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PSDB

Devemos chorar a morte dos tucanos

Os tucanos  morreram. Nunca simpatizei com eles. Mas estão fazendo falta. Nunca adivinharia que sem eles a própria democracia corre risco de morte.

por Aniello Olinto Guimarães Greco Junior em 01/07/22 09:43

Infelizmente os tucanos morreram. Talvez o PSDB sobreviva enquanto sigla, talvez até volte a ter a importância que teve, mas os tucanos morreram. E mesmo nunca tendo simpatia por eles, só posso lamentar esta morte.

O PSDB começa como uma dissidência do PMDB. Ou talvez como um resgate ao verdadeiro PMDB. Herdeiro do MDB da época da ditadura, o PMDB deveria representar a linha de esquerda democrática que tentou, dentro dos seus limites, ser a oposição oficial ao ditatorial Arena. Naquela época ainda estávamos em plena Guerra Fria, e ser uma esquerda democrática significava defender um estado de bem estar social nos modelos europeus, a famosa Social Democracia que acabou dando nome ao PSDB.

Mas durante a Assembléia Constituinte de de 1987 o PMDB acabou por se aliar ao “Centro Democrático”, o germe do que hoje chamamos de Centrão. Era nada mais nada menos que a ala civil da direita conservadora da época, que tentava impedir que a nossa Constituição fosse moldada demais a esquerda. O PMDB, quem diria, tinha se juntado aos conservadores.

É neste momento que o PSDB surge. Tentando ocupar o espaço entre a direita civil democrática e a esquerda trabalhista e sindicalista representada por Brizola e Lula, que flertava com um misto de marxismo cubano, teologia da libertação e trabalhismo sindical.

Mas o destino reservava outro papel para os tucanos. Apesar da enfervescência política da redemocratização, havia um problema que praticamente sequestrava o debate político: a inflação. Vários planos econômicos bastante heterodoxos foram tentados, desde o congelamento de preços até o sequestro dos investimentos dos cidadãos. E a inflação continuava monstruosa.

Com o impedimento de Collor, seu vice, Itamar, une uma equipe de economistas liberais para tentar um choque mais ortodoxo, apesar de moderno. E assim nasce o Plano Real. Sob a coordenação do Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, um tucano, o PSDB recebe os louros de conseguir estabilizar a moeda brasileira.

E devido a característica liberal na economia do Plano Real, os tucanos acabaram por caminhar levemente a direita. E assim surge a primeira polarização da Nova República, com o PT ocupando o campo da esquerda e o PSDB o da direita. E este paradigma perdurou quase 30 anos. Tucanos viraram aves que defendiam um estado pequeno, eficiente, e austero na questão fiscal. Apesar de muito longe da perfeição, foi uma receita de tanto sucesso que Lula teve que se tucanizar com a Carta ao Povo Brasileiro para conseguir ser eleito e tirar o PSDB do poder.

Toda esta rememorização foi para lembrarmos como os tucanos foram importantes para se criar as bases da atual democracia brasileira, fortificando o discurso majoritário dos economistas, empresários e analistas da mídia brasileira, que perdura até hoje.

Mas eles morreram. Morreram principalmente porque apesar de terem conquistado o pensamento do mercado, não conseguiram manter contato com as bases populares. O liberalismo a moda tucana pode ter comovido o mercado, mas falhou em reduzir as desigualdades brasileiras e conquistar o coração do povo.

No momento em que seus rivais PTistas começaram a perder o controle de seu próprio governo, os tucanos eram  tidos comos seus sucessores naturais. Afinal desde 1994 o Brasil era governado por ou tucanos ou PTistas. Mas infelizmente não foi o que ocorreu. E a morte tucana começa com a disputadíssima eleição de 2014.

Até então o debate político brasileiro era entre uma direita que afirmava que o equilíbrio econômico deveria ser a questão prioritária, e uma esquerda que aceitava um pouco mais de gastos do governo em troca de programas sociais mais amplos. Ou, de outra forma, a direita dizia que a esquerda era composta de administradores irresponsáveis, e a esquerda acusava a direita de serem economistas que não se importavam com a pobreza.

Em 2014 o debate se tornou mais virulento. As acusações morais ganharam o centro do debate. E de repente os políticos deixaram de ser ver como rivais, e passaram a se ver como inimigos. Agora ambos acusavam o outro lado se serem canalhas, ladrões, traidores da pátria.

E após as urnas darem uma vitória apertadissíma para Dilma, o já não tão tucano Aécio Neves recusa a aceitar o resultado das urnas e pede recontagem. Era o início de um novo PSDB. Um PSDB raivoso, moralista, acusatório. Não que fosse unilateral. O PT também passou a rosnar até para o próprio rabo. Mas a decisão destacar as instituições eleitorais por raiva política abriu um triste precedente.

Tudo continua piorando até o impeachment de Dilma. Diferentemente do impeachment de Collor, que uniu a classe política brasileira, a saída de Dilma criou um fosso intransponível, e todos começaram a cavar trincheiras para uma luta de morte. Mas havia uma grande diferença entre o PT e o PSDB. O PT manteve suas bases com o sindicalismo, o movimento estudantil, o MST, etc. Já o PSDB estava presente apenas no mundo político.

Quando o ódio político se torna o centro do debate, os tucanos se viram alvo do ódio que esperavam que o apoiassem. Se por um momento Lula tinha se tucanizado, agora para a turba enfurecida o PSDB se tornou demasiadamente parecido com o PT.

A tentativa de renovação com nomes como Doria fracassou. Eram PSDBistas sem a cor e o tamanho dos bicos tucanos. Fenômenos como o olavismo e o bolsonarismo se tornaram enormes. E mesmo o liberalismo, carro chefe dos tucanos, acabou sequestrado por pseudo-liberais como o MBL.

Os tucanos morreram. E com eles, a direita democrática brasileira. O que sobrou foi a direita fisiológica, e a extrema direita. A direita que se alia a qualquer governo que não mude as estruturas econômicas brasileiras, e o protofascismo que acredita que a liberdade dos cidadãos de bem deve ser imposta as custas de piorar as desigualdades dos marginalizados e excluídos. Que qualquer luta de diminuir as desigualdades é na verdade pedido de privilégios. E que os conservadores precisam impedir isto a força.

Neste cenário sem uma direita moderada, tudo o que não é aliado da extrema direita parece comunismo. Num cenário desequilibrado como este, não existe debate político, apenas combate. E com isto o Brasil vai morrendo.

Os tucanos  morreram. Nunca simpatizei com eles. Mas estão fazendo falta. Nunca adivinharia que sem eles a própria democracia corre risco de morte.

*As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews

Quem é Aniello Olinto Guimarães Greco Junior?

Servidor público concursado do Tribunal Superior do Trabalho, Aniello Greco passou tempo demais na universidade, sem obter diploma. Já fingiu ser jogador de xadrez, de poker, crítico de cinema, sommelier de cerveja. Sabe de quase tudo um pouco, e quase tudo mal.

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