Considero que o Brasil não compreende corretamente a Ku Klux Klan, e pior, deixamos de entender o significado das manifestações de apoio ao atual presidente.
por Aniello Olinto Guimarães Greco Junior em 16/09/22 14:57
Uma das declarações recentes de Lula foi mal recebida pela opinião pública. O ex-presidente comparou as manifestações em 7 de setembro com a Ku Klux Klan. Justificou a comparação com base no perfil étnico dos manifestantes, maioritariamente homens brancos de certo poder aquisitivo. E sim, de fato haviam poucos negros, pardos, mulheres e trabalhadores de baixa renda na manifestação.
Muitos consideraram uma acusação de racismo contra todo apoiador de Bolsonaro, e entenderam a comparação como um discurso de ódio. Seria um exemplo da suposta polarização odienta que estaria levando o Brasil a uma espiral de violência.
Contudo eu considero que o Brasil não compreende corretamente a Ku Klux Klan, e pior, deixamos de entender o significado das manifestações de apoio ao atual presidente. Apesar do racismo não cumprir o mesmo papel nem se manifestar da mesma forma que nos movimentos supremacistas brancos, a comparação faz sentido,m visto que nem a KKK nem o bolsonarismo podem ser definidos apenas como movimentos racistas.
Como a KKK esta presente em nosso imaginário principalmente por causa do cinema hollywoodiano, imaginamos que este movimento se resume a reuniões de encapuzados ao redor de cruzes pegando fogo para linchar negros. Mas não, a KKK era um movimento aceito oficialmente nos EUA, com reuniões em locais públicos, jornais ligados ao movimento e políticos eleitos. Por décadas a KKK era um movimento considerado legítimo e parte do debate político oficial.
E a causa defendida pela KKK não é exclusivamente a perseguição e a dominação do negro. Não é somente o ódio ao negro. Para estes supremacistas brancos, o não-branco era uma ameaça ao sonho americano, ao modo de vida da sociedade, a família tradicional, os bons costumes, os valores cristãos. E como eles se intitulavam? Cidadãos de bem. Este inclusive era o nome do principal jornal de divulgação da KKK.
Para aqueles supremacistas perseguir o diferente, o negro, não é uma guerra fratricida, mas sim defender a nação de inimigos internos, de ameaças ao povo. O negro, representante máximo do não-branco, não é parte do povo, não é parte da nação. E para defender a nação americana das ameaças internas os supremacistas estão dispostos a cometer atos que vão além do ordenamento legal. Estão dispostos a agir no crime, na clandestinidade. Pois mesmo minoritários, eles se consideram o verdadeiro povo americano. E como representantes do verdadeiro povo, eles teriam legitimidade de usar da força para limpar o país.
O quanto isto é similar ao que testemunhamos em 7 de setembro, em nossas ruas? Ao meu ver, bastante. Depois de 4 anos de governo, e pelo menos mais 2 de movimentação bolsonarista nos acostumamos e nos anestesiamos com o lado perverso deste movimento. Neste 7 de setembro deixamos de ver o grotesco. O que ganhou espaço nas manchetes foram o momento imbroxável e a suposta suavização do discurso de Bolsonaro.
Mas devíamos parar de olhar para o palanque e voltar nossos olhos a platéia. O que vemos além das camisetas da seleção e das bandeiras verde-amarela? Quais foram os protestos dos manifestantes? Pois não foi apenas um manifesto de apoio a Bolsonaro. Eles são contra muitas coisas. São contra o Judiciário. São contra a hipótese de uma derrota eleitoral. Acreditam que em caso de derrota eleitoral seria justificável uma intervenção. Eles pediam a “intervenção militar”. Em resumo, uma movimentação anti-democrática e anti-republicana.
Mas vai além disto. A manifestação em 7 de setembro é uma tentativa de demonstração de força. Uma suposta demonstração que as Forças Armadas e o povo estariam ao lado do presidente, e portanto a eleição e as instituições republicanas seriam meros detalhes.
E quem é o povo brasileiro para os manifestantes? É o cristão, mas não qualquer cristão. O cristão que é contra os homossexuais, contra o feminismo, contra a “ideologia de gênero” e outras ameaças ao mito da família tradicional brasileira (que excluiu a maioria das famílias brasileiras). É o anticomunista fervoroso, que enxerga toda discordância política (até mesmo discordâncias sanitárias) como uma ameaça interna a nação. É o armamentista, que considera essencial a sua segurança ter armas para se “defender” de governantes que supostamente querem escravizá-lo. É o defensor do velho lema integralista. Deus, Pátria, Família.
E sim, é também o racista, que vê no negro e no pardo o marginal, o Zé Droguinha, o crackudo. Que acredita que o movimento de orgulho negro é mimimi, que não existe racismo no Brasil. É aquele que aplaude as ações de Sérgio Camargo. E que não vê problema que apesar da queda de homicídios contra a população em geral, o homicídio contra negros subiu.
Os esquerdistas, os vermelhos, os LGBTQIA+, as famílias não reconhecidas como famílias, os defensores dos direitos humanos, de mulheres, de negros, de índios, estes não são o povo brasileiro. Pois não são cidadãos de bem. No fundo eles acreditam que Bolsonaro tem apoio da maioria não por desacreditarem nas pesquisas, e sim por considerarem aqueles que discordam como não sendo brasileiros legítimos. O povo seria apenas o cristão conservador nos costumes e liberal na economia. Apenas o bolsonarista.
É por isto que eles acham normal e natural Bolsonaro ter convertido as paradas militares da independência em comícios. É por isto que eles não enxergam como problema vincular a distribuição de marmitas aos famintos (que segundo o presidente sequer existem) com a posição política. É por isto que eles consideram que patrões poderiam dar bônus para quem votasse em bolsonaro, ou até mesmo demitissem eleitores de Lula. Não é problema se aproveitar da fraqueza do inimigo e abusar do poder econômico. Afinal o povo de verdade já decidiu. Não existe crime eleitoral quando as eleições são uma etapa desnecessária.
Você pode estar pensando agora que o bolsonarismo não tem a mesma violência da KKK. São pacíficos, portando cartazes e palavras de ordem. Não são. Se é fato que ainda não agem de modo muito organizado, também é verdade que sim, a violência já esta presente.
Em 2018 tivemos o assassinato do Mestre Moa do Catendê. Ano passado, durante o 7 de setembro, tivemos 7 tentativas de invasão do STF. Tentativas de um ato terrorista contra um dos poderes constituídos. Este ano tivemos, entre outros eventos, o assassinato de Marcelo Arruda, o assassinato de Benedito dos Santos, e o tiro contra Davi Augusto de Souza durante um rito religioso.
Sim, aqueles que estavam nas ruas no dia 7 de setembro passado se consideram os representantes do verdadeiro povo. Os cidadãos de bem. Nós, que discordamos deles, somos inimigos da pátria. Traidores. Ameaças. Mais de uma vez demonstraram que leis não importam. Que estão dispostos a usar do poder que possuem. Para eles, a violência é um recurso aceitável, para defender a liberdade do povo contra nós. Só falta o capuz. Deus, Pátria, Família. ANAUÉ!
*Aniello Olinto Guimarães Greco Junior é servidor público concursado do Tribunal Superior do Trabalho, Aniello Greco passou tempo demais na universidade, sem obter diploma. Já fingiu ser jogador de xadrez, de poker, crítico de cinema, sommelier de cerveja. Sabe de quase tudo um pouco, e quase tudo mal.
*As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews
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