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Pequeno Glossário Político: Capitalismo, Liberalismo, Democracia e República

Se tudo der certo, vou convencer alguns de vocês que o tão popular “liberal na economia, conservador nos costumes” é uma contradição em termos.

por Aniello Olinto Guimarães Greco Junior em 02/08/22 09:03

E retomo a minha série de textos sobre termos políticos muito usados mas pouco compreendidos no debate político atual. Já analisamos qual o sentido de direita e esquerda, bem como as gradações entre conservadores e progressistas. Apesar de não ser essencial, a leitura daqueles textos podem contribuir para o entendimento deste.

Agora pretendo apresentar os conceitos de capitalismo, liberalismo, democracia e república. E, se tudo der certo, convencer alguns de vocês que o tão popular “liberal na economia, conservador nos costumes” é uma contradição em termos.

O conceito de capitalismo talvez seja o mais difícil de absorvemos, visto que naturalizamos tanto o sistema econômico que vivemos que passamos a acreditar que o capitalismo faz parte da natureza, ou de qualquer sociedade humana. Muitos cometem o erro de afirmar que o capitalismo é tão somente a livre troca de mercadorias, por exemplo.

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Se para entendermos o conceito de esquerda e direita nós temos que retroceder até a Revolução Francesa, para compreendermos o capitalismo temos que retroceder até a Idade Média. Durante a maior parte da Idade Média o sistema econômico vigente na Europa foi o feudalismo.

O feudalismo se consistia em uma organização econômica e social ruralista, com o uso da mão de obra servil trabalhando para grandes proprietários de terra em troca de usar parte de sua produção para sua subsistência. Os proprietários de terra ofereciam em troca a segurança militar. E todos se colocavam sob a orientação espiritual da Igreja Romana.

No final da Idade Média temos um aumento populacional, que gera uma maior produção agrícola. Combinado com as Cruzadas e a abertura de rotas comerciais com o Oriente, e também com o Iluminismo, uma mudança lenta mas contínua se estabelece.

Temos um fortalecimento do comércio, o que gera uma nova classe social, pessoas que tiram sustento do comércio e deixam o ambiente rural, passando a morar nas cidades, ou burgos. Temos o surgimento dos burgueses. E a medida que os burgueses vão acumulando mais poder econômico, uma nova forma de riqueza se estabelece. Uma riqueza baseada não na propriedade da terra, e sim no capital. Assim surge o capitalismo. E a medida que as relações comerciais vão se tornando mais complexas e mais importantes o trabalho servil vai caindo em desuso, e entra em ascensão o trabalho assalariado.

Podemos então entender a chegada do capitalismo, de forma simplificada, como a mudança do proprietário de terra para o comerciante e industrial, e do servo para o assalariado. E a riqueza, antes ligada a posse de terra, passa a ser a posse dos meios de produção.

Com esta mudança econômica novas estruturas políticas vão se tornando necessárias. As formas de governo medievais se transformaram nos Estados Nacionais, sob a coordenação da nobreza aristocrata, herdeira dos senhores feudais. Mas o poder econômico migra da nobreza para a burguesia. E com isto temos um conflito entre o sistema político das monarquias absolutistas e o sistema econômico do capitalismo mercantil.

É neste contexto que acontecem a Revolução Gloriosa, a Independência Americana e a Revolução Francesa. São três momentos históricos que marcam as origens do que chamamos de liberalismo, república e democracia.

Em um primeiro momento temos o surgimento do liberalismo, em especial na Inglaterra. Os governos das monarquias absolutistas representavam um obstáculo para a burguesia e suas atividades. Os monarcas detinham em suas mãos todo o aparato do estado, e com isto as atividades econômicas ficavam limitadas pela vontade do monarca. E com isto surge o desejo pela livre iniciativa, livre concorrência, autodeterminação.

É da vontade do burguês de conseguir agir de forma independente que surgem os conceitos de direitos humanos e liberdades individuais, base do liberalismo. Para os pensadores liberais o governante deve ter seus poderes de Estado limitados para garantir que cada cidadão tenha a autonomia para agir, dentro de suas competências, da forma como cada um desejar para ter liberdade, felicidade, realização pessoal. O Estado deveria ser impedido de obrigar como cada pessoa iria viver sua vida, que profissão seguir, como dispor de suas economias, que relações pessoais e profissionais construir, etc. O liberalismo é em essência o reconhecimento de que o poder do estado tem o potencial de reprimir e controlar a liberdade de escolha do indivíduo. E que, portanto, leis deveriam ser criadas para obrigar os governantes a não violar os direitos de todos.

No primeiro momento isto se cria com o conceito da Monarquia Constitucional, ou seja, de estabelecer uma carta de leis que até mesmo os reis e imperadores seriam obrigados a seguir. Mas esta solução pareceu ser insuficiente para os Estados Unidos no seu rompimento com a Coroa Britânica, bem como na França no final do século XVIII. Nestas nações o próprio conceito de deixar o governo no encargo de nobres e aristocratas passou a ser considerado uma espécie de imposição de uma casta sobre os demais. Ou, sob uma ótica mais cínica, os burgueses não ficaram felizes em ter apenas o poder econômico, e partiram para obter o poder político. E é neste conceito que surge o conceito de República.

A República é uma nova forma de governo, onde os governantes são escolhidos pelo povo, via eleições, com mandatos com tempo determinado. É o fim da aristocracia, da nobreza. O governante não tem poder por direito de nascença ou hereditariedade, e sim por voto popular.

Mais modernamente o uso do termo democracia, do governo pelo povo, foi se tornando mais frequente do que o uso do termo república. Em parte por que as monarquias constitucionais foram se modernizando a ponto de ter mecanismos de representatividade eleitoral similares aos da república, fazendo com que os monarcas modernos muitas vezes sejam mais uma figura representativa do que um governante efetivo.

Mas é importante destacar que nos primeiros governos republicanos o termo democracia não era muito utilizado, ou sequer desejado. O conceito de democracia veio da Grécia antiga, e é basicamente a ideia de que o povo é o governo. Portanto a República não é aquilo que os gregos clássicos chamavam de democracia, pois se fundamenta em governantes representantes do povo, e não do governo direto do povo.

O que podemos tirar disto tudo? Alguns pontos bem importantes. Primeiro que o capitalismo não é um sistema político nem uma forma de governo, e sim um sistema econômico. Capitalismo é o sistema de produção no qual os detentores dos meios de produção compram a mão de obra dos assalariados e com isto acumulam riqueza e capital.

O liberalismo é a ideologia política que tenta criar um sistema político e jurídico que garantam a liberdade necessária para que cada um possa estabelecer as suas relações pessoais, econômicas e sociais de forma que os governantes não abusem do poder de Estado para limitar os direitos e a capacidade de escolha de cada um. O foco do liberalismo é que o Estado é uma ameaça a liberdade do indivíduo, e que portanto deve ter sua ação limitada por leis que valham para todos. O liberalismo não é um sistema econômico, e sim uma visão política sobre o papel do estado. Para o liberal nossas escolhas pessoais, familiares e sociais não são assunto de análise de governantes, a menos que estas escolhas interfiram na liberdade dos outros. Se fosse para resumir o liberalismo em uma frase, seria a ideia que a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro.

É neste sentido que não faz o menor sentido ser liberal na economia e conservador nos costumes. Liberalismo não tem relação de oposição ao conservadorismo, ou com ser progressista. Ser liberal é acreditar que o Estado só deve limitar a liberdade de alguém se for no sentido de preservar a liberdade de outrem. Os costumes, a cultura e os valores morais devem ter o mesmo tipo de controle do Estado que as relações econômicas: o mínimo necessário. Se você acredita que o estado deve legislar sobre relações familiares, sobre que arte é adequada ao homem, sobre que produtos cada pode comprar, vender e usar, etc, você esta sendo antiliberal.

E é importante lembrar que apesar dos enormes avanços políticos, econômicos e sociais trazidos pelos conceitos de capitalismo, liberalismo, república e democracia, algumas contradições graves ainda perdurariam, gerando desigualdades e conflitos.

Em especial cabe destacar o papel do escravagismo, do colonialismo e do imperialismo para as economias liberais. Apesar de romper com o servilismo medieval, o liberalismo acabou por industrializar a escravidão em níveis nunca antes vistos na história humana. Além disto, temos a completa submissão pela força de países e povos. Para um sistema apoiado na liberdade, a existência de escravos e de colônias eram chagas evidentes que os princípios básicos estavam longe de realmente acontecer.

Junte isto a enorme desigualdade entre o assalariado e o burguês, e temos uma terrível panela de pressão de tensões sociais que iria por fim explodir em revoluções e guerras ao longo dos séculos XIX e XX.

E é neste contexto que os termos socialismo, comunismo, anarquismo e social-democracia ganham seu destaque. Mas isto é assunto para o próximo texto.

*Aniello Olinto Guimarães Greco Junior é servidor público concursado do Tribunal Superior do Trabalho, Aniello Greco passou tempo demais na universidade, sem obter diploma. Já fingiu ser jogador de xadrez, de poker, crítico de cinema, sommelier de cerveja. Sabe de quase tudo um pouco, e quase tudo mal.

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