Opinião

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Amazônia: crime e estado desorganizado

Se o combate ao narcotráfico e ao contrabando tem se revelado um fracasso numa cidade como São Paulo, imagina-se o que deva ser na Amazônia.

por Cândido Prunes em 17/06/22 10:57

O pescador “Pelado”, do vale do Javari, nos confins da Amazônia, confessou ter assassinado Dom e Bruno por iniciativa própria. Ou seja, segundo o pescador não se trata de um crime encomendado. A declaração de Pelado até faz sentido. Se a criminalidade na Amazônia estivesse de fato organizada, com uma estrutura de comando estruturada, inclusive com lideranças com experiência internacional, dificilmente seria expedida uma ordem para assassinar um jornalista do “The Guardian”. Os “pelados” da Amazônia são semianalfabetos que exploram os recursos da região com base na truculência contra pessoas ainda mais destituídas do que eles. Os “pelados” não tem conhecimento para distinguir entre “brunos” e “doms”, ou entre “brunos” e agentes da FUNAI ou IBAMA. Todos são inimigos a serem eventualmente assassinados. Os “pelados” contam com a impunidade.

O caso de assassinato envolvendo o jornalista Dom e o indigenista Bruno foi um ponto totalmente fora da curva considerando os homicídios que acontecem no Brasil. Normalmente a maioria dos assassinatos ficam sem identificação de autoria. Isso ocorre em todo o território nacional. Mesmo na cidade de São Paulo há regiões onde mais de 50% dos homicídios ficam sem esclarecimento. No caso de Dom e Bruno, como houve um clamor internacional, as forças públicas tiveram que se mobilizar para dar uma resposta rápida, localizando ao menos os corpos e os autores do crime.

Se o combate ao narcotráfico e ao contrabando tem se revelado um fracasso numa cidade como São Paulo, onde o Estado se encontra mais presente (isto é, a União, o estado de São Paulo e o município), imagina-se o que deva ser na Amazônia. Quem se der ao trabalho de percorrer as ruas do centro de São Paulo poderá verificar a quantidade de vendedores ambulantes vendendo mercadorias roubadas, falsificadas ou contrabandeadas. Muitas vezes na frente de policiais militares ou da Guarda Civil Metropolitana. Se o crime é tolerado diante de autoridades em São Paulo, o que dizer sobre Atalaia do Norte? Se ocorrem “arrastões” na frente de delegacias em São Paulo, o que esperar em Tabatinga? A imprensa cansa de registrar em fotos e vídeos traficantes agindo na Cracolândia paulistana. Então a polícia as vezes executa alguma operação para prender traficantes, mas no dia seguinte continua tudo como antes. Baixada a poeira, o Vale do Javari voltará a ser o Vale do Javari, assim como a região central de São Paulo volta a ser o que é após cada ação mais contundente do poder público, mas descontinuada e descoordenada.

Considerando todo esse estado de coisas, a hipótese mais provável para explicar o crime contra Dom e Bruno é que estamos diante de um Estado falido e não de um “crime organizado”. As inúmeras instituições que deveriam combater o crime em todo o território nacional não conseguem se articular. As informações entre órgãos não flui. O Judiciário tem um entendimento sobre o combate ao crime diferente dos demais poderes. Não há o estabelecimento de prioridades no combate à criminalidade. Além da desorganização, as polícias em geral estão mal aparelhadas. Falta equipamentos, veículos, lanchas, gasolina, munição e serviços de inteligência. E na rara hipótese de esclarecimento de um crime, o bandido tem uma infinidade de recursos diante do Judiciário.

Com um bom advogado, como aqueles que servem a muitos políticos brasileiros, “Pelado” conseguiria responder por seu crime em liberdade e quem sabe se beneficiar com a prescrição, aproveitando a avalanche de recursos judiciais a que tem direito. Em 2045 algum tribunal superior em Brasília confirmaria a prescrição – ou alguma ilegalidade na coleta de provas, levando a anulação do processo – e “Pelado”, quem sabe já aposentado das suas atividades pesqueiras, continuaria a levar sua vida de ilícitos nos confins da Amazônia.

*Cândido Prunes é advogado, pós graduado em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo e no programa executivo de Darden – Universidade de Viriginia, é autor de “Hayek no Brasil”.

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