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Economia

AUXÍLIO EMERGENCIAL

Nelson Barbosa: “Governo apresentou uma fantasia de PEC para atravessar o carnaval”

Ex-ministro da Fazenda critica demora do governo em prorrogar auxílio e avalia risco de captura do BC pelo mercado financeiro

por Juliana Causin em 13/02/21 13:37

O governo federal errou ao não prorrogar a partir de janeiro o auxílio emergencial e agora apresenta uma “fantasia de PEC para passar o carnaval”. Essa é a avaliação do economista Nelson Barbosa, professor da FGV e UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento. Em entrevista ao Dinheiro Na Conta, ele avaliou o acordo entre Guedes e Congresso para retomar o pagamento do auxílio em março, em troca da aprovação de uma PEC de ajuste fiscal, e traçou uma perspectiva para a economia brasileira no primeiro trimestre de 2021.

Nelson Barbosa concede entrevista ao MyNews

Nelson Barbosa dá entrevista ao MyNews
Nelson Barbosa: “Governo apresentou uma fantasia de PEC para atravessar o carnaval”. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em relação ao projeto de autonomia do Banco Central aprovado nesta semana pela Câmara, Barbosa criticou o risco de ingerência do setor privado e disse que “existe, sim, o risco de uma captura do mercado financeiro”. 

O ministro analisou ainda as prioridades de Bolsonaro para o Congresso em 2021: “Quem apresenta uma lista de 35 coisas não tem prioridade”. Segundo ele, há urgência não só no auxílio emergencial, mas também na aprovação de uma reforma tributária.

“Se for para mexer em algum imposto, é melhor concentrar o capital político que o governo tem fazendo a reforma do PIS/Cofins, de um lado, e a reforma do imposto de renda, do outro. Não dá para perder tempo e capital político discutindo um imposto temporário como a CPMF”, avalia. Nelson Barbosa comentou ainda sobre a aprovação do PL Cambial, que permitiria conta em dólares no país, e o pedido de impeachment contra Bolsonaro assinado por ele e um grupo de economistas: 

Qual sua avaliação sobre a solução encontrada pelo ministro Paulo Guedes para a retomada do auxílio emergencial, com a contrapartida de uma PEC para ajuste fiscal?

Acho que essa saída reflete o erro do governo de não ter prorrogado esse auxílio já a partir de janeiro. Vamos lembrar que em dezembro do ano passado o governo falou que não ia prorrogar. E agora está correndo para isso. O que aconteceu foi que nós perdemos dois meses. Perdemos janeiro e fevereiro sem o auxílio. Se o auxílio é necessário em março, ele também era necessário em janeiro e fevereiro. O governo acabou atrasando uma medida necessária. Provavelmente esse pagamento agora vai ser insuficiente. As análises que eu e outros economistas fazemos é que deveria ser um pagamento de R$300 a R$600. Mas por enquanto está no ar. É um compromisso que “vamos votar isso depois do carnaval”. O governo apresentou uma fantasia de PEC para atravessar o carnaval. Vamos ver como essa PEC vai se materializar depois da quarta-feira de cinzas. 

Qual é o impacto para economia desse primeiro trimestre de 2021, com a conjunção do desemprego alto e sem nenhum programa de proteção social?

Todas as consultorias e quem acompanha economia brasileira estão prevendo que o primeiro trimestre deste ano a gente vai ter uma estagnação ou talvez até uma pequena queda em relação ao final do ano passado. Parte disso é efeito, sim, do fim do auxílio emergencial, provando que a economia brasileira não estava de fato se recuperando tão rápido como se esperava. Teoricamente, se o governo atuar rápido, ele pode reverter isso e a economia voltar a se recuperar no segundo semestre. Mas tudo indica que nesse primeiro trimestre, infelizmente, nós vamos ter estagnação talvez até uma pequena queda no nível de atividade com o desemprego continuando elevado. 

Sobre autonomia do Banco Central, aprovada na Câmara dos Deputados. Em entrevista ao MyNews, o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles repudiou argumentos de que poderia haver no BC uma interferência do setor privado no BC. Isso pode acontecer?

Eu discordo do Meirelles. Obviamente alguém que veio do mercado financeiro nunca vai dizer que isso vai ser problema. Há uma literatura internacional que mostra que existe, sim, o risco de o que a gente chama de captura do mercado financeiro influenciar o Banco Central. Há vários estudos sobre isso. Não é um problema novo. Sempre existiu. Mas existem maneiras de diminuir isso. Por exemplo, selecionando profissionais para o BC mais seniores, mais em final de carreira e também colocando uma quarentena maior para quando a pessoa sair do Banco Central.

Infelizmente o governo decidiu não enfrentar esse problema. Era uma oportunidade de enfrentar esse problema, mas no PL de autonomia do BC se deixou isso da mesma maneira. Isso pode causar, sim, uma grande interferência do mercado financeiro no Banco Central. E aí a gente tem uma assimetria. A gente está vendo um debate hoje de que o presidente e o Congresso não devam falar muito sobre juros. É melhor que seja assim. Mas em contrapartida o Banco Central fala em política fiscal o tempo todo. Então é uma via de mão dupla. Se é para ter blindagem é para ter blindagem dos dois lados.

Como ter essa blindagem no Banco Central? 

Você tem que ter uma quarentena maior para os dirigentes do Banco Central. E seria bom que os dirigentes evitassem emitir juízo de valor sobre a política fiscal. O Banco Central tem, sim, que adaptar a política monetária e a evolução da economia, mas  isso é diferente do presidente do BC dizer para o Congresso o que ele deve ou não fazer. Se é um agente independente, não deve opinar sobre a política fiscal.

Qual sua avaliação sobre a cláusula do projeto de autonomia do BC  que trata sobre um dos objetivos da instituição ser também a geração de empregos?

Eu acho que faz sentido, mas acho também que isso pode gerar problemas. Porque o projeto de lei estabeleceu uma ordem: primeiro você olha para a inflação, depois para a geração de emprego e para estabilidade financeira. Ao colocar uma ordem na lei você está convidando para uma judicialização da política monetária brasileira. Pode acontecer no futuro de algum membro do poder judiciário ou de um órgão de controle achar que o BC não deu a importância necessária na ordem determinada pela lei  e tentar questionar o Banco Central em alguma Corte.

Era melhor ter colocado todos os objetivos com o mesmo grau de importância e deixar que o regulamento decidisse qual seria a precedência, como é hoje. Hoje o que diz que a inflação é o mais importante é um decreto do presidente. Não é assunto de lei. Ao colocar na lei você está convidando a uma confusão jurídica dentro do Comitê de Política Monetária no futuro.

Ainda sobre o Banco Central, alguns economistas têm falado em um dilema do BC, com a atividade econômica muito fraca, por um lado, juros baixos mas a inflação pressionando. Esse dilema existe?

Existe porque a inflação está se acelerando ligeiramente e a economia ainda está bem desaquecida. Se o Banco Central olhar para o nível de atividade, não deveria subir os juros. Olhando para a expectativa de inflação talvez ele tenha que subir os juros — se não em março, logo na sequência, na reunião seguinte. Isso é resolvido com o sistema de meta de inflação. A meta é a inflação. O BC deve olhar para a inflação e normalmente ele se pauta na inflação futura. O que está acontecendo agora no Brasil é que a inflação para trás, dos últimos 12 meses, está alta, em cerca de 4,5%.

Quando você olha para os próximos 12 meses, que é o que importa para o BC, ela ainda está dentro da meta estabelecida pelo governo. Com base na inflação esperada não há razão para subir juros imediatamente. Se a inflação esperada subir mais, talvez o BC possa subir juros. E aí talvez ele possa dosar essa subida de acordo com o nível de atividade da economia. Como a economia não está tão bem, se ele for subir os juros, ele pode subir lentamente.

Junto com a aprovação do projeto de autonomia do Banco Central, veio também o Projeto de Lei para alterar a legislação cambial. Essas mudanças são bem-vindas?

Como tudo na economia se forem bem administradas, não vejo problema. A modernização da regularização cambial vai reduzir custos. Só para dar um exemplo: na legislação atual, uma pessoa que tem uma receita no exterior e precisa fazer um pagamento no exterior precisa fazer dois câmbios — internalizar o dólar e depois vender o dólar para mandar para fora. Se tiver conta em dólar no Brasil ela não vai precisar fazer essas duas transações. É um avanço.

Mas você deixar qualquer agente abrir conta em dólar no país pode ampliar o espaço para especulação, a favor ou contra o real. Isso pode ampliar a volatilidade cambial. A lei é bem vaga, traz que um regulamento do BC vai dizer quem pode, em que condições. Por enquanto está muito vago, seria melhor que a lei fosse um pouco mais clara sobre quais serão essas condições para abertura de conta em dólar no Brasil.

O presidente Jair Bolsonaro entregou há duas semanas uma lista de 35 prioridades para o Congresso, a maior parte delas relacionadas à economia. Quais deveriam ser as prioridades nesse momento?

A principal prioridade não foi entregue na lista, que é o governo admitir que errou ao não prorrogar o auxílio emergencial. Agora estão correndo atrás do prejuízo para prorrogar o benefício. Essa é a primeira prioridade de todas. As pessoas ainda estão desempregadas, várias perderam renda e é preciso que o auxílio chegue a essas pessoas. A segunda prioridade ao meu ver seria investir na reconstrução da economia, na geração de empregos. Mas isso não faz parte da agenda do governo. Quem apresenta uma lista com 35 coisas não tem prioridade. Nessa lista de 35 coisas, na minha opinião, a principal que está ali é a reforma tributária. Já há um projeto no Congresso para reforma tributária que é o do PIS/Cofins e esse é um PL que se o governo se empenhasse talvez conseguisse aprovar ao longo desse ano para começar a valer em 2022.

Essa estratégia do ministro Paulo Guedes de enviar uma reforma fatiada é eficaz?

Sim. Acho que a nossa história mostrou que é muito difícil reformar tudo ao mesmo tempo. A última vez que houve uma reforma ampla de todos os impostos ao mesmo tempo foi no final dos anos 60 no século passado durante a ditadura militar com AI-5 e tanque na rua.  Isso não era uma democracia. Na democracia é muito difícil você mudar todos os impostos ao mesmo tempo, o que não significa que você não consiga mudar nada. Acho que a estratégia fatiada é a possível. O caminho é começar com a reforma do PIS/Cofins. O ideal também seria fazer uma reforma no imposto de renda, tornando ele mais progressivo. Isso está na agenda pelo menos nas declarações. Mas está naquele discurso do governo de “na semana que vem eu mando”. De semana que vem em semana que vem já se passaram dois anos. 

Falando em tributação, o ministro Paulo Guedes recentemente voltou a falar em uma nova CPMF, que seria temporária. Faz sentido?

A CPMF só faz sentido se for temporária, como uma medida para você aumentar a arrecadação enquanto as reformas tributárias estruturais não têm o seu efeito sobre a economia. Dada a situação de hoje não acho que seja a melhor medida. Existem outras formas. Acho que é melhor até você ter déficit, dada a taxa de juros que ainda está baixa, do que criar um imposto como CPMF. Se for para mexer em algum outro imposto é melhor concentrar o capital político que o governo tem fazendo a reforma do PIS/Cofins, de um lado, e a reforma do imposto de renda, do outro. Não dá para perder tempo e capital político discutindo um imposto temporário como a CPMF que acaba causando mais distorção do que benefício. 

Você assinou junto com economistas um dos pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Por que acredita que esse seja o caminho?

Pelo enfrentamento da pandemia. Desde o início o presidente não tem dedicado a importância necessária à pandemia, tem menosprezado o risco social e o custo humano desta pandemia e o governo não tem tomado medidas na velocidade necessária. A vacinação está atrasada, o auxílio emergencial foi cortado e isso tem gerado um custo social e humano muito grande. Por isso assinei esse pedido e continuo achando que ele é necessário.

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