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Haverá um apagão informativo na América Central?

Confira a coluna da Sylvia desta semana

Em 14/06/23 14:17
por Coluna da Sylvia

Sylvia Colombo nasceu em São Paulo. Foi editora da Ilustrada, da Folha de S. Paulo, e atuou como correspondente em países como Reino Unido, Colômbia e Argentina. Escreveu colunas para o New York Times em Espanhol, o Washington Post em Espanhol, e integra os podcasts Xadrez Verbal e Podcast Americas. Entrevistou a vários presidentes da regão. Em 2014, participou do programa da Knight Wallace para jornalistas na Universidade de Michigan. É autora do "Ano Da Cólera", pela editora Rocco, sobre as manifestações de 2019 em vários países da regiõa. Vive entre São Paulo e Buenos Aires, enquanto viaja e explora outros países da Latam

Foto: moritz320/pixabay

Num passado não muito distante, à exceção de Cuba, era inimaginável que outros países da América Latina vivessem tamanha perseguição a seus meios de comunicação independentes.
Essa situação, porém, vem escalando na América Central e na Venezuela. Nos últimos meses, vários governos, alguns ainda democráticos, outros ditaduras em formação ou já instalados como tal, avançaram contra as instituições e contra a liberdade de imprensa.

Nos próximos dias, a Justiça da Guatemala emitirá uma sentença contra José Rubén Zamora, que já está preso há quase um ano. Aos 66, Zamora, fundador do mais tradicional jornal guatemalteco, “El Periódico”, que circulava desde 1996 e fechou no mês passado, pode pegar até 40 anos de cadeia.
A acusação é por fraude e por não entregar contas claras à receita local. Sua defesa nega, e reafirma que o processo é político.

“Alejandro Giammattei [presidente da Guatemala] parece usar um manual do ditador latino-americano moderno. Em vez de perseguir diretamente jornalistas e meios de comunicação por algo que publicaram, avançam sobre eles de modo gradual e pelo caminho das finanças, afogando, aos poucos, essas empresas pelo lado econômico”, disse José Zamora, filho de Rubén, ao MyNews, desde Miami, onde foi viver com a família por conta de ameaças.

Já em El Salvador, o governo autoritário de Nayib Bukele avança rapidamente contra todas as instituições do Estado. Já tem maioria no Congresso em eleição polêmica, e ainda assim quer reduzi-lo, nomeou ele mesmo uma nova Suprema Corte, mudou a Constituição para poder se reeleger e, como não podia ser diferente, avançou contra os meios de comunicação independentes. O alvo principal, no caso, é o El Faro, jornal digital essencial para a cobertura não apenas do que ocorre em seu país, mas também em outros em que sequer há imprensa livre, como Honduras.

A perseguição ao El Faro também seguiu as medidas do tal “manual”, mencionado por José Zamora. Investigação de suas finanças, várias operações de busca, acusação de não cumprir com as regras tributárias. O El Faro tem prêmios internacionais por cobrir os dramas da região hoje, e era o único jornal local a mostrar assuntos que Bukele não gostaria que fossem públicos. Entre eles, suas negociações com as “maras”, contra quem, depois, lançaria uma guerra. Sem poder continuar resistindo a pressões, no início de abril, o El Faro mudou sua sede para a Costa Rica, que aos poucos vem sendo o principal abrigo para jornalistas e opositores de governos autoritários da região.

Em conversa com o MyNews, o jornalista Carlos Dada, um de seus fundadores, disse que o país vem vivendo o desmonte da democracia, o fim dos pesos e contrapesos na cúpula do poder e a destruição de mecanismos de transparência. O jornal e sua equipe também foram espionados usando o sistema Pegasus e exposto de modo negativo na TV estatal.

“Nós não vamos mudar em nada nossa cobertura de El Salvador, mas faremos de modo diferente, com alguns jornalistas lá, mas a sede do jornal num país que pode nos garantir certa estabilidade”, adiciona Dada.
Também na Costa Rica opera o jornal nicaraguense El Confidencial, um pioneiro nesta saída de críticos de Daniel Ortega nessa nova onda de exílio. Seu editor, Carlos Fernando Chamorro, conta que, nos últimos tempos, tem reforçado a proteção de suas fontes na Nicarágua, onde qualquer um que lhe passar informação corre o risco de ser preso. “Já não identificamos quem nos passa a informação, tampouco damos nomes de quem colabora conosco estando na Nicarágua, só assim podemos circular com certa segurança”, disse ao MyNews.

Por fim, fora da América Central, mas com desafios parecidos, está a Venezuela, que há mais de 480 dias vem sofrendo um bloqueio de internet, sob ordens do ditador Nicolás Maduro. O Efecto Cocuyo, principal diário independente, lançou uma campanha em que venderá 480 NFTs (token não fungível) colecionáveis por US$ 190, numa campanha para ajudar o jornal a se financiar neste importante ano pré-eleitoral. Em outubro, a Venezuela terá eleições primárias para escolher o candidato da oposição e, no ano que vem, as presidenciais.

“Essa campanha é mais importante agora em vésperas desses acontecimentos políticos, porque há muito em jogo nessa eleição e vamos precisar atuar para combater a desinformação e as mentiras da ditadura”, diz uma das fundadoras do Efecto Cocuyo, Luz Mely Reyes, ao MyNews. Luz Mely também está fora da Venezuela.

Para responder à pergunta sobre se haverá ou não um apagão informativo na região, a resposta imediata é “não”, muito por conta desses valentes colegas que resistem de modo corajoso e criativo, ainda que correndo vários riscos.
Mas isso não significa que esse quadro não possa mudar nos próximos meses. Já há sinais de que o presidente da Costa Rica, Rodrigo Chaves, deseja colocar limites a essa atuação da imprensa estrangeira em seu país.

No caso de isso se agravar, o risco de apagão informativo será maior. E as consequências para a América Central serão terríveis. Trata-se de uma região cheia de problemas sociais, imigração ilegal, facções criminosas, que não ficarão contidas apenas à América Central se não houver medidas dos Estados e a vigilância das mesmas por parte dos meios de comunicação.

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