Francisco Saboya

De apagão em apagão, o Brasil desce ribanceira abaixo

O atraso do Brasil é um projeto. Só assim podemos explicar o que somos diante do que poderíamos ter sido

por Francisco Saboya em 15/12/20 11:59

Há quase 20 anos o Brasil apagou, faltou luz. Literalmente.  Faltou energia para casas, fábricas, para o comércio. O PIB cresceu apenas 1,5% em 2001, contra 4,3% no ano anterior. A imprensa se referia a esse episódio como apagão. Palavra fácil, que comunicava com clareza o drama nacional. Meses seguidos de racionamento de consumo geraram intimidade com o tema e fizeram o país adotar essa palavra quase como autojustificativa para as coisas que não dão certo. Falhou? É culpa do apagão. Como aquele 7 x1 que tomamos da Alemanha em casa, com tudo iluminado para o mundo apreciar melhor nossa tristeza. Locutores atordoados tentavam justificar o fracasso e, pimba!, foi o apagão. Para comentaristas mais sensíveis, foi um bloqueio psicológico diante da pressão extrema de se ter que ganhar em casa; para a geral, foi falta de vergonha mesmo. Mas esse tipo de apagão a gente tira de letra.

Difícil mesmo é conviver com o apagão da ciência, tecnologia e inovação. Porque este, quando combinado com outro apagão, o da educação, resulta no estreitamento das possibilidades do desenvolvimento nacional, na perpetuação das diferenças sociais e na implosão do futuro das novas gerações. Darcy Ribeiro se dedicou a entender as raízes da desigualdade e a crise da educação. Conclusão: o atraso do Brasil é um projeto. Só assim podemos explicar o que somos diante do que poderíamos ter sido e entender o paradoxo da pobreza de quase todos em meio à abundância de quase tudo.

Congresso Nacional, em Brasília, durante apagão que afetou a Esplanada dos Ministérios em junho de 2016
Congresso Nacional, em Brasília, durante apagão que afetou a Esplanada dos Ministérios em junho de 2016.
(Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

Existem certas situações que somente se explicam por escolhas deliberadas. Por exemplo: o Brasil é, ainda, a 10ª economia do mundo e o 15º produtor mundial de conhecimento em publicações acadêmicas. Mas é apenas o 54º produtor de patentes internacionais, o 62º em inovação (caiu 20 posições nos últimos 10 anos, ficando atrás inclusive de 5 outros países latino-americanos), e o 80º em competitividade. Daí vêm duas lições. A primeira é que não conseguimos converter conhecimento em tecnologia produtiva e fonte de geração de riqueza e emprego. A segunda é que, apesar de tudo, o país segue vivo, esbanjando resiliência. Mas basta olhar o movimento de países como Coreia do Sul , Índia e outros para ver que essa nossa condição tem dias contados. E em breve seremos a 12ª, 15ª ….

Esse tipo de apagão faz com que o déficit da balança comercial de produtos de elevada intensidade tecnológica e mais alto valor agregado venha crescendo sistematicamente. Voltamos a ser um país preponderantemente exportador de commodities. Há quem veja ganhos nisso, mas é bom lembrar que a soma das exportações de soja, minérios e petróleo – nossas principais estrelas – não paga o que importamos de computadores, produtos eletrônicos, óticos e outros da pauta relevante das economias modernas. 

Como chegamos até aí? É que o projeto a que se referia Darcy Ribeiro continua de pé e hegemônico. Um dos seus pilares é o baixo volume de investimentos em C,T&I como proporção do PIB. Andamos na casa do 1%, muito baixo se comparado com a media de 2% da OCDE e baixíssimo em relação a países como Coreia e Israel, que investem por volta de 4%. O orçamento federal destinado ao MCTI [Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação] para 2021 é de cerca de R$ 5,3 bilhões, dos quais perto de 90% estão contingenciados, restando míseros R$ 500 milhões (contra R$ 3,7 bilhões de sete anos atrás) para equipar laboratórios, formar pesquisadores, apoiar parques tecnológicos, subvencionar inovação nas empresas etc. O principal instrumento de fomento, o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) está igualmente contingenciado, com mais de R$ 25 bilhões retidos no Tesouro Nacional para formação de superávit, num caso escandaloso de desvio de finalidade.

Sem recursos não se perenizam ações de longo prazo. Ciência não combina com imediatismo. Inovação não combina com incerteza política. Desenvolvimento tecnológico rima, mas não combina com terraplanismo ideológico. Se quiser sair do nó em que se meteu, o Brasil vai ter que se livrar antes das mentes apagadas que nos governam desde Brasília, desde sempre. (ET: se o Congresso Nacional quiser dar uma chance ao país, aprova o PL 135/2020, que tramita em regime de urgência e que descontingencia o FNDCT). 

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