O que se pode esperar dessa Comissão, analisadas a sua composição e repercussão, mas também a sua função precípua?
por Debora Gershon em 31/05/21 13:00
A CPI da Covid acaba de completar um mês de trabalho. Desde sua instalação, previam-se momentos difíceis para o governo, não apenas porque ela trata de assunto extremamente sensível aos brasileiros, tendo em vista as mais de 450 mil vidas perdidas na pandemia, mas também porque ela o faz diante de uma crise econômica persistente, de queda na popularidade de Bolsonaro e da diminuição do apoio do Senado ao governo. Este cenário, inclusive, contribuiu para a própria instalação da Comissão, ainda que via Supremo Tribunal Federal, a despeito da tentativa de postergação feita pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM) – eleito com o apoio do presidente Bolsonaro. Não fosse a ocorrência concomitante desses fatores, somada à falta de habilidade do governo em articular sua base parlamentar mesmo quando a casa legislativa é presidida por um aliado, é bem provável que a CPI da Pandemia não tivesse sido instalada. Na Câmara, por exemplo, não houve espaço semelhante.
E o que se pode esperar dessa Comissão, analisadas a sua composição e repercussão, mas também a sua função precípua?
O governo é minoritário na CPI. Há parlamentares declaradamente oposicionistas, governistas e independentes na comissão. Entretanto, quando analisado o apoio ao governo em votações nominais do plenário dos 11 titulares, nota-se que o cenário para o Planalto é realmente desfavorável. Em uma escala de -10 a +10 (-10, correspondendo a uma posição relativa de menor apoio ao governo e +10 a uma posição mais governista), 10 dos 11 senadores da CPI têm pontuação inferior a 2,6 pontos − que marca a atuação de um dos membros titulares, Jorginho Melo (PL). O senador Ciro Nogueira (PP) foi quem mais se aproximou do governo de 2019 para cá (7,5) e os senadores Randolfe Rodrigues (Rede) e Humberto Costa (PT) os que fizeram oposição à agenda governamental em maior número de votações (-10 e -8,7 pontos, respectivamente). Os dados são do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), IESP/UERJ. Ou seja, os titulares da Comissão têm pouca aderência às propostas do Planalto comparativamente a outros parlamentares, mesmo em contexto de mais baixa taxa de governismo no Senado, comparativamente a períodos anteriores e também à Câmara dos Deputados. Isso significa que a CPI tem potencial para aprovar um relatório bastante crítico ao governo, encaminhar proposições legislativas relevantes, decorrentes das investigações, e pressionar o Planalto a negociar a tramitação de sua agenda, até que o presidente Bolsonaro volte a ter, eventualmente, uma posição mais favorável de negociação. A avaliação pelo Senado da próxima indicação do governo ao STF, inclusive, pode vir a ser um momento de maior constrangimento às preferências do governo. Mesmo antes de concluídos os trabalhos, a CPI já tem produzido mudanças positivas no que diz respeito ao enfrentamento à pandemia, impondo ao governo uma atuação relativamente mais transparente e responsável.
Uma CPI também gera efeitos políticos relevantes fora do Congresso, particularmente em termos de popularidade presidencial e satisfação com o governo. Isso é ainda mais verdadeiro se o objeto de investigação tem apelo midiático e social. A CPI da Pandemia invadiu a casa dos brasileiros de forma surpreendente. Espera-se que Bolsonaro sofra desgaste ainda maior perante a opinião pública e o próprio parlamento, que costuma ser atento ao humor da população especialmente em períodos pré-eleitorais. Esse quadro pode se agravar se os trabalhos da CPI se estenderem por período superior a 90 dias, se não houver indícios de recuperação econômica consistente no curto prazo e se o programa social a ser criado pelo governo não for robusto o suficiente para alavancar a avaliação positiva do seu desempenho.
Não há, contudo, abertura de processo de impeachment no horizonte. A probabilidade de um desfecho como esse, excepcional na história das CPIs (como deve ser), é hoje praticamente nula. É possível haver sugestão de indiciamento de autoridades públicas, mas também nesse caso é prudente não dar por certo o apetite imediato dos órgãos judiciários para prosseguir com as investigações, sendo esta uma tarefa que já não caberá à CPI. As CPIs não têm função punitiva. Esperar delas um resultado não condizente com a sua competência frustra expectativas, mas, fundamentalmente, fortalece uma narrativa de disfuncionalidade do sistema político, prejudicial ao próprio funcionamento do sistema democrático de representação. As CPIs são instrumentos valiosos das minorias na organização de suas pautas políticas e legislativas prioritárias. Sua instalação em si indica uma reorganização das forças políticas no Congresso. É provável, no entanto, que os efeitos da CPI da Pandemia extrapolem esse feito e cheguem a 2022.
Debora Gershon é doutora (IESP/UERJ) e mestre em Ciência Política (IUPERJ), com pós-doutorado pela University of California, San Diego (UCSD). É pesquisadora do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB).
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