A proteção a Pazuello traz algumas marcas das atuações (ou falta de) por parte do Exército nos anos recentes: incentivo à insubordinação, corporativismo e atuação política
por Lucas P. Rezende em 12/06/21 22:40
A recente decisão do Exército Brasileiro de não punir o general Eduardo Pazuello por participar de ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro, no Rio de Janeiro, é mais um desserviço que a instituição presta à democracia brasileira. Não que a decisão surpreenda, em especial em uma força tão politizada quanto o Exército Brasileiro.
A proteção a Pazuello traz algumas marcas das atuações (ou falta de) por parte do Exército nos anos recentes: incentivo à insubordinação, corporativismo e atuação política. Ao menos desde a criação da Comissão Nacional da Verdade, em 2011, temos visto um aumento nocivo da atuação política de nossos militares, e os resultados disso são sentidos cotidianamente no cenário político brasileiro.
Ainda que grave, a absolvição de Pazuello não é nada diferente de outros casos notórios de acobertamento de ações políticas por militares da ativa. Em 2018, o então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, fez públicas ameaças ao Supremo Tribunal Federal via Twitter, em texto coordenado pelo Alto-Comando do Exército, e nada aconteceu. Se Villas Bôas tivesse sido punido por sua manifestação política, talvez não tivéssemos tanto estímulo à participação política de militares como temos agora. Mas, ao invés disso, o general foi alçado ao posto de herói dentro do Exército.
Em 2015, o então general da ativa Hamilton Mourão foi afastado da chefia do Comando Militar do Sul após criticar a presidente Dilma Rousseff. Não satisfeito, reincidente, voltou a criticar o governo do presidente Michel Temer, em 2017, sendo novamente afastado do cargo de secretário de Economia e Finanças do Comando do Exército. Um ano depois, foi eleito vice-presidente da República, tendo usado as punições brandas como palanque político.
A mensagem às tropas é clara: a insubordinação e a atuação política valem a pena no Brasil – desde que respeitando as ideologias e o ethos corporativo das Forças. O mesmo não se viu, por exemplo, no caso do sargento Michel Santos, da Marinha Brasileira, alvo de três sindicâncias pela Escola Naval após criticar Bolsonaro. Santos é filiado ao PSB, homossexual e disputou cargo de vereador em 2020.
A ideologia antidemocrática das Forças Armadas – em especial do Exército Brasileiro – é institucionalizada. Jamais houve qualquer pedido de desculpas pelos 21 anos ditadura, muito pelo contrário. Sob a gestão Bolsonaro, tivemos não apenas celebrações nos quartéis nos aniversários do golpe, mas também dos próprios ministros da Defesa.
O caso Pazuello nos mostra que a impunidade, sendo regra, é estímulo ao palco político. E, mais do que isso, que as vozes democratas dentro das Forças Armadas seguem sendo punidas e caladas às custas do apoio generalizado da caserna ao governo que ajudaram a criar e a sustentar.
Sem o devido controle civil – algo que os militares brasileiros jamais experimentaram ou entenderam –, as Forças Armadas seguirão corporativistas e retroalimentando o “Partido Militar”, ou seja, seguirão à margem da lei e da Constituição Federal. Sem Forças Armadas guiadas pelo patriotismo constitucional, cientes que lhes foi dado o privilégio de serem cidadãos em armas para a defesa dos valores expressos na Constituição, jamais seremos capazes de experimentar uma democracia plena no Brasil.
Lucas P. Rezende é cientista político, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e estudioso das Forças Armadas.
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