação.
(Foto: Divulgação/Campanha do Aborto Legal)

Foi emocionante ver as imagens das mulheres argentinas nesta madrugada comemorando o resultado da votação histórica que legalizou o aborto no país. “Arriba el feminismo, que va a vencer, que va a vencer!”, gritava a multidão na Praça do Congresso em Buenos Aires. É errado se aglomerar em plena pandemia, mas confesso que se estivesse na Argentina me juntaria, de máscara, a elas. É preciso celebrar o resultado dessa luta por um direito básico negado a nós, mulheres, em tantos países do mundo. Na América Latina, por exemplo, somente Cuba, Guiana, Guiana Francesa, Uruguai, Porto Rico, Oaxaca – um estado do México – e a capital do país descriminalizaram o aborto.

No Brasil, como todos sabemos, a situação é muito diferente. O aborto aqui só é permitido em três situações: em casos de estupro, o aborto necessário – que é feito para salvar a vida da mãe – e quando o feto possui anencefalia, uma má formação no cérebro. Nenhum governo, de direita ou esquerda, teve a coragem de avançar neste assunto e agora com Jair Bolsonaro parece não haver chance de diálogo sobre este tema. Na retrospectiva dos horrores de 2020, vimos a ação de extremistas comandados por apoiadores do presidente e da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, tentando impedir a realização do aborto numa menina de 10 anos. Ela tinha sido estuprada pelo tio durante anos, engravidou e teve que lutar, apoiada pela avó, para conseguir ter acesso ao seu direito, previsto na constituição. Mesmo amparada pela lei, teve que enfrentar a barbárie de protestos de extremistas na porta do hospital. Até hoje ninguém foi punido por ter vazado os dados da menor e o local onde seria realizada a interrupção da gravidez. Isso é crime. 

Mas no Brasil reina a hipocrisia. Todo mundo conhece alguém que já fez um aborto clandestino. Quem tem muito dinheiro consegue fazer o procedimento em clínicas chiques pelas nossas capitais ou viaja para fora do país. Quem tem pouco, toma remédio ou o faz em consultórios clandestinos espalhados por aí. No mercado ilegal do aborto tem de tudo. Profissionais sérios e verdadeiros picaretas se revezam neste submundo onde ninguém precisa dar nenhuma explicação ou amparo às pacientes. Agora quem não tem dinheiro tem opções limitadas: tomar remédios perigosos ou enfiar objetos cortantes, ambos com alto risco de complicações, que podem levar a uma morte sem nenhuma assistência. 

Mesmo o aborto acontecendo livremente no país, tem políticos e grupos religiosos que lutam com unhas e dentes contra a descriminalização. No Congresso Nacional hoje existem mais projetos para restringir o aborto do que para legalizá-lo. Segundo um levantamento da plataforma Elas no Congresso, desde 2011 foram feitas 69 propostas sobre o tema e em 80% dos projetos o objetivo é aumentar a criminalização. Hoje a pena prevista é de 3 a 10 anos de detenção. Só em 2019, foram 18 projetos de lei com enfoque desfavorável às mulheres. Pura hipocrisia. 

Crenças à parte – e respeito todas elas -, o nosso Estado é laico. As políticas públicas não devem ser feitas baseadas em Deus, Jesus ou qualquer outra entidade suprema. As políticas públicas têm que ser feitas baseadas nas necessidades da população, nos direitos básicos das pessoas e devem visar o bem estar da sociedade e de seus cidadãos.

Quem é contra a legalização do aborto não entende que nenhuma mulher quer abortar. O aborto, quando acontece, é um processo doloroso por si só – tanto físico quanto moral. Uma parte das mulheres que toma essa decisão geralmente está desamparada, desesperada e sofrendo muito. Legalizar o aborto não pode ser confudido com assassinato,  libertinagem ou descaso. Legalizar o aborto é dar chance de vida, dignidade e respeito às mulheres que tomam essa decisão. Quando o estado cuida dessas mulheres, ele cuida da sociedade. O Brasil de hoje não está aberto a esse diálogo. Mas um dia estaremos prontos para essa decisão necessária. Por enquanto, vamos celebrar. 

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