O espírito da frase famosa pode ser trazido ao Brasil contemporâneo, onde a “graça” é concedida pelo Presidente da República ao Deputado Federal Daniel Lúcio da Silveira (PTB), buscando eliminar sua condenação pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
por Maria Aparecida de Aquino em 02/05/22 18:45
Presidente da República Jair Messias Bolsonaro. Foto: Marcelo Camargo (Agência Brasil)
A expressão acima é referência a uma frase popularizada entre nós pelo fado de Caetano Veloso Os Argonautas, mas que tem origens na Antiguidade romana. O general Pompeu, no século I a.C., por volta do ano 70, proferiu, aos seus marinheiros, para estimulá-los a cruzar os perigosos mares em busca de trigo para abastecer os romanos, a frase “Navigare necesse; vivere non est necesse”, o que consta dos registros do historiador Plutarco.
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No século XIV, o poeta Petrarca cunhou a sua tradução: “Navegar é preciso, viver não é preciso”. Posteriormente, Fernando Pessoa, em seu poema Navegar é Preciso, imortalizou a frase em língua portuguesa.
Tomamos esta maravilhosa herança para trazer o espírito da frase famosa para o Brasil contemporâneo. Nossa alusão é à “graça” concedida pelo Presidente da República ao Deputado Federal Daniel Lúcio da Silveira (PTB), buscando eliminar sua condenação pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A concessão foi feita no dia 21/04/2022, um dia após o julgamento pelo STF. Embora todos admitam que compete ao Presidente da República a concessão da graça e do indulto, não há consenso em relação a sua constitucionalidade, na medida em que tal ato foi feito com o processo em andamento, ainda em trânsito que, portanto, não poderia ser anulado. Tais concessões (indulto e graça) serviriam para anular pena que o referido deputado ainda não está cumprindo.
Diversos parlamentares já se posicionaram para extinguir a graça concedida. Nem bem essas medidas estavam sendo tomadas pelos parlamentares e já se pronunciava o Sr. Rodrigo Pacheco, Presidente do Senado e do Congresso Nacional, afirmando peremptoriamente que o Decreto Presidencial não poderia ser contestado.
Em tempo, que triste papel desempenham determinados seres humanos quando assumem cargos! Ainda, a guisa de comentário, o mesmo não sucedeu com o ministro “tremendamente evangélico”, André Luiz de Almeida Mendonça que, de acordo com seus princípios e não com a indicação presidencial, votou pela condenação, embora a pena menor, de Daniel Silveira. Felizmente, há homens e homens!
Nossa questão, entretanto, antecede esse debate e, assim, chegamos ao título dessas considerações: “Enfrentar é preciso!” Acreditamos que é disso que se trata. Um rápido olhar na História pregressa recente de nosso país nos leva a 1964.
Uma vez em entrevista ao saudoso jornalista Paulo Francis questionei se, no período que antecedeu ao golpe, tinha-se uma noção do que estava por vir. Foi taxativo afirmando que era comentário geral que uma ruptura institucional se avizinhava. O que não lhe perguntei foi porque, portanto, não se impediu o ato ilegal e ilegítimo.
Esta questão e a ausência de resistência ao golpe imediatamente, sempre me assombraram e, até hoje, não encontro respostas satisfatórias. Mas, resta a constatação que não se reagiu e mergulhamos no terror de 21 (vinte e um) anos de arbítrio e profunda vergonha nacional, ao contrário do que os defensores deste governo tentam nos impor com as suas “saudades” da Ditadura!
Se não reagimos naquele momento não podemos repetir tal atitude! É preciso que enfrentemos os desmandos quando eles aparecem e a concessão da “graça” por Jair Messias Bolsonaro, nada mais é que tentativa de golpe travestida de decreto presidencial. É preciso “cortar o mal pela raiz”!
As reiteradas manifestações do Presidente em relação ao processo eleitoral confirmam suas péssimas intenções. Uma vez derrotado pretende apelar para uma pretensa irregularidade do processo tentando burlá-lo o que justificaria uma medida de força e a implantação de fato de uma Ditadura por ele presidida.
Compete a nós o enfrentamento por todos os meios legais (e nós os possuímos!) dessa intencionalidade ilegítima. Tais medidas precisam ser detidas. Este é o procedimento patriótico dos cidadãos de bem que amam este país e almejam vê-lo de volta à normalidade democrática.
Professora do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). Especialista em estudos sobre a ditadura militar brasileira (1964-1985).
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