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COLUNA DA SYLVIA

Equador dá salto para virar El Salvador

No último domingo, o presidente Daniel Noboa saiu vitorioso em um plebiscito que lhe permitirá avançar com agenda agressiva em segurança pública

Em 22/04/24 17:23
por Coluna da Sylvia

Sylvia Colombo nasceu em São Paulo. Foi editora da Ilustrada, da Folha de S. Paulo, e atuou como correspondente em países como Reino Unido, Colômbia e Argentina. Escreveu colunas para o New York Times em Espanhol, o Washington Post em Espanhol, e integra os podcasts Xadrez Verbal e Podcast Americas. Entrevistou a vários presidentes da regão. Em 2014, participou do programa da Knight Wallace para jornalistas na Universidade de Michigan. É autora do "Ano Da Cólera", pela editora Rocco, sobre as manifestações de 2019 em vários países da regiõa. Vive entre São Paulo e Buenos Aires, enquanto viaja e explora outros países da Latam

O presidente Noboa, em imagem divulgada por ele mesmo

O projeto do salvadorenho Nayib Bukele para a segurança em seu país _usando arbitrariamente o estado de exceção e prendendo 2% da população, sem julgamentos apropriados_ está já fazendo escola na América do Sul.

Se, até hoje, Bukele “apenas” havia transformado-se num símbolo de política pública de segurança que influenciou a campanha de vários candidatos de direita na região, agora já há um país que caminha em direção a ser o primeiro a aplicar políticas muito parecidas, e com amplo respaldo popular, aqui no Sul.

Trata-se de Daniel Noboa, o mais jovem presidente das Américas (tem 36 anos), e que hoje governa, num mandato-tampão, o Equador. Ele foi eleito numa votação emergencial, para terminar os 15 meses que faltavam do mandato de Guillermo Lasso, que vinha se desgastando, justamente, por conta de sua falência em combater rebeliões nas prisões e a intensa atividade de cartéis de narcotráfico, locais e estrangeiros, no país.

No último domingo, os equatorianos saíram a votar num plebiscito, proposto por Noboa, no qual estava em questão apertar ainda mais a pressão no combate à violência. Os equatorianos aprovaram 9 das 11 mudanças constitucionais que constavam da cédula.

As medidas aprovadas incluem: autorização para que militares atuem nas ruas, extradição de equatorianos que cometem delitos relacionados ao narcotráfico, sentenças maiores para crimes de terrorismo e assassinatos, fim das prisões domiciliares e permissão para que militares confisquem armas de civis, ainda que obtidas legalmente.

As duas medidas que foram reprovadas não tinham a ver com a questão da segurança, uma delas definia que seria possível para empregadores fazer contratos por hora, e outra reconheceria a arbitragem internacional em temas do país. 

Feliz, e com 67% de popularidade _uma das mais altas da região_ Noboa celebrou a vitória em declarações e em postagens nas redes sociais. Do mesmo modo como havia condecorado um ato que o mundo todo reprovou: a invasão da embaixada mexicana em Quito para resgatar o ex-vice de Rafael Correa, Jorge Glas, condenado por corrupção. Mesmo com a rejeição da comunidade internacional, Noboa declarou: “Se eu deixasse que ele pedisse asilo ao México, me veriam como um líder fraco, pois se trata de um criminoso sentenciado pela Justiça equatoriana. Como eu não deixei acontecer e o devolvi para a cadeia, estou mais forte”, disse o iludido e temerário Noboa.

Na verdade, tudo o que ele tem feito tem um só objetivo: que possa disputar e vencer com folga a reeleição, na nova votação presidencial, que terá lugar em fevereiro próximo, aí sim para um mandato completo. Jogando apenas para o eleitorado interno, está pouco se importando com o que dizem as organizações de direitos humanos, que veem como abusivas algumas dessas medidas.

A onda de violência no Equador é real. Antes um país considerado pacífico e sem se envolver no narcotráfico, sendo no máximo um território de passagem da droga dos países ao Sul para a Colômbia e, a partir daí, para os EUA ou, por barco, para a Europa, agora o Equador é centro de atuação de várias facções criminosas. A saber: os cartéis mexicanos de Sinaloa e de Jalisco, do Trem de Arágua (da Venezuela), do Clã do Golfo (Colômbia) e vários grupos menores, inclusive um da Albânia, e vários locais.

O aumento da violência no Equador é algo urgente e notório. No ano passado, o número de mortos de modo violento atingiu um recorde de 43 em cada 100 mil habitantes, mais do que países da América Central considerados muito violentos.

O salto nessas cifras se fez ver no mundo inteiro por meio de dois episódios: a invasão de uma TV equatoriana que estava transmitindo notícias ao vivo, e o assassinato do candidato eleitoral Fernando Villavicencio. Além disso, na mesma campanha eleitoral, pelo menos 12 políticos foram mortos, enquanto a violência nas prisões causou 460 vítimas fatais em três anos.

Obviamente, não é fácil lidar com um problema desse tamanho. Mas a solução mais fácil e mais eleitoreira, que são justamente as medidas tomadas por Noboa, não podem ser a única saída, até porque fechar o cerco e aprisionar ou matar mais criminosos são soluções paliativas de efeitos a curto prazo.

O mais indicado seria colocar o foco nas falências sociais do país, que saiu muito golpeado da pandemia, com desemprego e informalidades recorde, fazendo engrossar as filas dos cartéis e facções criminosas.

Tampouco é aceitável que, com a desculpa de lutar contra a violência, se avance tanto sobre o Estado de Direito e se cometam abusos notórios dos direitos humanos.

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