Você se curou de algo nessa pandemia?
por Myrian Clark em 13/07/22 14:43
“É por isso que a gente não gosta de gatos!” A frase, dita pela minha mãe, foi fixada na minha alma aos 6 anos de idade. Ela falou isso enquanto recolhia do chão pedaços do Bola de Neve, um coelhinho fofo que ganhamos na saída de uma festa de aniversário. Não fosse o bichano assassino, o coelho teria vivido muitos anos na família.
Pouca gente toca nesse assunto, provavelmente por vergonha mesmo, mas houve um período da década de 70 em que se dava filhotes como “lembrancinha” das festas. A oferta ainda não tinha esse nome, mas que davam, davam! A gente chegava em casa com peixinhos num saco plástico, porquinhos da Índia, patinhos e seres como o nostálgico Bola de Neve.
Em geral, o tratamento que esses animais recebiam era mais ou menos o mesmo dado às bugigangas baratas e de pouca utilidade distribuídas nas festas de hoje. Quem acha que o mundo hoje é violento precisava ter visto os meninos com calça boca de sino girando pintinhos pela perna para arremessá-los nos colegas. Felizmente, isso tudo passou. Dessas “lembrancinhas” de infância, nutri e cresci só a mágoa com gatos.
Pois nesse período de pandemia, terraplanistas e antivacinas, um pesadelo de infância veio me assombrar. O gato do vizinho no meu quintal. Mandei embora com um “passa daqui”, enfatizado com batidas de pé no chão. Meus filhos, nascidos na época dos mimos de plástico, me censuram. “Não era você, mãe, que achava um absurdo maltratar os bichinhos? Ele não te fez nada”. Acusei o duplo golpe: suportar quieta a visita do estrupício e ainda ter de reconhecer em mim traços dos garotos barra pesada das festinhas do passado.
Numa casa de gente amontoada pelo confinamento, o silêncio é uma arma poderosa. Assim eu reagi à notícia de que o bichano do meu vizinho tem um problema na perna. Quando filhote, foi arremessado de mal jeito por uma criança e quebrou a pata. O tutor do gato me contou que gastou meses e dinheiros com a fisioterapia. Hoje, quando ele anda, dá pra notar um leve descompasso no ritmo das pernas. Não que ele perca a altivez, de jeito nenhum. Baixar o rabo? Muito menos! Mas com essa ginga ele consegue abrir espaço com um simples gemido no portão.
A contragosto, parei de enxotá-lo. Ele engatou –sim, o termo deriva da palavra gato- visitas diárias, em todos os períodos. No final do dia eu fazia com que fosse devolvido. Vá fazer miau lá na sua casa! Mas logo cedo ele já está de novo aqui no portão. Entra, se acomoda e dorme. Não entendo qual a graça de ter um bicho que dorme 14 horas por dia. Bem verdade que ele não atrapalha. Ele é mais daquele tipo provocador, sabe? A gente na maior pilha e ele te encara com ar de quem vê uma espécie estressada, agarrada ao relógio, ignorante dos prazeres do sol. Outro dia me peguei dizendo: “nem adianta me olhar com essa cara, comigo não, violão”! Nesse momento me dei conta. Baixei a guarda, cadê meu coração peludo?
Foi preciso uma pandemia e um gatinho folgado e insistente pra curar uma gatofóbica. Será que dá pra dizer que isso foi uma cura? Você se curou de algo nessa pandemia? Tenho receio do que pode acontecer pra que eu perca o medo das lagartixas.
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