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jornalismo independente

Maria Aparecida de Aquino

RÚSSIA E UCRÂNIA

Admirável Mundo Novo

Em seu novo artigo, professora da USP Maria Aparecida de Aquino escreve sobre obras literárias e cinematográfica que falam sobre exercício de controle do homem sobre o outro.

por Maria Aparecida de Aquino em 10/03/22 10:42

Foi a recente Guerra na Ucrânia que galvaniza “corações e mentes” – para usar o título do lancinante e mais importante documentário sobre a Guerra do Vietnã (numa cronologia liberal, 1964-1975) de Peter Davis (Corações e Mentes, EUA, 1974) – que me fez relacionar três obras, duas delas de fácil associação e a última com ligação mais sutil.

Refiro-me à obra que dá título a este artigo; ao muito famoso e laureado 1984 (George Orwell. SP, Cia. das Letras, 2009) e a um filme de sucesso considerável, tendo em vista sua temática densa e seu desenvolvimento sem concessões: A Vida dos Outros (Florian Henckel Von Donnersmarck, Alemanha, 2006).

Admirável Mundo Novo foi publicado, na Inglaterra, em 1932 e se refere a um futuro distante, 2.450, ou 632 DF (depois de Ford) e traz uma visão de como seria essa sociedade e como viveriam seus habitantes. É um mundo absolutamente estruturado que almeja a felicidade para todos os seus membros, independentemente de sua posição social.

O ato de ter filhos é condenado, bem como, crenças religiosas. Os costumes do passado são considerados selvagens e renegados. Entretanto, o personagem central Bernard Marx está insatisfeito com o seu mundo, pois, vive em um reduto que é como se fosse uma reserva do passado. Bernard encontra uma mulher que vive na civilização “passada” e seu filho, Linda e John. O enredo passa a girar em torno do mundo estruturado e das impressões dos dois personagens em contato com Bernard.

Câmeras de segurança em prédio. Foto: ElasticComputeFarm (Pixabay)

1984 foi lançado na Inglaterra, em 1949 e, também, naquele momento, nos remetia a um futuro que parecia distante, o ano de 1984. Esse mundo era formado por três potências: Oceania, Eurásia e Lestásia. A ação do livro se desenrola na Oceania que possui um partido dominante, comandado por uma figura central – ninguém nunca o vê – denominado de Big Brother que vigia todos e tudo sabe.

O personagem central é Winston Smith que trabalha no “Ministério da Verdade” e cuja função é ler jornais antigos para alterá-los fazendo com que o passado esteja de acordo com o que propugna o governo do Big Brother. Winston tem como colega de trabalho, por quem é apaixonado, Júlia que detesta o governo sob o qual vivem.

O controle governamental é feito por “teletelas” instaladas em todas as casas, por microfones colocados nas ruas e “drones” que filmam tudo. O contato dos dois personagens faz com que se revoltem e sejam presos e torturados. Tem início sua epopeia que trará consequências funestas. 1984 foi um retumbante sucesso literário e de outras mídias sendo do conhecimento até de pessoas que não se interessam pelos desígnios da sociedade.

Imagem do filme A Vida Dos Outros. Foto: Reprodução (Wiedemann & Berg Film Production)

A Vida dos Outros foi lançado na Alemanha em 2006. Fez grande sucesso em muitos países, colecionando muitos prêmios, obtendo o Oscar de melhor filme estrangeiro, o César da França e o David di Donatello da Itália. Passa-se em 1984 – coincidência? – em Berlim Oriental, antes da queda do muro – 1989 – e ainda sob o rígido controle da Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental. O personagem central Hauptmann Gerd Wiesler é capitão da Stasi e realiza interrogatórios com eventuais suspeitos do regime, além de dar aulas em que narra aos alunos suas técnicas de interrogatório.

Wiesler é convidado por um antigo companheiro de Stasi, Grubitz, para assistir a uma peça de teatro, onde entra em contato com o autor da mesma e com a atriz principal. Grubitz pede a Wiesler que vigie o autor da peça que é amante da atriz. O objetivo é afastá-lo da vida da atriz, vasculhando sua vida e incriminando-o. Nesse meio tempo, cai o muro e as pessoas passam a ter acesso aos arquivos guardados sobre elas. O contato com o casal e o acesso aos arquivos muda Wiesler que passa a ver com olhar crítico o mundo em que viveu e, de certo modo, ajudou a construir.

Estas três magníficas obras nos falam, fundamentalmente, do exercício de controle do homem sobre o outro homem e da impossibilidade – nesses mundos delineados – de liberdade para se fazer o que se quer, para ser o que quiser.

Esta é a realidade da Ucrânia atual. Lançada numa guerra cruel – tem sido usado o termo “sem sentido” que questiono. Que guerra tem sentido? Todas poderiam e deveriam ser evitadas –, massacrada por uma força enormemente superior e, inexplicavelmente, resistindo, atrasando, na medida de suas possibilidades, o inimigo que quer avançar com maior rapidez. Assim, tem galvanizado “corações e mentes” mundo afora que, apesar de compreender a quase impossibilidade de uma vitória, vibram e torcem a qualquer conquista sobre os agressores. É disso que se trata: de uma agressão.

A Ucrânia, desde 1991, é um país livre e independente, com direito de exercer sua autodeterminação, o que implica até em se associar livremente à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) se assim o seu povo o desejar. Repete a passagem bíblica da luta do nosso admirado “Davi” frente ao gigante “Golias” que só tem a força – em todas as suas dimensões – a seu favor.

Viva a Liberdade! Por uma Ucrânia livre e independente, dona de seu destino!


Quem é Maria Aparecia de Aquino?

Professora do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). Especialista em estudos sobre a ditadura militar brasileira (1964-1985).

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