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Equatorianos avançam na eutanásia, mas América Latina segue distanciada

Apenas Equador e Colômbia tem normas aprovadas sobre o tema, o que falta no resto da região?

Em 22/02/24 14:01
por Coluna da Sylvia

Sylvia Colombo nasceu em São Paulo. Foi editora da Ilustrada, da Folha de S. Paulo, e atuou como correspondente em países como Reino Unido, Colômbia e Argentina. Escreveu colunas para o New York Times em Espanhol, o Washington Post em Espanhol, e integra os podcasts Xadrez Verbal e Podcast Americas. Entrevistou a vários presidentes da regão. Em 2014, participou do programa da Knight Wallace para jornalistas na Universidade de Michigan. É autora do "Ano Da Cólera", pela editora Rocco, sobre as manifestações de 2019 em vários países da regiõa. Vive entre São Paulo e Buenos Aires, enquanto viaja e explora outros países da Latam

O debate sobre a eutanásia ainda é muito incipiente na América Latina. Além disso, está travado por questões religiosas, morais e políticas.

Porém, nos últimos tempos, alguns avanços têm ocorrido, e isso é uma boa notícia. A autonomia de uma pessoa para decidir sobre o destino da própria vida deveria ser um direito humano indiscutível. Porém, o debate é muito sensível em várias partes do mundo

Na nossa região, até agora, apenas a Colômbia tinha o procedimento aprovado pela Corte Constitucional, porém, sem uma lei específica que a regule.

Na semana passada, o Equador deu um passo nessa direção. A Corte Constitucional daquele país decidiu, após longa batalha judicial, despenalizar a eutanásia, por sete pontos a favor e dois contra.

A decisão permite que médicos equatorianos realizem o procedimento sem ter de enfrentar processos na Justiça, assim como garante o direito à objeção de consciência aos profissionais que são contra a realização da eutanásia.

O veredicto ocorreu depois da luta na Justiça de Paola Roldán Espinosa, de 42 anos, portadora, há mais de três anos, de esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença degenerativa que destrói as células nervosas responsáveis pelos movimentos involuntários.

Há mais de 2 anos, Roldán Espinosa não consegue mover-se. Segundo os médicos, a doença estava perto de impedir que ela respirasse.

Um time de três advogados foi reunido e trabalhou no caso até que se chegou a um veredicto. Agora, a aplicação no caso da paciente pode ser imediata, embora tenha sido dado um prazo de seis meses para que o Congresso “prepare um projeto de lei que regule os procedimentos eutanásicos, conforme o estabelecido na decisão”.

A Corte exigiu, porém, que casos de solicitação de morte digna sejam seguidos por dois parâmetros: que a pessoa dê seu consentimento inequívoco, livre e informado, e em caso de não poder fazer isso, que seja através de seu representante, além de uma decisão médica que avalie se trata-se de um “sofrimento intenso, proveniente de uma lesão corporal grave e irreversível ou de uma doença incurável”.

A eutanásia é um procedimento aceito em poucos lugares, além de Colômbia e Equador, também Bélgica, Luxemburgo, Países Baixos, Canadá, Espanha, Portugal, Nova Zelândia e cinco Estados da Austrália.

O caso da Colômbia foi um pouco mais complicado. Mas ocorreu porque Martha Sepúlveda, de 52, também com ELA (esclerose lateral amiotrófica) obteve uma permissão da Corte Constitucional para realizar o procedimento, apesar de isso não constar da Carta colombiana.

O caso é que, logo depois de obter o consentimento, Sepúlveda deu algumas entrevistas, uma delas para uma grande emissora colombiana. O caso repercutiu, porque ela estava, aparentemente, em perfeito estado de saúde, pois atravessava o primeiro período da doença.

Partidos conservadores, médicos, ativistas anti-eutanásia se manifestaram, e a Corte Constitucional recuou da decisão.

Custou ainda mais uma ronda de batalha jurídica para Sepúlveda e seu filho, até que ela pudesse, de fato, realizar o procedimento. A Corte acabou mantendo sua posição inicial e Sepúlveda deu adeus à vida como quis, sem viver a deterioração do próprio corpo e de sua mente.

De lá para cá, em um país onde mais de 70% da população aprova o direito à interrupção da vida, de acordo com pesquisa do instituto Invamer, mais de 200 colombianos já tiveram acesso à prática.

Nos demais países da América Latina, a prática é ilegal, mas há sinais de mudança. No México, há um projeto em análise no Congresso. No Chile, onde 72% da população aprova o recurso, a história de Cecilia Heyder, 52, que tem câncer, lúpus e sepse, chegou à Corte Suprema, e o caso comoveu deputados. Agora, a eutanásia no país depende do Senado —na Argentina também há uma proposta em andamento.

Para o médico Carlos Javier Regazzoni, ex-diretor do PAMI (o sistema de saúde público para idosos na Argentina), “a eutanásia é uma aberração, já que os profissionais estudam e fazem um juramento para ajudar os outros, não para aplicar a morte”. “Assim, abre-se a porta para algo terrível, que é a eliminação de pessoas com doenças mentais, idosos.

No Peru, onde a Igreja Católica tem forte influência sobre o Estado, um juiz determinou, há três anos, de modo inédito, que a eutanásia fosse concedida a Ana Estrada, 44, que tinha polimiosite, doença sem cura que causa debilidade muscular progressiva. De todo modo, todo tipo de trava foi imposto ao longo do processo, o que só alonga o sofrimento das pessoas afetadas.

No Uruguai, há uma lei que despenaliza o suicídio assistido. Assim, quem ajuda uma pessoa a morrer por compaixão, em tese, não pode ser considerado criminoso. Mas a decisão depende da análise de cada juiz.

No Brasil, o tema da eutanásia está muito distante de ser sequer discutido, em tempos de retrocesso em normas morais. Aí, a prática é considerada crime de homicídio, com previsão de pena reduzida. O parágrafo 1º afirma que o agente que comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral —o que pode ser interpretado como visando cessar o sofrimento de determinado paciente, cujo estado de saúde é irreversível— poderá ter a pena reduzida de um sexto a um terço.

Tudo muito enroscado, como se um ator estivesse jogando o problema no colo de outro, sem data prevista para uma conclusão final. Enquanto isso, pacientes terminais com alto grau de sofrimento, agonizam devagar em camas hospitalares e sequer podem respirar sem a ajuda de aparelhos.

Já é passado o momento de colocar sobre a mesa as cartas neste debate. A eutanásia deveria estar permitida em todas as partes, indiscriminadamente, ou deveria decidir-se caso a caso? De todo modo, faltam orientações mais precisas sobre um protocolo para aplicar a decisão, respeitando o desejo da sociedade e do paciente que está sofrendo. Já é mais que necessário poder discutir sobre isso, no Brasil, na América Latina e no mundo.

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