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Ainda sou de esquerda

Atualmente, os debates em torno do posicionamento político “direita” ou “esquerda” são acompanhados da justificativa que a esquerda falhou e só nos resta a direita

por Dante Gatto em 09/10/21 13:33

Atualmente, os debates em torno do posicionamento político “direita” ou “esquerda” são acompanhados da justificativa que a esquerda falhou e só nos resta a direita. Primeiramente, tal falha é relativa e, “segundamente”, se conformar com a direita por conta das falhas dos seus opositores é aceitar o erro, incondicionalmente. Espero me fazer entender neste breve artigo.

Quando há um embate de forças contrárias, nos contorcionismos políticos, por vezes, não ficamos do lado dos nossos naturais opositores. Não porque não concordemos com eles em determinados aspectos, mas por força de anulá-los, pensando nas passadas e futuras divergências. Há muito de emotividade em jogo, não é? Apoiá-los em determinado momento implica fortalecê-los para que em outro momento ele nos ataque. Triste contingência da convivência humana. Mas não vamos refletir aqui sob tal paradigma. Vamos pensar no plano das ideias.

Continuo sendo de esquerda - artigo Você Colunista

Dicotomizar parece ser uma postura inerente ao processo cognitivo, combinado a nossa necessidade social de se alinhar, de ser aceito em determinado grupo, animais gregários que somos. Desde sempre, neste sentido, se opuseram tradição e ruptura, clássicos e modernos, capitalistas e socialistas, conservadores e liberais; liberais e comunistas. Isto que entendemos por pós-modernidade é a consciência da necessidade do convívio dos contrários, uma simbiose, combinada ao desejo de nós localizarmos nos moldes da tradicional dicotomia. Complexo, eu sei.

O triste, prosaico, patético, nunca “demasiadamente humano”, trágico é quando a esquerda perde suas raízes utópicas e desgraçadamente se transforma em direita e, talvez, agudize as contradições da mais nefasta direita. Um abatimento profundo nas nossas mais profundas aspirações do ser, não é? Aliás, a esquerda nasceu da direita, foi uma resposta à tentativa de permanência de notórias injustiças.

Sempre houve, muito antes da Revolução Francesa – momento político em que se evidenciou o discernimento entre as duas bandeiras – dominadores e dominados. A esquerda nasceu da luta contra tal dominação e acontece destas coisas que só a dialética da realidade explica: os revolucionários liberais da Revolução Francesa mereceram, posteriormente, a adequada oposição do socialismo marxistas, em nome das contradições que surgiram.

Marx mesmo falava do herói burguês num determinado momento da história do capitalismo, no processo de defesa da utopia comunista, não é? O que eu quero dizer: burgueses foram esquerda em um momento e direita em outro. Historicamente, a humanidade, a esquerda, lutando contra o poder injusto abraçou a causa de permanência no poder e essencialmente se corrompeu.

A história dos sindicatos é bem representativa disto. Os sindicatos, resumindo aqui brutalmente o processo, nasceram da mais inominável exploração humana, durante a Revolução Industrial. Foram, pois, extremamente salutares à humanização das relações humanas, mas fecharam-se numa burocracia de poder, como todos conhecemos, e pecaram muito neste processo: perderem suas raízes históricas da luta de classes.

A utopia comunista de Marx previa três estágios, depois do esgotamento do fôlego do capitalismo: (1) a luta (revolução); (2) a ditadura do proletariado e (3) a sociedade sem classes, o comunismo. A coisa não aconteceu com ele previa.

A revolução não foi mundial como profetizou preliminarmente Marx, mas ficou restrita à extinta União Soviética e se perdeu na ditadura do proletariado, nunca alcançando o terceiro estágio, reduzindo-se, pois, a governos totalitários. Ora, a esquerda perdeu sua essência, perdeu a utopia que essencialmente a nutria, mas, desgraçada e erroneamente, tornou-se símbolo do posicionamento esquerdista, até seu justificável esfacelamento, juntamente com a simbólica derrubada do muro de Berlim.

Hoje parece que vivemos sob a hegemonia do capitalismo, mas não é bem assim, porque a utopia não morreu e as contradições das relações sociais ainda são escandalosas e suscitam um posicionamento crítico que, aliás, é meu lugar social. Pois é, ainda sou esquerda.

Trailer do filme “O Jovem Karl Marx” (Raoul Peck, 2017)/Reprodução/Redes Sociais

Quem é Dante Gatto?

Dante Gatto é doutor em Letras pela UNESP de Assis/SP e professor da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT)

* As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews


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