A questão do papel das Forças Armadas em tempos de paz numa democracia
Em 20/08/23 17:42
por Balaio do Kotscho
Ricardo Kotscho, 75, paulistano e são-paulino, é jornalista desde 1964, tem duas filhas, 5 netos e 19 livros publicados. Já trabalhou em praticamente todos os principais veículos de mídia impressa e eletrônica. Foi Secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República (2003-2004). Entre outras premiações, foi um dos cinco jornalistas brasileiros contemplados com o Troféu Especial de Direitos Humanos da ONU, em 2008, ano em que começou a publicar o blog Balaio do Kotscho, onde escreve sobre a cena política, esportes, cultura e histórias do cotidiano
Foto: Flickr Exército Brasileiro
A prática não é nova, mas ultimamente chama a atenção a frequência como os militares brasileiros, sob o manto do anonimato, usam a imprensa nativa para fazer veladas ameaças à população civil e suas instituições. Dá-se a isso no jargão jornalístico o nome de “declarações em off”, sem a identificação do autor, o que não passa de uma grande covardia.
Levadas ao opróbio pelo governo Bolsonaro, as Forças Armadas foram tragadas para o centro do picadeiro pela esbórnia das jóias das arábias e agora querem fingir que não tiveram nada com isso, apesar da participação já comprovada de militares de diversas patentes neste esquema e também nos atentados de 8 de janeiro.
“Militares veem Justiça esticando a corda e gerando instabilidade e insegurança nas Forças Armadas”, informa a coluna da minha amiga Monica Gugliano, publicada no Estadão neste fim de semana. “Figuras graduadas do Exército citam caso da prisão de integrantes da PM do DF e apontam que há limite a partir do qual seria difícil acalmar oficialato e militares abaixo da linha de comando”.
Ah é, que limite é esse? Quem o estabelece? Se for ultrapassado o que eles vão fazer? Colocar os tanques nas ruas para impedir as investigações do STF, da PF e da PGR sobre a “organização criminosa” que se instalou no governo passado? Quem são essas “figuras graduadas”, nunca iremos saber, mas que elas existem, existem.
Se a Monica Gugliano, uma repórter séria, que não é de ver fantasmas, escreveu isso é porque ouviu esta ameaça nos quartéis.
“É uma corda bastante fina essa que a Justiça está esticando com as prisões de militares, como as que a Procuradoria-Geral da República (PGR) determinou nesta sexta-feira, 18, e que atingiram os integrantes da cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal, entre eles, o atual comandante, Klepter Rosa Gonçalves. A opinião generalizada entre militares graduados do Exército é que essas prisões estão criando instabilidade e insegurança nas Forças Armadas”, relata a repórter na abertura do seu texto.
Esses militares sabem que o cerco a Bolsonaro está se fechando e que, depois da PM do DF, chegará a vez deles também prestarem contas à Justiça. Por ação ou omissão, não há inocentes nesta história.
A cúpula da PM, agora na cadeia, não teria ido tão longe no seu envolvimento na preparação e no apoio ostensivo ao ataque de 8 de janeiro, se o comando golpista não lhe tivesse garantido proteção e impunidade. Chegar a esse comando é agora o grande desafio das investigações.
Em sua defesa, os militares do Exército ouvidos por Gugliano afirmam que “a Força não embarcou em nenhuma tgentativa de golpe ou suposto golpe. Pelo contrário, o Alto Comando tem reafirmado que assumiu uma forte posição em defesa da democracia e da posse do presidente eleito Luiz Inácio lula da Silva. Portanto, não existiriam razões para a Força continuar sendo envolvida em supostos ilícitos praticados por alguns dos seus integrantes”.
Há controvérsias. A invasão e depredação das sedes dos três poderes em Brasília e a maracutaia da venda de jóias não foram “supostos ilícitos”, mas claros atentados contra a democracia e o patrimônio público. Quando falam em “alguns dos seus integrantes”, até hoje o Exército não foi capaz de apresenta-los ao distinto público, mantendo suas investigações em sigilo. Quem são eles?
Enquanto isso perdurar, as suspeitas continuarão pairando sobre todos os que tinham poder de comando naquele dia fatídico que passará à história como o “Domingo da Infâmia”, apenas 8 dias após a posse do novo governo, numa grande festa popular, que os golpistas bem que tentaram impedir.
O Brasil não terá paz nem democracia plena enquanto os militares continuarem se achando intocáveis, cheios de “não-me-toques” e privilégios, acima das leis que regem a República, e os principais responsáveis pela insurreição de 8 de janeiro não forem julgados e, se condenados, presos.
Vida que segue.
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