É de se questionar desejo do PT e do petista por um mandato no Palácio dos Bandeirantes.
por bruno cavalcanti em 17/03/22 10:38
Fernando Haddad deve se candidatar ao governo de São Paulo nas eleições de 2022. Foto: Rovena Rosa (Agência Brasil)
Pouco menos de um ano após perder a eleição para a presidência da república num segundo turno conturbado com Jair Messias Bolsonaro (PL), o petista Fernando Haddad compareceu como um dos convidados de honra à reestreia da peça “A Profissão da Senhora Warren”, do irlandês George Bernard Shaw (1856-1950), no Teatro Aliança Francesa, em São Paulo.
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A produção fazia parte do projeto “2X SHAW”, que relembrava os 70 anos da morte do dramaturgo com a apresentação de dois títulos de sua obra: “Senhora Warren” e “A Milionária”. O evento foi idealizado pela pesquisadora e doutora Rosalie Rahal Haddad, especialista na obra do irlandês.
Ao fim do espetáculo, numa entrevista para compor o material de divulgação do projeto, o ex-prefeito da capital não apenas teceu elogios à montagem dirigida por Marco Antônio Pâmio e estrelada por nomes como Clara Carvalho, Karen Coelho, Sérgio Mastropasqua, Cláudio Curi, Caetano O’Maihlan e Mário Borges, como se mostrou um grande conhecedor da obra de Shaw, citando títulos, anos e temas que compunham suas criações.
Em meio ao coquetel de estreia (bancado sem dinheiro público), uma atriz comentou, com um ar de melancolia, a quem quisesse ouvir: “imagina só, um presidente que vai ao teatro”. Diferente de Haddad, Jair Bolsonaro não foi ao teatro. Nem durante os quatro anos que esteve à frente da Presidência da República, tampouco durante os 27 que esteve em evidência como deputado federal pelas polêmicas que protagonizou com o aval de programas como o CQC e o Pânico na TV.
Bolsonaro não foi nem mesmo às peças de seus Secretários da Cultura, o diretor Roberto Alvim e a atriz Regina Duarte (o atual, Mário Frias, não construiu carreira nos palcos), ou de apoiadores como Carlos Vereza e Davi Cardoso Jr. (mas, na deste último, nem Fernando Haddad deve ter ido).
O fato é que Haddad sempre teve relações estreitas com o mercado cultural. Já derrotado, em dezembro de 2018, foi ovacionado ao comparecer ao show de Milton Nascimento no Sesc Pinheiros, em São Paulo, e mesmo enquanto prefeito conseguiu diálogo profícuo com a classe artística – ainda que, durante seus quatro anos à frente de São Paulo, tenha minguado projetos importantes, como o que levava shows e grandes espetáculos aos palcos dos Centros Educacionais Unificados (CEUs) nas periferias da cidade.
Contudo, sua gestão foi positiva. À frente da Secretaria Municipal da Cultura, o prefeito empossou nomes como Juca Ferreira (que deixou o cargo para assumir o Ministério da Cultura no governo de Dilma Rousseff), o arquiteto e urbanista Nabil Bonduki, ainda hoje elogiado pelo setor, e Maria do Rosário Ramalho, além de ampliar projetos como o do Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais (VAI) e buscou descentralizar o acesso à cultura com série de eventos em espaços da periferia e a reformas de teatros da máquina pública.
Sua gestão como prefeito, entretanto, foi repleta de senões e ações que afundaram ainda mais sua já baixa popularidade. Haddad é habilidoso enquanto figura técnica, mas nem sempre consegue se impor como político apto ao jogo das narrativas.
Embora tenha ganhado projeção nacional ao abocanhar um segundo turno nas eleições federais de 2018, sua derrota para Bolsonaro não fez bem para sua imagem (embora, verdade seja dita, o candidato tenha sido usado como bode expiatório do antipetismo vigente). Sua acachapante derrota para João Dória no segundo turno das eleições municipais de 2016, ainda em primeiro turno, também não fez bem à sua imagem.
É de se questionar, portanto, se o PT faz bem em insistir em sua candidatura ao governo do Estado de São Paulo. Ainda que surja como nome de raro favoritismo ao cargo, disputando apenas com Márcio França (PSB) o primeiro lugar nas pesquisas, nada é garantido. O petista tem nomes como o ministro de Bolsonaro, Tarcísio de Freitas (Sem Partido), e o vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB) no encalço pelo segundo lugar caso França de fato tire sua candidatura (o que não está nos planos do ex-governador, mas também não deixa de ser uma possibilidade).
Haddad talvez tenha mais contras do que efetivamente prós ao se lançar candidato a uma praça que nunca elegeu o Partido dos Trabalhadores ao Palácio dos Bandeirantes. Um deles é o desgaste de ser um dos políticos petistas mais populares e mais derrotado nas eleições. Ainda que Lula tenha perdido nada menos do que três eleições federais, foi o presidente mais popular do Brasil, além de ser líder nas intenções de voto para um possível terceiro mandato. Haddad não goza da mesma popularidade.
Seu franco favoritismo nas pesquisas é fruto inegável da projeção alcançada em 2018 graças ao pleito federal e, mesmo que pareça sólido, pode derreter. Então uma nova derrota para o petista após despontar tão bem na corrida eleitoral pode ser um desgaste ainda maior, assim como um possível governo pode perder muito sem um apoio maciço na Assembléia Legislativa de São Paulo (Alesp) – cenário que ainda se desenhará.
É compreensível que o PT queira Haddad na linha de frente do governo de um dos estados mais ricos do Brasil, ainda mais tendo em vista a possível eleição de Lula ao governo federal, mas, perguntar não ofende, com tantas possibilidades contra, o que faz Haddad aceitar o desgaste?
Num possível governo Lula, talvez Haddad fizesse bem em assumir um ministério. E, levando em conta a necessidade que o governo federal terá de reestruturar o campo da cultura, o nome do ex-prefeito (e ex-Ministro da Educação) talvez surta efeito, uma vez que seu diálogo com o setor cultural é profícuo e fluido. Haddad conhece de política cultural e, o mais importante, não se priva de aprender quando necessário.
A ideia de Lula de criar um comitê para a cultura junto à reconfiguração do Ministério, vai necessitar uma figura menos sisuda que a de Juca Ferreira (2008-2010 e 2015-2016), mais enérgica que a de Anna de Hollanda (2011-2012) e mais enturmada com as múltiplas linguagens culturais que Marta Suplicy (2012-2014), os três principais nomes à frente da pasta no governo de Dilma Rousseff (PT).
Haddad talvez não tenha o perfil agregador e multicultural de Gilberto Gil (2003-2008), entretanto é figura técnica que pode compreender e dar vazão às necessidades da pasta que vai enfrentar seu maior desafio desde que foi criada em 1985 à época da redemocratização durante o governo de José Sarney: o de frear e reverter o desmonte promovido nos últimos quatro anos de governo Bolsonaro e, acima de tudo, aprofundado na desastrosa gestão Mário Frias.
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