Doutor pela USP, Adilson Paes de Souza afirma que governadores não controlam suas polícias e têm “receio” das tropas
por Thales Schmidt em 06/06/21 12:05
Diferentes polícias do Brasil deram exemplos nas últimas semanas de que não agem para defender a Constituição Federal, mas para reprimir críticas ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Na avaliação do tenente-coronel da PM paulista e doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP) Adilson Paes de Souza, essas tropas podem ser mobilizadas por Bolsonaro em caso de derrota nas eleições de 2022, em uma “aventura autoritária”.
Em Recife, Pernambuco, no dia 29 de maio, a Polícia Militar atirou com balas de borracha contra dois homens que estavam nas proximidades de ato contra Bolsonaro, ainda que as vítimas não participassem da manifestação. De acordo com informações do Jornal do Commercio, os dois devem perder a visão de um dos olhos. No mesmo dia, a vereadora Liane Cirne (PT) foi agredida com spray de pimenta quando tentava falar com policiais. Após o ataque, o governador Paulo Câmara (PSB) disse que não sabia de quem partiu a ordem para reprimir a manifestação e promoveu a troca do comando da PM de Pernambuco.
Em Trindade, Goiás, a PM prendeu o dirigente do PT Arquidones Brito por circular com faixa no carro que diz “Fora, Bolsonaro genocida”. Os policiais usaram como justificativa a Lei de Segurança Nacional, herança da ditadura militar, e Brito foi liberado após prestar depoimento.
Souza enxerga excessos e exemplos da “bolsonarização” das polícias nos dois episódios. Em sua tese de doutorado, o tenente coronel estudou a letalidade da PM de São Paulo no Instituto de Psicologia da USP e recorre a um termo da psicanálise para explicar a identificação dos militares com o presidente: a projeção.
“Bolsonaro representa tudo o que esses policiais militares querem ser, há um mecanismo aí da psicanálise, podemos dizer, de projeção, o policial se projeta no Bolsonaro, ele se reconhece no Bolsonaro, ele quer ser Bolsonaro. Porque Bolsonaro é a pessoa que faz o que quer, fala o que quer, age da maneira que quer e não acontece nada, é o protótipo do machão, do superior a tudo, que pode tudo, do super-homem e tudo mais. E, nesse sentido, grande parte dos policiais se identifica”.
Bolsonaro é figurinha carimbada em formaturas de policiais e militares pelo Brasil. Em junho deste ano, de acordo com a Folha de S. Paulo, dois altos oficias da Polícia Militar do Distrito Federal usaram o chavão eleitoral do presidente , “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, em cerimônia de formatura que contou com a presença de Bolsonaro.
As policias brasileiras estão entre as mais violentas do mundo. De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os policiais brasileiros mataram 6.375 pessoas em 2019. Desde 2013, este número registrou 6 altas anuais consecutivas. Ainda em 2019, 172 policiais foram assassinados.
Souza reconhece que há “normas escritas” que orientam a ação policial, mas diz que as “normas não escritas” são mais influentes na hora de determinar as ações da tropa. Nesse sentido, ele avalia a violência ocorrida em Recife como uma tentativa de “reprimir protesto contra Bolsonaro”.
“As policias não prestam contas para ninguém, as policias agem como um organismo autônomo dentro da sociedade, os governadores pensam que controlam as policias, não controlam e, na verdade, os governadores têm receio das policias e sua inclinação bolsonarista”, diz o pesquisador ao MyNews.
O tenente-coronel também destaca que “tudo indica” que Bolsonaro não deve reconhecer sua derrota caso não seja reeleito em 2022. Neste cenário, Souza diz que as policias podem prestar apoio a Bolsonaro “e isso é um risco muito presente no nosso país”.
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