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Maria Aparecida de Aquino

CULTURA

Meu nome é Gal

"Ouvindo Gal Costa tenho a sensação de escutar um pássaro"

por Maria Aparecida de Aquino em 14/11/22 18:16

Capa do disco Índia, de Gal Costa, foi censurada pela ditadura

Capa do disco Índia, de Gal Costa, foi censurada pela ditadura

O título deste artigo faz referência a uma das músicas mais conhecidas de Gal Costa (1945-2022), cujo nome completo era Maria da Graça Costa Penna Burgos. Nascida em Salvador (BA) e morta em São Paulo (SP). Para nosso orgulho, como paulistanos, Gal Costa resolveu morar em São Paulo nos últimos anos – sim, uma baiana em São Paulo que já foi chamado, preconceituosamente, de “túmulo do samba” – e aqui criar seu filho que adotou aos 2 (dois) anos de idade.

A canção a que se refere o título é de 1969, de autoria de Roberto e Erasmo Carlos que, nela, lhe fazem uma homenagem bastante carinhosa:

Meu nome é Gal
E desejo me corresponder
Com um rapaz que seja o tal
Meu nome é Gal…

Como música quero falar de sua voz. O que mais ouvi a respeito foi “cristalina”. Mas, é mais que isso. Ouvindo Gal Costa tenho a sensação de escutar um pássaro. É tão precisa e preciosa como uma ave rara cantando. E era rara mesmo.

Felizmente, nos incontáveis necrológios que assisti após sua morte, todos ressaltaram seu papel, além da intérprete genial. Quero destacar dois aspectos que a mim falam muito.

O primeiro deles, a coragem. Durante os anos da Ditadura Militar Brasileira (1964-1985), juntamente, com tantos outros, Caetano Veloso e Gilberto Gil, seus amigos de sempre, precisaram se exilar e foram para Londres. Gal Costa permaneceu aqui e, corajosamente, se posicionou contra o regime ditatorial que vivenciávamos. No período cantou a música, Divino maravilhoso, composta por Caetano Veloso e arranjada por Gilberto Gil para o festival de Música Popular Brasileira (MPB) de 1968. A música alertava para os perigos de se viver sob um regime repressivo e para a necessidade de resistir:

É preciso estar atento e forte
Não temos tempo de temer a morte (…)
Atenção. Tudo é perigoso
Tudo é divino maravilhoso
Atenção para o refrão
É preciso estar atento e forte
Não temos tempo de temer a morte…

O segundo aspecto a ser destacado é seu papel como mulher. Era bissexual e, desde 1998, vivia com a empresária Wilma Petrillo. Algumas vezes expos o seu corpo naturalmente, o que chocou muitos. Em 1973, ao lançar o disco Índia, a capa apresentava Gal com uma tanga bem pequena e, na contracapa, a cantora com os seios de fora.

Isso motivou – que novidade! – a censura da Ditadura Militar e o disco precisou ser acondicionado em um plástico preto. Em 1994, no show, dirigido por Gerald Thomas, O sorriso do gato de Alice, apareceu com uma camisa semiaberta e, novamente, com os seios nus, já prestes a completar 50 anos. Ela cantava a poderosa e agressiva canção de Cazuza, Brasil:

Não me convidaram
Pra esta festa pobre
Que os homens armaram
Pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada
Antes de eu nascer (…)
Brasil
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio
O nome do teu sócio
Confia em mim…

Poderia lembrar de muitas canções magníficas interpretadas por Gal Costa. Mas, quando lembro dela, sempre me vem à cabeça a doçura de Chuva de Prata (1984) de autoria de Ed Wilson e Ronaldo Bastos:

Chuva de prata que cai sem parar
Quase me mata de tanto esperar
Um beijo molhado de luz
Sela o nosso amor…

E foi assim. Na “terra da garoa”, na São Paulo que ela escolheu viver, sob uma suave chuva que Gal Costa foi enterrada. Prefiro acreditar que se tratava de uma chuva de prata que ela merecia. Símbolo da cultura brasileira, sempre engajada, nos últimos tempos, se posicionou contra as sandices do governo atual. Estrela de magnífica grandeza, o Brasil “mostra tua cara” empobrecida pela sua ausência.

*Maria Aparecida de Aquino é Profa. Dra. do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). Tem mestrado e doutorado pela FFLCH/USP; Pós-doutorado pela UFSCar. É especialista em estudos sobre a Ditadura Militar brasileira (1964-1985).

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