Para escapar dos embargos comerciais, russos podem optar por realizar transações com ativos digitais, que operam fora da jurisdição das instituições financeiras tradicionais.
por Vitor Hugo Gonçalves em 26/02/22 15:52
Desde que a invasão russa à Ucrânia foi efetivada, governos de todo o mundo – ao menos as principais potências econômicas, com exceção da China – se posicionaram contrários à movimentação coordenada pelo presidente Vladimir Putin. Como medida de retaliação imediata, uma série de sanções internacionais foram impostas sobre a Rússia, organizadas principalmente pelos Estados Unidos.
Na quinta-feira (24), o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, defendeu a exclusão da Rússia do Swift, sociedade que representa o sistema bancário global, utilizada por mais de 11 mil instituições financeiras para enviar ordens de pagamentos. Em seu perfil no Twitter, Kuleba afirmou que não seria diplomático quanto a essa questão, tendo em vista que “todos os que agora duvidam se a Rússia deve ser banida da SWIFT precisam entender que o sangue de homens, mulheres e crianças ucranianos inocentes também estará em suas mãos”.
Ao passo que a interdição russa ao sistema bancário vinha à tona no xadrez geopolítico, analistas do mercado financeiro passaram a questionar a necessidade da punição monetária, uma vez que a Rússia é um dos principais agentes, em escala global, do segmento de criptomoedas.
As sanções provenientes dos EUA e da UE são estritamente dependentes das instituições financeiras tradicionais para que possam ser cumpridas – se uma companhia ou pessoa física, por exemplo, desejar realizar uma transação denominada em moedas tradicionais, como dólares ou euros, é responsabilidade do banco sinalizar e bloquear essas transferências. No entanto, como as moedas digitais operam fora do domínio do Swift e de bancos padrões, com transações registradas em um livro público conhecido como blockchain, as operações estão amplamente liberadas.
O Tesouro dos EUA já está bem inteirado desse impasse. Em um relatório publicado de outubro, as autoridades estadunidenses alertaram que os criptoativos “reduzem potencialmente a eficácia das sanções americanas” ao permitir que maus atores mantenham e transfiram fundos fora do sistema financeiro tradicional. “Estamos atentos ao risco de que, se não forem controlados, esses ativos digitais e sistemas de pagamentos possam prejudicar a eficácia de nossas sanções”, declarou parte do documento.
Em contrapartida, é preciso ressaltar que driblar as sanções internacionais utilizando moedas digitais é um empreendimento extremamente dificultoso. É difícil adquirir bens e produtos com criptomoedas, especialmente itens maiores, com grandes volumes. A título de exemplo: um exportador de alimentos no Mato Grosso aceitará criptomoedas que operam diariamente sob forte volatilidade ou optará pelo dólar estadunidense, considerado a moeda de reserva mundial?
Guilherme Assis, co-founder e CEO da plataforma de gestão de investimentos Gorila, explica que a Rússia é, de fato, um player importante no segmento cripto, mas que isso não significa que a economia russa irá operar com base nesses ativos.
“A gente viu, depois da invasão, o Bitcoin caindo, as criptomoedas sofrendo, mas já tendo melhoras ao longo do dia… Podemos sim ver algum impacto, uma vez que a Rússia é um player relevante, mas tudo vai depender de como o conflito irá evoluir. Não acredito que a guerra irá derrubar o Bitcoin ou torná-lo um grande refúgio de curto prazo para o mundo; a tese toda de cripto vai seguir com um pouco mais de volatilidade do que vimos na quinta [dia da invasão]”, elucidou Assis.
A distância do comércio mais popular (afastado dos meios estritamente online) e a alta volatilidade são apenas alguns dos pontos que pesam na balança geopolítica da Rússia. Para Assis as criptomoedas não são um safe heaven, “como o ouro e os títulos do tesouro norte-americano”. “Logo depois da invasão, o ouro amanheceu subindo muito e as criptos, na contramão, caindo muito; e conforme os mercados foram se acalmando, o ouro foi voltando ao padrão. Então, não é uma corrida… Para o setor de criptos não há o denominado ‘flight to quality’. Na hora do aperto, os investidores vão para dólar e para ‘treasure’”, complementou.
Sob perspectivas de consolidação, o momento, no entanto, não deixa de ser crítico para os ativos digitais. O economista do TC Matrix Fabrício Silveira explica que muitos analistas e agentes do mercado projetam as criptos (sobretudo o Bitcoin) como um recurso de reserva: “Há uma expectativa sobre o Bitcoin de que ele seja uma reserva de valor. Mas, sobretudo pelo comportamento da cotação, as criptomoedas mostram uma volatilidade elevada… Esse momento vai ser um verdadeiro teste para provar o desempenho desse mercado. Dependendo de como esse conflito avançar – caso seja mais longo – precisaremos ficar atentos a como essas criptos vão se comportar, para justamente ver se elas vão servir como um substituto ao ouro, por exemplo”.
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