Uma mexida errada foi feita pelos bolsonaristas na tentativa de golpe de estado malograda, como ficou patente nos últimos dias com a divulgação das provas colhidas pela Polícia Federal
por Cid Benjamin em 18/02/24 20:45
Há semelhanças entre o xadrez e a política. Um movimento errado de peças pode fazer com que o jogador perca uma posição protegida e fique vulnerável, sujeito a um contra-ataque. Coisa parecida ocorre na política. Mas, tal como no xadrez, isso não ocorre espontaneamente. Depende da resposta do adversário. Se ele não age, perde a oportunidade.
Uma mexida errada foi feita pelos bolsonaristas na tentativa de golpe de estado malograda, como ficou patente nos últimos dias com a divulgação das provas colhidas pela Polícia Federal. A partir daí, o que parecia impossível aconteceu: pela primeira vez ela bateu à porta de militares golpistas — que até então ficavam impunes, independentemente dos crimes cometidos. A surpresa de alguns milicos foi tamanha que — numa constrangedora demonstração de pusilanimidade — houve quem desmaiasse com a situação.
É mentirosa a afirmação do ministro da Defesa de que o golpe não aconteceu porque o Exército esteve ao lado da democracia. Nunca houve quartelada no Brasil sem apoio claro dos Estados Unidos e das classes dominantes. E, agora, esse apoio não aconteceu. Pelo contrário: ocorreu até advertência explícita do Departamento de Estado norte-americano aos gorilas brasileiros de que uma aventura golpista não seria apoiada.
Mas não faltaram demonstrações do envolvimento de militares — inclusive da ativa — nas movimentações golpistas. Ou alguém nega que o Exército tenha apoiado, política e materialmente, os acampamentos dos chamados “patriotários” em portas de quartéis, pedindo intervenção militar?
Mas, voltando ao que é dito no parágrafo inicial deste artigo sobre as semelhanças entre o xadrez e a política, com o malogro da intentona os golpistas perderam espaço. E, agora, tal como no jogo de xadrez, é preciso que os setores democráticos da sociedade passem para um contra-ataque. Para começar, é necessário que haja um debate aberto que não foi feito quando chegou ao fim a ditadura: afinal, qual deve ser o papel das Forças Armadas num regime democrático?
Isso traz outras questões correlatas.
Qual deve ser a formação dos futuros oficiais do Exército, da Marinha e da Aeronáutica? Ela deve ser assunto exclusivo dos militares ou, pelo contrário, é algo de interesse da sociedade?
Não será hora de sepultar a ideia de que o papel dos militares é combater inimigos internos, reafirmando que as Forças Armadas devem ter como missão a defesa do País?
E, ainda, o artigo artigo142 da Constituição não deve ser modificado? Mal redigido, imposto pelo general Leônidas Pires Gonçalves quando da elaboração da Constituição, ele tem servido a golpistas para pregar intervenções militares. Diz: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
Ora, na hipótese de divergência de interpretação entre os poderes da República, a quem caberá dirimir a questão? Às Forças Armadas? Ora, isso é tudo o que uma democracia não pode aceitar.
Enfim as questões citadas aqui, e outras tantas, precisam ser enfrentadas. Mudanças legais devem ser feitas. Com um Congresso dominado por figuras de estirpe de Arthur Lira, provavelmente as modificações necessárias na Constituição não serão aprovadas já. Mas — gostem ou não os militares — um dia elas vão ter que entrar na pauta. E o quanto antes, melhor. Mesmo que, por enquanto, isso sirva apenas para que tenha início um debate necessário para a democracia.
O fato é que, tal como no xadrez quando um movimento infeliz deixa em maus lençóis um participante, o oponente deve aproveitar a tentativa malograda. Indo do xadrez para a política, depois da intentona malograda dos golpistas é preciso aproveitar a oportunidade para fortalecer a democracia. Seria um erro não fazer isso.
A bola está com Lula, dada a pusilanimidade e a submissão do ministro da Defesa aos generais que deveria comandar.
Mas, terá o presidente coragem política para pegar esse pião na unha?
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