Ao insuflar PMs contra jornalistas, Bolsonaro se torna corresponsável por eventuais violações futuras
por Marcelo Träsel em 24/12/20 09:28
No dia 18 de dezembro de 2020, o presidente da República, aparentemente em meio a uma escassez de tarefas mais relevantes, participou da cerimônia de formatura de policiais militares do Rio de Janeiro. Jair Bolsonaro aproveitou a oportunidade para insuflar a turma de cerca de 500 novos PMs contra a imprensa, sugerindo em seu discurso que jornalistas tomam partido ao realizarem coberturas: “Numa fração de segundo, está em risco a sua vida, do cidadão de bem ou de um canalha defendido pela imprensa brasileira […] Não se esqueçam disso, essa imprensa jamais estará do lado da verdade, da honra e da lei. Sempre estará contra vocês. Pensem dessa forma para poderem agir.”
Tais afirmações são apenas mais um exemplo do discurso estigmatizante adotado por Bolsonaro contra a imprensa desde que assumiu o assento no Palácio do Planalto. Nos últimos dois anos, o presidente acusou os veículos jornalísticos de produzirem “fake news” e questionou a imparcialidade, o preparo, a sexualidade e até mesmo a aparência física de repórteres. Em atuação digna do fundo de uma sala de aula do ensino fundamental, o homem mais poderoso da República desceu ao ponto de injuriar a mãe de um jornalista. Noutra ocasião, acusou uma repórter premiada de trocar favores sexuais por informações.
Em resposta, no final de maio de 2020 a direção de várias redações, em atitude inédita, retirou os setoristas do Palácio da Alvorada, que diariamente faziam plantão ao lado de militantes bolsonaristas, enquanto aguardavam a pantomima do presidente. A sociedade não perdeu nada com essa atitude, porque as “entrevistas” concedidas por Bolsonaro ao sair e chegar na residência oficial raramente traziam informação relevante, mas no geral se destinavam a oferecer à militância oportunidades de captar em vídeo suas “lacradas” contra a imprensa e alimentar as redes sociais com desinformação.
Infelizmente, o discurso hostil do presidente e seus associados contra a imprensa não se resume a um teatro grotesco, mas incentiva a violência, tanto física quanto simbólica, contra esses profissionais. Conforme o monitoramento realizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), ocorreram 68 agressões e ataques contra jornalistas em 2020, contra 19 casos no ano anterior. Muitos deles se deram durante a cobertura de manifestações de apoio a Bolsonaro em Brasília e outras cidades, mas em 20 de maio deste ano um empresário de Barbacena (MG), ao ver o repórter cinematográfico Robson Panzera registrando imagens da Escola Preparatória de Cadetes do Ar (Epcar), decidiu descer de seu veículo e agredir o profissional, quebrando um de seus dedos.
Esse é o tipo de comportamento legitimado pelo presidente, por seus ministros e por seus assessores próximos, quando difundem teorias da conspiração contra a imprensa. Ao insuflar policiais militares contra jornalistas, Bolsonaro se torna corresponsável por eventuais violações das forças de segurança contra repórteres que venham a ocorrer no futuro.
Marcelo Träsel é jornalista, doutor em Comunicação Social, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)
Comentários ( 0 )
ComentarMyNews é um canal de jornalismo independente. Nossa missão é levar informação bem apurada, análise de qualidade e diversidade de opiniões para você tomar a melhor decisão.
Copyright © 2022 – Canal MyNews – Todos os direitos reservados. Desenvolvido por Ideia74
Entre no grupo e fique por dentro das noticias!
Grupo do WhatsApp
Utilizamos cookies para oferecer melhor experiência, melhorar o desempenho, analisar como você interage em nosso site e personalizar conteúdo.
ACEITAR