Poucas pessoas se dão conta de que esse cenário tem menos a ver com a economia e muito mais com o ramo da Medicina conhecido como Psiquiatria.
por Cândido Prunes em 17/06/22 09:21
Cracolândia: A região da cidade de São Paulo abarcada pela Subprefeitura da Sé abriga alguns milhares de moradores de ruas. Os analistas mais superficiais costumam culpar o “modelo econômico”, a “crise econômica” ou o “desemprego” como a causa do aumento desse contingente nos últimos anos. Quem passa pelas ruas daquela região de ônibus ou automóvel fica muitas vezes temeroso pelo cenário apocalíptico: farrapos humanos andando entre os veículos, alguns pedindo esmolas, outros oferecendo limpeza nos para-brisas e muitos simplesmente vagando sem rumo.
Poucas pessoas se dão conta de que esse cenário tem menos a ver com a economia e muito mais com o ramo da Medicina conhecido como Psiquiatria. Resumindo uma longa e intrincada história: A partir dos anos 70 começa a se expandir no Brasil um movimento por uma “nova psiquiatria”, que incluía em sua pauta, entre outras coisas, a extinção dos manicômios e o fim da internação obrigatória de pacientes psiquiátricos (os “loucos de todo o gênero”, como se referia o antigo Código Civil). Na época chegou a surgir até um “Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental” (MTSM), que depois de transmutou em “Movimento por uma Sociedade sem Manicômios”. A ideia de acabar com os hospitais psiquiátricos no Brasil foi ganhando força nos anos 80 e 90, na medida em que casos escabrosos de abusos contra doentes mentais eram divulgados, até que finalmente entrou em vigência a chamada Lei Paulo Delgado (Lei 10.216, de 2001). Essa lei “dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental”. Se a lei tivesse “pegado” o Brasil teria feio a sua “revolução psiquiátrica”. Mas não foi isso que aconteceu, infelizmente.
O resultado da Lei Paulo Delgado foi simplesmente o fechamento de quase todos os hospitais psiquiátricos com características de asilo ou manicômio. De fato, alguns deles eram meros depósitos humanos, cenário de horrores indescritíveis, como o Manicômio de Barbacena, o maior do Brasil. Ao invés de reformar ou adaptar esses locais às novas exigências legais, o caminho mais fácil foi o de simplesmente fechá-los. E para onde foram todas essas pessoas portadoras de algum transtorno mental (lembrando que várias correntes do movimento antimanicomial negavam a existência de doenças mentais…)? Elas foram jogadas nas ruas. Assim como todos os novos casos que surgiram desde então e cujas famílias não tem condições de tratá-los.
Por isso a economia semi-falimentar do Brasil não pode ser inteiramente culpada pelo grande número de pessoas que hoje vivem nas ruas dos centros urbanos brasileiros. Uma parte significativa delas são de doentes mentais (que muitas vezes também se tornam dependentes químicos) que precisam de internação. Mas esse recurso não está mais disponível, exceto para um número reduzidíssimo de casos, quando o “louco” representa um perigo óbvio para outras pessoas e seu caso chamou a atenção da imprensa (como o do assassino “Champinha”, por exemplo).
O debate sobre as cracolândias espalhadas pelo Brasil precisa abordar os resultados que esse movimento antipsiquiatria trouxe e rever a questão da utilização de manicômios (de forma humana, obviamente). Certo é que deixar doentes mentais vagando pelas ruas, expostos à criminalidade e ao tráfico de drogas, não é uma solução humanitária.
*Cândido Prunes é advogado, pós graduado em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo e no programa executivo de Darden – Universidade de Viriginia, é autor de “Hayek no Brasil”.
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