Como lidar com essa onda de conservadorismo que tem varrido este país desde 2013?
por Maria Aparecida de Aquino em 04/10/22 17:41
O título desta coluna possui uma dupla referência. De um lado remete ao mito grego de Narciso e, de outro, à canção, por muitos considerada como o Hino de São Paulo, de Caetano Veloso: Sampa.
Narciso, filho do deus Cefiso e da ninfa Liríope, representa a vaidade. O oráculo Tirésias preconizou sua extrema beleza e sua vida longa. Porém, advertiu – como é comum nos mitos gregos – que se ele admirasse seu rosto, isso poderia amaldiçoar sua vida. Narciso, muito autocentrado, flerta com a sua própria imagem ao vê-la refletida. Sua arrogância teve um preço e, sobre ele, foi lançado um feitiço que acaba por levá-lo à morte, condenado a definhar até perecer.
Em 1978, Caetano Veloso compôs de encomenda a um programa de TV, na comemoração do aniversário de São Paulo, uma de suas mais belas músicas: Sampa. Ele disse que se inspirou na magnífica canção Ronda de autoria de Paulo Vanzolini: biólogo, professor universitário e brilhante compositor. Assim, surgiram os versos, hoje consagrados:
“Quando eu te encarei frente a frente e não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho…”
O último verso é, também, o título desta coluna e remete ao mito de Narciso ao qual a música de Caetano faz referência.
Esta longa introdução serve para pensar o momento presente vivido por nós brasileiros. Passada a ressaca do resultado que nos conduziu a um segundo turno eleitoral, muitas análises foram feitas buscando interpretar as razões do que ocorreu no dia 02/10/2022 e, particularmente, refletir sobre o porquê de termos “errado” tanto nas previsões, juntamente com as pesquisas eleitorais que, até o fechamento das urnas, apontavam um resultado diverso.
As mais variadas interpretações têm sido apresentadas. Desde o primeiro resultado comecei a especular sobre as razões de tamanho engano nas previsões.
Apenas a título de reflexão inicial. Há muitos anos, eu estava na cabeleireira e comentava com ela sobre o governo Lula fazendo elogios ao programa Minha Casa, Minha Vida. Enquanto eu falava a manicure reagiu indignada, observando que o referido programa só servia para dar casas a favelados que não trabalhavam! Essa é a voz do povo. Precisamos pensar seriamente sobre essas palavras.
O que me parece mais coerente leva a uma análise que pode servir também para os institutos de pesquisas – ressalvadas suas metodologias científicas: erramos redondamente na presunção do conhecimento do povo brasileiro.
Parafraseando Caetano: Narciso acha feio o que não é espelho. Assim, construímos uma fotografia do povo brasileiro que acreditávamos ser real, mas era apenas “à nossa imagem e semelhança”. Como Narciso, acreditamos que aquela imagem projetada correspondia à realidade, ou seja, representava definitivamente o “povo brasileiro”.
As urnas demonstraram que estávamos errados e, mais grave, que não sabíamos fazer uma leitura, mesmo que aproximada, dos anseios de nossa população. E elas nos retiraram a escada.
Não considero o resultado totalmente negativo. Apenas, como a maioria dos que esperavam outra resposta das urnas, fiquei, num primeiro momento aturdida, indagando: como explicar derrotas de candidatos nos Estados, bem como vitórias de Senadores e Deputados que representaram, ao longo dos últimos anos, o que de mais reacionário e, por vezes, desprezível, poderia ser produzido pelo exercício governamental atual?
Como confio plenamente no pensamento popular de que o pessimismo é reacionário e o otimismo revolucionário, sou otimista para o momento presente e creio numa vitória no segundo turno das forças progressistas. Lula virá e, para tanto, conseguirá alianças que ampliarão sua frente eleitoral. Uma vez no poder poderá ter maiores dificuldades de governabilidade, tendo em vista o Congresso com uma composição muito mais conservadora. Nada que o impeça de negociar e ele tem reiteradamente provado por sua biografia pregressa, uma imensa capacidade de composição de alianças.
O que deixamos para uma reflexão mais aprofundada é a análise que se faz cada vez mais necessária. Como lidar com essa onda de conservadorismo que tem varrido este país desde 2013? Como atuar para efetivamente entender esta população em seus anseios e caminhar, a médio e a longo prazo, para modificá-la, no sentido em que ela perceba seus reais interesses e lute para alcançá-los?
Esta é a pergunta de um milhão de dólares!
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