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OPINIÃO

A educação financeira e o machismo

Questão do machismo não é abordada com frequência em discussões sobre educação financeira

por Karen Gimenez em 07/12/22 17:07

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Cada vez mais o tema educação financeira se torna pauta das redes sociais. Influenciadores ganham espaço mostrando que aprender a lidar com o dinheiro vai bem além da conta básica de gastar menos do que se ganha. A chamada economia comportamental – que atrela questões emocionais à gestão do dinheiro ganha força e com razão, pois muito da nossa gestão financeira vem da gestão das emoções. Quando digo “nossa” falo do grupo que ganha o suficiente ou mais do que o suficiente para manter suas necessidades básicas, pois temos uma parcela considerável do país que não sabe se terá condições de comer amanhã.

Mesmo dentre esses influenciadores que trazem a questão comportamental para as finanças – e tem muita gente boa fazendo isso – vejo que um tema específico não aparece com relevância (pode até ser que apareça e que eu tenha pesquisado menos do que deveria). Esse tema é o machismo e seus impactos na vida financeira de uma família. 

Vou contar um caso que ilustra a relevância de trazer esse tema à tona.  Não sou educadora financeira (inclusive aprendi a gerir bem meu dinheiro há poucos anos), mas como já fiz alguns cursos de economia comportamental, há cerca de dois anos um cliente me pediu ajuda para lidar com um funcionário. A história é real, só vou trocar os nomes. Vamos chamá-lo de Marcelo. Aos 40 anos, Marcelo trabalha em uma empresa de médio porte em um cargo de coordenação na área operacional. Casado, dois filhos e renda mensal de quase cinco salários-mínimos. Não paga aluguel, pois construiu uma casinha nos fundos da casa dos pais.

Marcelo tem um sedan médio com alguns anos de uso, valendo por volta de 80 mil reais. A esposa não trabalha e os colegas de trabalho de Marcelo se referem a ela como “madame” pois toda semana vai ao cabeleireiro, frequenta o shopping e faz questão de viajar nas férias e “ganhou” um carro do marido. Marcelo está endividado. E muito. Já “pediu para ser mandado embora”, gastou a indenização e o FGTS, foi recontratado em outro CNPJ do mesmo grupo e está pedindo o segundo empréstimo para a empresa.  Uma situação recorrente nos quase 20 anos em que trabalhei nesse meu cliente.

Foi na segunda solicitação de empréstimo – com o primeiro ainda não totalmente pago – que meu cliente pediu para eu entrar em ação e aplicar os meus poucos conhecimentos de economia comportamental para que Marcelo fosse “mais firme com a madame” que “exige” tanto. Vamos chamar a suposta “madame” de Soraia. Na primeira conversa com Marcelo, vi que Soraia não tinha nada de “madame”.  Ela simplesmente não sabia da situação financeira do marido porque Marcelo escondia dela até o quanto ganhava. Para Soraia, o estilo de vida da família era totalmente compatível com o salário de Marcelo.

Foram várias conversas até convencer Marcelo que ele não deixaria de ser “homem” se Soraia soubesse o quanto ele ganhava de verdade e que todas as semanas o casal se sentasse para analisar uma planilha de gastos. Que Soraia continuaria bela mesmo com uma visita mais espaçada ao cabeleireiro. E que os meninos já não eram tão pequenos assim, então Soraia poderia trabalhar, já que eles moravam no mesmo terreno dos pais de Marcelo e os filhos poderiam ficar com a avó ao voltarem da escola.

Marcelo foi bem resistente, pois além de ter de assumir sua real condição dentro de casa, como nos encontros de família ele poderia dizer que naquele ano eles não passariam férias no Nordeste? Afinal ele era o irmão mais velho então deveria ser o mais bem sucedido. Como encarar que a irmã dois anos mais nova poderia ter um salário maior que o dele? Se fosse um irmão mais novo ainda vai, mas a irmã?

Conversa daqui, conversa dali, Marcelo resolveu abrir o jogo com Soraia. Ela, além de acolher imediatamente o marido, arrumou um emprego em uma movimentada loja menos de um mês depois. Acabei conhecendo Soraia por acaso, já que é uma loja que eventualmente frequento. Ela me contou que estava feliz com o emprego e parecia mesmo. Menos de um ano depois não vi mais Soraia na loja. Pode ter arrumado outro emprego, pensei.

Passados quase dois anos desse caso, há cerca de dois meses meu cliente me chamou novamente para falar sobre Marcelo. Ele fora promovido na empresa – com salário agora um pouco maior do que seis salários-mínimos – e mesmo assim estava mais endividado que nunca. O dono da empresa se recusava a dar mais um empréstimo já que novamente havia sido feita a “jogada da demissão” para o recebimento do FGTS e do auxílio-desemprego e que novamente já havia um empréstimo em dívida. Soraia – que tem o ensino médio e nenhuma capacitação profissional – havia parado de trabalhar porque “o marido considerou que ela ganhava pouco” então era melhor “ficar em casa, pois ele poderia dar conta”. 

A conversa semanal do casal com a planilha de gastos em mãos não durou seis meses. O patrão de Marcelo passou a temer que ele recorresse a um agiota, o que é bem provável que aconteça. Sugeri ao patrão de Marcelo que desta vez não focasse na educação financeira, mas custeasse um psicólogo ou grupo de apoio, pois não há educação financeira que derreta o machismo arraigado. Pode não derreter, mas a economia comportamental precisa aprender a detectar e trazer esse assunto para o debate.

*Karen Gimenez é mestre em Comunicação, jornalista com pós-graduação em Estratégia Empresarial e geógrafa. É professora de pós-graduação da Universidade Paulista, pesquisadora associada do Núcleo de Apoio à Cultura e Extensão – Escola do Futuro da Universidade de São Paulo; facilitadora convidada do Sebrae-SP e consultora em Comunicação, Gerenciamento de Crises e Programas de Desenvolvimento para empresas e instituições. O conteúdo deste artigo é de cunho pessoal e não representa qualquer posicionamento das instituições para as quais a autora trabalha.

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