Enquanto legislação brasileira avança a passos lentos, mercado legal da cannabis cresce no mundo e Brasil perde oportunidades
por Juliana Causin em 21/06/21 19:24
Com avanços legislativos acontecendo em diversos países do mundo, o mercado legal da cannabis deve movimentar US$ 97,35 bilhões até 2026. A projeção faz parte de um relatório global da consultoria Fortune Business Insights divulgado neste mês.
Segundo o documento, a América do Norte deve liderar a participação no mercado global da cannabis, tendo em vista a legalização do uso e cultivo da planta em parte dos Estados Unidos e no Canadá, enquanto a América do Sul deve aumentar sua participação no comércio mundial. O destaque, no continente sul-americano, fica com a Colômbia, país que desde 2016 tem uma legislação que permite o cultivo, o processamento e a exportação da planta, além do uso doméstico para fins medicinais.
No Brasil, especialistas que acompanham o mercado, comemoraram o avanço na Câmara dos Deputados do PL 399/15, que autoriza o plantio da maconha. O projeto, aprovado em comissão especial no dia 8 de junho, regulariza o cultivo para fins medicinais, científicos e indústrias e autoriza a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da cannabis.
“Esse PL precisa ser entendido como um Marco Regulatório. Ele traz algumas possibilidades para o Brasil entrar efetivamente no mercado [legal da cannabis]. Um mercado que vem sendo apontado como muito promissor não só no Brasil, mas em diversos países do mundo”, avalia Leonardo Sobral Navarro, advogado membro da Comissão de Direito Médico da OAB-SP.
Navarro, no entanto, lembra que o projeto ainda tem pela frente diversas desafios até se constituir, de fato, como um marco para o uso legal da planta. Como tem caráter terminativo, após a aprovação na comissão, ele pode seguir direto para o Senado e depois para sanção do presidente Jair Bolsonaro – que já sinalizou que deve vetá-lo.
“O que eu vejo de problema, o que eu vejo que precisa ser encarado, é que mesmo se aprovado em última instância e tivermos a publicação dele como ele está hoje, nós teremos normas que vão precisar ser regulamentadas”, pondera Navarro, em entrevista do Dinheiro Na Conta.
Cannabis Medicinal
A aprovação do projeto, além de alavancar o potencial econômico da erva, também ajudaria a destravar os obstáculos que enfrentam hoje os pacientes brasileiros que fazem uso medicinal da planta. No mundo, mais de 50 países já lançaram programas próprios para o uso medicinal do canabidiol (CBD), que tem suas propriedades médicas reconhecidas pela OMS.
Desde 2019, a Anvisa, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, permite o registro e a venda de medicamentos à base de cannabis em farmácias e drogarias. O plantio da erva em território nacional, no entanto, continua vetado, o que encarece os custos dos medicamentos para pacientes. Segundo a Agência, ao menos 13 milhões de pacientes foram beneficiados com a regulamentação para venda.
“Estudos científicos já mostraram que a cannabis medicinal tem eficácia em tratamento para epilepsia refratária; em autismo; em doenças mentais como ansiedade e depressão; em doenças do aparelho feminino como endometriose; nas dores crônicas das mais diversas origens; nas doenças do trato intestinal; e nas doenças oncológicas”, explica a médica Maria Teresa Jacob, especializada no desenvolvimento da medicina canabinóide com foco na dor crônica.
Uso industrial
Além do uso medicinal, os negócios legais da cannabis tem avançado cada vez mais nas propriedades industriais da planta, em especial do cânhamo – que pode ser usado, entre outras coisas, para fabricação de tecidos e materiais biodegradáveis.
Marcelo De Vita Grecco, co-fundador e CMO da The Green Hub explica que o cânhamo tem mais de 25 mil aplicações – das sementes que podem ser usadas como alimento, passando a fibra que é utilizada para fabricação de tecidos, até a possibilidade de fabricação de bioplástico.
“Hoje você já tem a Levy’s, por exemplo, fazendo jeans com uma porcentagem de cânhamo. Ela é uma planta muito sustentável e que usa muito menos água do que tecidos à base de algodão, além de ser uma planta resistente. Há 100 anos você tinha as fibras, as cordas e até as velas de caravelas sendo fabricadas com cânhamo”, diz Grecco, em entrevista ao Dinheiro na Conta.
Ele explica ainda que, mesmo sem ter efeitos psicoativos, o cânhamo acabou proibido pelas semelhanças que carrega com a maconha. “Você tem aí uma planta que não precisaria de tanta burocracia para ser usada. É uma fibra. Ela não tem efeito psicoativo. Mas ela acaba sendo proibida muito porque ela parece com a maconha”, afirma ele.
Mais negócios, mais geração de emprego
Com os 13 milhões de pacientes que se beneficiam da cannabis medicinal no Brasil e com o potencial uso na indústria, Camila Teixeira, CEO da Indeov, destaca que o país perde oportunidades econômicas com a falta de regulamentação de um uso legal da cannabis – de atração de investimento à geração de empregos.
“Além de pensarmos na produção dessa commodity pelo Brasil, é possível citar a comercialização de todos os subprodutos do cânhamo, a exportação de tecnologia, a geração de empregos, a arrecadação de impostos e a formação de empresas auxiliares que não lidam diretamente com a planta, mas dão suporte no desenvolvimento do mercado”, afirma. “A gente tem um potencial único de finalmente se posicionar internacionalmente. Uma oportunidade que a gente vem perdendo nos últimos anos”, lembra ela.
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