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Surge um velho conhecido da Argentina, os saques a supermercados

As ondas de saque foram convocadas pela internet, em grupos de WhatsApp, algumas imagens iniciais usadas para provocar os grupos eram falsas, o que levou o governo a afirmar que sequer estavam ocorrendo.

Em 23/08/23 15:32
por Coluna da Sylvia

Sylvia Colombo nasceu em São Paulo. Foi editora da Ilustrada, da Folha de S. Paulo, e atuou como correspondente em países como Reino Unido, Colômbia e Argentina. Escreveu colunas para o New York Times em Espanhol, o Washington Post em Espanhol, e integra os podcasts Xadrez Verbal e Podcast Americas. Entrevistou a vários presidentes da regão. Em 2014, participou do programa da Knight Wallace para jornalistas na Universidade de Michigan. É autora do "Ano Da Cólera", pela editora Rocco, sobre as manifestações de 2019 em vários países da regiõa. Vive entre São Paulo e Buenos Aires, enquanto viaja e explora outros países da Latam

reprodução internet

Quem não se lembra da hiperinflação brasileira nos anos 1980? Ou da Argentina, na mesma década? Em ambas assistimos o que está ocorrendo exatamente agora, nas ruas de Buenos Aires e em cidades do interior: invasões e saques a supermercados.

Na Argentina, isso é mais comum, não depende apenas do aparecimento da temida “hiper” (como é chamada), ocorre regionalmente quando governadores tomam medidas de ajuste, nacionalmente, quando há terremotos que afastam os argentinos do dinheiro, como com o “corralito”, e a crise de 2001.

Curiosamente, o peronismo, se de longe não tem as soluções econômicas para o país, no dia-a-dia consegue frear essas manifestações. Afinal, é a única das forças políticas que têm estrutura de contenção aos mais pobres, realiza distribuição de assistência social, possui estruturas de contato direto nas favelas, que por meio de distribuição de benefícios, conseguem interromper o fluxo de raiva. Durante a pandemia, chegou-se a imprimir dinheiro para distribuir aos mais humildes para que pudessem comer e que se contivessem as manifestações.

O caso é que hoje a Argentina tem um presidente praticamente simbólico, que é visto viajando para posses de outros mandatários, visitas protocolares e nada mais. Parece estar contando as horas até o dia 10 de dezembro, quando por fim abandonará o Sillón de Rivadavia (cadeira onde se senta o presidente em exercício).

Desde a vitória de Javier Milei nas primárias do último dia 13, os saques a supermercados vêm se multiplicando. O fenômeno está relacionado à desvalorização de mais de 30% do peso. Se a conversão ficou favorável aos que chegam à Argentina com dólares ou alguma moeda estrangeira, para os argentinos mais humildes o efeito pode ser passar de ter uma vida pobre a uma miserável. De poder sobreviver de uma “changa” (um trabalho informal) a ver-se diante da perspectiva de tomar empréstimos ou mesmo roubar.

Nos últimos dias, têm se registrado saques em várias localidades: Loma Hermosa, Don Torcuato, Derqui, José León Suarez, Moreno, Grand Bourg. Fora de Buenos Aires, vem ocorrendo principalmente na pujante Mendoza, na turística Neuquén e em Córdoba, segunda mais importante do país. Em todas essas localidades, o comércio de rua fechou mais cedo, temendo o que se anunciava nas redes sociais.

Os políticos reagiram de distintas maneiras, do lado de Milei, apontaram para razões políticas, sugerindo que eram militantes kirchneristas buscando desmoralizar sua vitória nas primárias.
Sua vice, Victoria Villarroel, foi enfática: “Os saques orquestrados em Mendoza, Neuquén e Río Cuarto mostram uma coordenação e uma diretiva concreta para delinquir. Quero deixar claro que, com Milei, não vamos tolerar o delito, seremos inflexíveis”.

Já a segunda colocada no pleito, Patrícia Bullrich afirmou que “as tentativas de saques são o resultado do país em retalhos que nos estão deixando. Nada justifica esses ataques à propriedade privada nem a inação do governo. Necessitamos ordem já”.

As ondas de saque foram convocadas pela internet, em grupos de WhatsApp, algumas imagens iniciais usadas para provocar os grupos eram falsas, o que levou o governo a afirmar que sequer estavam ocorrendo. A história depois foi bem outra. A viralização dessas imagens antigas levou a levantes reais, registrados pelas próprias autoridades locais. Há 56 detidos e um policial ferido. Bullrich pediu a convocação de um estado de emergência.

Muitos analistas e eleitores estão preocupados com o tipo de negociações e de comportamentos dos candidatos daqui até 22 de outubro, quando se celebram as eleições presidenciais.
Porém, essas ondas de saques nos revelam que o problema já é urgente agora e muitos não parecem ter paciência para chegar a saber quem pode administrar essa crise.

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