Diálogos

Autoritarismo em continuidade

O autoritarismo aparece sempre presente da história do Brasil

por Maria Aparecida de Aquino em 15/12/21 19:37

Causa espécie e é motivo de incontáveis discussões a manutenção do Autoritarismo no Brasil, apesar do longo processo de Abertura Política e de um bem-sucedido retorno às liberdades democráticas e ao chamado Estado Democrático de Direito no Brasil, pós regime militar (1964-1985). Sim, o Autoritarismo disseminado na sociedade brasileira é inconteste. Como explicaríamos de outra forma o que vivenciamos no momento político atual em que uma experiência autoritária é levada a cabo por um governo legitimamente eleito?

Muitas são as explicações para essa continuidade. Vou me referir somente a uma delas que pode parecer insignificante para alguns, mas que, na minha opinião, tem um papel que não é desprezível nesse contexto.

Refiro-me à Lei da Anistia (Lei 6683) de 28 de agosto de 1979. A emergência dessa legislação sucedeu a uma enorme batalha da sociedade brasileira com a bandeira de “Anistia ampla, geral e irrestrita”. Pois é. Esqueceram-se de avisar: “Cuidado com o que você pede”. A anistia veio sim, ampla, de tal modo que incluiu os praticantes de “crimes conexos (…) de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política” (§ 1º). Estava dada a largada para a inclusão, não só de todos os torturados, mas também, de seus detratores, os torturadores. Estes, por obra e graça da Lei ficaram (e assim permanecem) livres de quaisquer julgamentos e eventuais condenações por seus atos vis, ilegais, imorais, em uma palavra, criminosos.

É mais uma contribuição a já temerária memória positiva do regime militar brasileiro que permite considerações absurdas como: “…que saudades dos militares. Naquele tempo isso não aconteceria”. Enquanto em países como Argentina e Uruguai que também vivenciaram experiências autoritárias de regimes militares no mesmo período em que sofremos, os militares saíram expurgados do poder e com uma memória negativa acerca de seus feitos, no Brasil, os militares comandaram a agenda da transição democrática e deixaram o poder com uma memória preservada.

Se, ao lado disto, acrescermos a famigerada Lei da Anistia e o impedimento de julgamento de seus atos, temos o caldeirão completo do aprendiz de feiticeiro, em que, a cada momento, se aumenta a receita para o insucesso da democratização do Brasil. Enquanto não nos livrarmos dessas amarras não estaremos preparados para novos rumos e para uma reconstrução democrática legítima e total.

Por mais que nos acusem de tentativa de “revanchismo” postulo e necessidade de revisão da Lei da Anistia com a possibilidade de julgamento dos que transgrediram todas as leis ao torturar, matar, fazer desaparecer os que tiveram coragem de se insurgir contra o status quo antidemocrático da Ditadura Militar.


Quem é Maria Aparecida de Aquino?

Maria Aparecida de Aquino é Professora Doutora do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP).

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