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Juliana Braga

A sensação constante de déjà vu na política brasileira

As idas e vindas da política brasileira escondem atrás do escudo da austeridade fiscal os ditos “invisíveis” revelados pelo auxílio emergencial

por Juliana Braga em 09/12/20 21:19

Tenho acompanhado o noticiário superficialmente. Desde que minha filha nasceu, leio os jornais só quando dá, o que acabou me permitindo um certo distanciamento. Assim, longe do turbilhão do hard news diário, tem me espantado a sensação constante de déjà vu. Tem sempre a briga contra o furão do teto de gastos da vez, o Centrão cobrando caro suas faturas e as já costumeiras cotoveladas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, no governo de Jair Bolsonaro. Mas o que tem me espantado mesmo são as idas e vindas em torno da prorrogação do auxílio emergencial e da reformulação do Bolsa Família.

Ao que consta, Bolsonaro desistiu, de novo, do Renda Brasil. Só retomará as conversas sobre o assunto em fevereiro, quando for discutido o orçamento de 2021 e só incluir o valor extra se houver margem. A discussão fiscal, claro, é importantíssima. Mas me impressiona que, mesmo levando em consideração todos os bônus políticos com a prorrogação, o governo não tenha ainda uma posição clara sobre o programa que fez a diferença na vida de mais de 50 milhões de brasileiros. Isso mesmo um semestre depois do início do pagamento do benefício.

Congresso Nacional, em Brasília.
(Foto: Leonardo Sá/Agência Senado

Para esse texto de estreia, quis ir atrás de quem são esses brasileiros que precisaram recorrer ao auxílio emergencial. Quem são esses “invisíveis” que o próprio governo bateu no peito para comemorar a inclusão no sistema bancário? A pandemia escancarou nossas desigualdades sociais? O perfil do beneficiário reflete as distorções que já conhecemos?

Qual não foi meu espanto ao descobrir que nem Ministério da Economia, nem Caixa Econômica Federal e nem mesmo o Ministério da Cidadania sabiam dizer quem são. A Caixa, claro, tem os dados, já que precisou cadastrar os beneficiários para fazer os pagamentos. Mas isso não está sistematizado, de forma que a Cidadania, que deveria ser o cérebro por trás dos programas sociais, só tem o perfil daqueles que estão no Cadastro Único, ou seja, que já recebiam o Bolsa Família.

Assim, não há dados oficiais que permitam saber se a pandemia atingiu de forma mais dura homens ou mulheres; brancos, negros ou pardos. Por mais que a resposta pareça ser lógica, a burocracia em Brasília não sabe se quem mais precisa está na periferia ou não. Sem dados, sem substrato, como o poder público poderia avançar sobre a reformulação dos programas sociais? Não poderia.

Não à toa, o déjà vu permanece, escondendo por trás do escudo da austeridade fiscal o fato de que os ditos “invisíveis” continuam não sendo vistos por aqueles que deveriam elaborar políticas públicas. A discussão segue girando em torno do valor do auxílio que mais apetece mais a Jair Bolsonaro ou ao ministro da Economia, Paulo Guedes. Valores chutados, olhando apenas para tabelas. Deixando à margem do debate cientistas e assistentes sociais que poderiam de fato dar um upgrade no Bolsa Família e incluir esses que até outro dia estavam fora do guarda-chuva federal. A preocupação parece ser mais em manter os louros políticos do presidente da República de olho em sua reeleição do que descobrir uma porta de saída para quem depende da assistência social.

Coube ao IBGE chegar mais perto de nos dizer quem são esses brasileiros. O mesmo IBGE que meses atrás avaliava diminuir os escopo de suas pesquisas diante da ameaça de corte de orçamento. E mesmo esse retrato não é preciso. Conseguimos, com ele, saber que a distribuição do benefício por domicílios reproduz a desigualdade que temos entre os estados, como era de se esperar. No Norte e Nordeste, o percentual de casas que precisaram recorrer ao benefício é maior, 58,4% e 56,9% respectivamente. Os estados com o maior percentual de residências assistidas são o Amapá (68,6%) e Maranhão (61,4%).

É uma pista de que a desigualdade social brasileira se fez ser vista também durante a pandemia, Mas, fora isso, seguem desconhecidos para o formulador de política pública aqueles atingidos com mais intensidade pelo tsunami que ninguém podia prever. Para esse texto de estreia, pensei que poderia destrinchar esse assunto aqui, para olharmos com mais atenção para essa situação. Infelizmente, o cenário é ainda pior: é necessário retroceder algumas casas para podermos avançar.

Em fevereiro estou de volta da minha licença-maternidade e, pelo que se comenta nos bastidores em Brasília, já haverá um cenário mais claro sobre o Renda Cidadã. É o que se promete agora. Mas a se tomar pelo o que vimos no último ano, as chances de termos um novo déjà vu e um novo adiamento não são nada desprezíveis. 

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