Tenho refletido muito nestes últimos dias sobre o ofício de escrever, o meu ganha pão nos últimos 60 anos
Em 24/10/23 13:20
por Balaio do Kotscho
Ricardo Kotscho, 75, paulistano e são-paulino, é jornalista desde 1964, tem duas filhas, 5 netos e 19 livros publicados. Já trabalhou em praticamente todos os principais veículos de mídia impressa e eletrônica. Foi Secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República (2003-2004). Entre outras premiações, foi um dos cinco jornalistas brasileiros contemplados com o Troféu Especial de Direitos Humanos da ONU, em 2008, ano em que começou a publicar o blog Balaio do Kotscho, onde escreve sobre a cena política, esportes, cultura e histórias do cotidiano
Só se deveria escrever pela necessidade de dizer alguma coisa nova, uma visão original, uma revelação sobre os acontecimentos. Não pode ser apenas uma obrigação de atualizar a coluna todos os dias, faça sol ou chuva, guerra ou paz, repetindo tudo o que outros já disseram antes.
Tenho refletido muito nestes últimos dias sobre o ofício de escrever, o meu ganha pão nos últimos 60 anos. Fora de combate por conta da covid temporã que me confinou entre quatro paredes, passei duas semanas vendo a vida e a morte passar na televisão, online e full time, absolutamente perplexo, sem saber o que dizer, pela primeira vez na vida.
Na segunda feira, para escapar do onipresente tema da guerra e mudar um pouco de assunto, convidamos para participar do programa de entrevistas “Segunda Chamada”, do My News, meu atual endereço, o jornalista, dramaturgo e escritor Mario Prata, que está lançando um novo livro e é um grande contador de histórias bem humoradas. Mas foi em vão.
No final da tarde, fomos atropelados pelas imagens dos ônibus queimando no Rio, em mais um violento ataque das milícias que tomaram a cidade de assalto. Como não falar daquilo que todos estavam vendo e comentando naquele momento? Em questão de minutos, uma desgraça acaba sempre superando a outra, da faixa de Gaza à Barra da Tijuca.
O próprio entrevistado estava indignado com o que acabara de ver na TV, a extrema ousadia dos milicianos, em contraste com o lero-lero de autoridades querendo mostrar valentia na terra arrasada e garantir que o dia seguinte seria tranquilo.
Lá como cá, faltam lideranças com credibilidade para dar uma esperança aos cidadãos de que amanhã será diferente. Leio agora que dos 12 milicianos detidos durante os ataques aos ônibus, 6 já foram soltos pela Justiça. Desse jeito, como acreditar que as instituições estão funcionando?
Gostaria de comentar aqui alguma coisa boa que esteja acontecendo em algum canto do mundo, mas está difícil. A violência descontrolada invadiu até as escolas e, na mesma segunda-feira, tivemos mais um tiroteio com morte em sala de aula aqui em São Paulo.
Tem muita gente até deixando der ver televisão e acompanhar o noticiário para manter um mínimo de saúde mental. Para esses, recomendo o livro de memórias do Pratinha, “Pelo Buraco da Fechadura” (Editora Geração), que fala de outros tempos e outros personagens, bem mais amigáveis e engraçados. Quando terminei de ler o livro, tive alta da covid… Serve até como remédio…
Mudar de cidade ou de país também não resolve porque o mundo inteiro parece inóspito para os seres humanos, só crises por todo lado, para onde se olha. Que foi que fizemos com o nosso mundinho, onde foi que a coisa desandou? Meio século atrás, o Ronald Golias já comentava na “Família Trapo” que “a humanidade não está se comportando bem…”
Não me lembro de outra época de tanto desencanto nem durante a ditadura militar no Brasil, quando a gente ainda acreditava que “amanhã vai ser outro dia”. Apesar de tudo, escrever ainda vale a pena porque, pelo menos, dividimos nossas aflições com os outros. Mas isso eu sei que também não muda nada.
Vida que segue.
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