Usuários e especialista falam sobre entretenimento que se popularizou devido ao isolamento social
por Elígia Aquino Cesar em 08/01/21 07:55
A mudança de hábito compulsória em razão da pandemia de Covid-19 fez com que uma série de hábitos fossem incorporados à vida de muitas pessoas, só não se sabe se temporária ou definitivamente. Um deles é o consumo de plataformas de streaming, que se transformou em uma das principais formas de entretenimento em meio ao isolamento social imposto para conter a propagação do novo coronavírus.
A pesquisa “Os Hábitos e as Tendências do Consumo Digital”, realizada pela consultoria Nielsen Global Media Brasil, em junho de 2020 com 1.260 participantes, dá uma dimensão do tamanho que o streaming passou a ocupar no cotidiano do brasileiro.
Segundo o levantamento, o tempo gasto assistindo a filmes, séries ou programas de TV, aumentou 74,8% em relação ao mesmo período de 2019. Para 16,2% do grupo não houve mudança na rotina, enquanto 8,3% disseram que o período diante da tela diminuiu. Apenas 0,6% dos entrevistados responderam que não assistem à televisão.
Ainda de acordo com o estudo, 42,8% dos entrevistados assistem a filmes ou outros programas televisivos diariamente via streaming ou internet.
A faixa etária que mais se encaixa neste perfil tem entre 24 e 35 anos, como o influenciador digital Lucas Nascimento, 25, que assume ser usuário assíduo dos serviços de streaming.
O jovem, que se manteve isolado por cerca de três meses, trabalhando remotamente, afirma que a quarentena o fez aumentar ainda mais o tempo usado nas plataformas de entretenimento online. “Com a pandemia, em casa e sem muitas outras opções, utilizei muito mais todas as plataformas disponíveis. Hoje, as que mais uso são Netflix, Amazon Prime e Disney+, além do Spotify para músicas”, conta.
Para ele, as apresentações virtuais — as lives — e também as programações especiais transformaram o YouTube em um aliado no que concerne ao entretenimento de qualidade.
Paulo Sérgio Santos Soares, 62, compactua com a opinião de Nascimento. O engenheiro eletricista vê na plataforma de compartilhamento de vídeos uma fonte não só de divertimento, mas também de informação e conhecimento, especialmente se comparada com outras plataformas de entretenimento digital — como Netflix, Amazon Prime, Globoplay e Telecine, das quais é assinante.
“Acho que os canais de streaming estão limitados a filmes, documentários e não têm aquilo que considero importante, que são os programas de entrevistas, ou aqueles com especialistas em determinado assunto”, pontuou Soares, que diz ter optado pelo streaming como forma de entretenimento há muito tempo por não gostar dos programas oferecidos pela TV aberta. Ele, porém, reclama da falta de opções interessantes no catálogo da Netflix — a plataforma que ele mais assiste — para públicos com gosto diferente do que chama de “clichê”.
“Acho que vai esgotando aquilo que você tem para selecionar, o teu gosto, e aí vão sobrando só as fórmulas de filmes padrão dos estúdios, voltados para agradar uma faixa etária que está descobrindo as coisas e que não é a minha”, pondera o engenheiro.
A frustração de assinantes como Soares, é apontada pela líder de mensuração de mídias da Nielsen, Sabrina Balhes, como um fator que pode levar o cliente a desistir de determinada plataforma de entretenimento digital quando a vida voltar à normalidade.
“A pandemia não trouxe o uso destes serviços, ela acelerou uma tendência e escancarou a necessidade de outras tantas”, salienta Balhes, explicando que um consumidor, diante de tantas possibilidades concorrentes, não hesitará em deixar, por exemplo, um serviço de streaming que não o satisfaça. “A continuação de determinados hábitos adquiridos durante a pandemia vai depender muito da experiência do consumidor”, complementa.
A pesquisa elaborada pela Nielsen abordou também os gostos dos consumidores de conteúdo digital. O YouTube é o favorito de 89,4% dos participantes para assistir a filmes e programas de TV pela internet, seguido de perto pela Netflix, que agrada a 86,6% dos entrevistados.
O estudo se propôs ainda a fazer um cálculo, relacionando quanto um consumidor gastaria se optasse por ter acesso às seis principais plataformas de streaming disponíveis no Brasil em comparação a um plano que inclui filmes e séries nos canais de TV por assinatura. O resultado apontou que a assinatura do combo Netflix, Amazon Prime, Globoplay, Disney+, Telecine Play e HBO Go, somado, custaria em média R$ 152,40 mensais, gerando um custo de R$ 1.828,80 ao ano. Já o valor anual dos canais de TV fechados variou entre R$ 1.679,88 (sem canais HD) e R$ 2.878,80 (com canais Total HD).
O crescimento no número de assinantes de algumas das principais plataformas de streaming confirma o sucesso que tiveram durante a pandemia. Em julho, a Netflix divulgou que as novas assinaturas no trimestre cresceram 10,2 milhões no mundo, superando a expectativa da empresa, que era de 7,5 milhões de novos consumidores.
Quando comparado ao ano anterior, o crescimento do número de usuários da Netflix fica ainda mais evidente. Foram 28 milhões de novas assinaturas em 2019, número próximo dos 26 milhões de usuários conquistados pelo streaming somente no primeiro semestre de 2020.
Dados da Globoplay apontam que a plataforma registrou aumento de 145% no número de assinantes nos primeiros seis meses de 2020 em relação ao mesmo período de 2019. Muito desse crescimento se deve ao catálogo diversificado que inclui desde musicais, como “Sandy e Junior: Nossa História”, passando por documentários como “Em Nome de Deus”, sem deixar de lado, o carro-chefe da emissora carioca: as novelas, entre as quais “Tieta”, que foi o maior sucesso da plataforma em 2020.
No início de dezembro, a Disney+ divulgou durante um evento para atrair investidores, conhecido como Investor Day, ter conseguido 86,8 milhões de assinantes no mundo desde sua estreia, em 12 de novembro de 2019. O número superou as expectativas da companhia, que esperava atingir esta quantidade de usuários apenas no final de 2024.
Apesar do sucesso, a Disney+ traz poucas novidades em seu catálogo, que em sua maioria foi produzido há mais de uma década. Balhes atribui a campanha bem-sucedida ao planejamento e organização da companhia.
“Acho bem interessante a forma como o distribuidor de conteúdo, seja ele quem for, se organiza e estrutura a oferta de conteúdo deles. A Disney, por exemplo, fez parceria com Mercado Livre e com a própria Globoplay”.
Embora tenha havido todo esse crescimento, há pessoas que foram na contramão disso e, durante a pandemia, diminuíram o tempo de consumo de entretenimento via plataformas de streaming, como aconteceu com a relações públicas, Nathalie Santos Gomes, 36. Ela conta que usava o tempo no transporte público para assistir a séries, mas que desde o início da pandemia tem permanecido isolada, em casa.
“Senti que diminuiu, porque meu fluxo de trabalho e estudo aumentou, principalmente o de trabalho. Com isso, acabei não assistindo e nem ouvindo muita coisa”, diz Gomes, que notou esse afastamento do streaming com a retrospectiva do Spotify, na qual o histórico de músicas mais ouvidas por ela se esgotou em fevereiro.
“Praticamente não assisti a nenhuma série nova. Senti que a rotina bagunçou mesmo. Tenho hora para começar a trabalhar, mas não para acabar o expediente e isso teve um peso enorme nesse meu lazer”, lamenta, emendando que a falta deste tipo de entretenimento foi ruim para ela.
“Eram momentos que eu desconectava. Acabei trabalhando muito além do que eu considero saudável. Por causa disso, fiquei mais estressada e intolerante também”, frisou a relações públicas, que usou os realities shows para relaxar. “Foi um formato que consumi mais. Usava o “Big Brother Brasil” (Globo) e “A Fazenda” (RecordTV) para desligar a mente”, relembra.
Mesmo com a explosão de assinaturas e o prazer que muitos sentem ao maratonar uma série, viajar num filme ou se perder num documentário, é evidente que, a grande maioria das pessoas, espera o dia em que poderá voltar à sua rotina normal. O que, em muitos casos, inclui entretenimento presencial com grandes aglomerações, como shows, teatro e cinema. Será que esses programas perderão espaço para o streaming?
Soares acredita que a fórmula do cinema que transforma a maioria dos longas em histórias felizes não desperta emoções. “Já tive minha fase na qual cinema era verdadeiramente um acontecimento, uma expectativa muito legal. Hoje em dia não tenho mais entusiasmo algum com esse tipo de programa”, conta, afirmando que atualmente considera o som das salas de projeção alto demais e insuportável, opinião que define como “coisa de velho”.
“Ir ao cinema era legal, como se fosse ver um circo, com pipoca, um monte de gente reunida, aquela expectativa… Não acho que a tendência é que o cinema acabe, mas, sim, que com o tempo, ele não vai se auto-sustentar”, alerta o engenheiro. “Por mim, estaria com os dias contados”.
Para Nascimento, assim que a vida voltar à normalidade, todo mundo voltará aos programas de antes. “O streaming vai facilitar na economia de dinheiro, com os lançamentos exclusivos, mas não substituirá a experiência do show pessoalmente ou da pipoca no cinema”.
Gomes concorda com o influenciador digital, mas acredita que as plataformas de entretenimento virtuais pensarão em meios de “se reinventar e monetizar” o conteúdo online.
“Acho que a ‘rua’ nunca vai perder o lugar dela. Prova disso é essa galera que não faz isolamento. No meu caso, acho essas formas de entretenimento caras, então eu já não ia muito ao cinema e em shows antes da pandemia”. Para ela, o conteúdo presencial sofrerá uma baixa em relação ao consumo online, já que, não é possível consumir os dois simultaneamente. “No fim, acho que um vai complementar o outro”, arrisca.
Este também é o palpite de Balhes. “Na minha visão tudo é conteúdo e é um mercado complexo, no qual você tem várias maneiras de acessar a determinados materiais”, inicia a representante da Nielsen, lembrando que muitos canais de TV aberta e fechada têm aplicativos que dão acesso a lançamentos de filmes feitos dentro das próprias plataformas. “Isso é mais uma leitura para entender o cenário: os setores de tecnologia e de entretenimento sempre andaram lado a lado”.
Ela acredita que as diversas mídias se completam, como ocorre com rádio e TV, por exemplo. Balhes defende que tão importante quanto o conteúdo é criar caminhos práticos e agradáveis que atraiam o interesse do público. “Uma coisa é pensar no que as pessoas estão assistindo, outra é imaginar o meio para que isso ocorra. A ideia é criar novas formas para que o consumidor tenha acesso ao conteúdo e essa fronteira está cada dia mais sutil”, conclui.
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