Desde o início da Pandemia da Covid-19 no Brasil, seja como sintoma de negação ou mesmo a expectativa que de duraria pouco, as redes foram inundadas por especulações de como seria o “novo normal” ou se, em algum momento, retomaríamos a “normalidade”. Programas de TV foram criados com a presença de intelectuais para imaginarem como seria este pós-pandemia, no mundo e no Brasil. De todas as análises, muitas delas superinteressantes, pouco ou quase nada foi falado sobre um fenômeno que nomearei aqui de Nação em Luto.
As mortes em decorrência da pandemia são rápidas e imprevisíveis. Pessoas mais propensas ao agravamento do quadro de saúde em decorrência da Covid-19 podem sobreviver e pessoas sem qualquer comorbidade podem vir a óbito. Em suma, não é possível antecipar o que ocorrerá e as únicas maneiras de proteger a vida são a prevenção (higienização e máscaras) e a vacina. Caso contrário, estamos jogados à própria sorte como numa roleta-russa.
As consequências deste cenário, no Brasil, são catastróficas. Sem coordenação nacional ou gestão centralizada da pandemia, se instalou o caos. São mais de 430 mil mortes já notificadas e registradas até o momento que escrevo este texto (13/05/21) e as previsões do pós-pandemia sequer conseguiram alcançar o estado emocional e material dessas mais de 430 mil famílias dilaceradas pela repentina ausência de um de seus entes queridos.
Cabe lembrar que o Brasil, por ser cristão, possui tradição nos ritos de despedida. A grande maioria dos familiares e amigos destes mais de 430 mil mortos sequer conseguiram vê-los uma última vez. Até o rito de despedida nos foi retirado. A Nação em Luto viverá essa ausência até que gerações futuras compreendam este momento como mais um fato da história nacional. No entanto, certamente, grande parte das famílias terão aquela avó, aquele tio, aquele pai ou aquela irmã que foi levada pela pandemia e, conjugada a ela, pela negligência em sua gestão.
Mas vamos aprofundar um mais pouco. A Nação em Luto padece e padecerá ainda por aproximadamente duas décadas pelas perdas atuais. Grande parte dos que perdem hoje gratuitamente suas vidas são chefes de família, pessoas responsáveis por colocar o pão de cada dia na mesa para alimentar seus filhos e filhas, netos e netas, pais e mães. Parte considerável dos que agora estão em luto não consegue pagar o aluguel, comprar remédios ou uma vaga de emprego para, com um salário mínimo que seja, aliviar o desespero da fome e da miséria.
A faixa etária das mortes totais, atualmente em ampliação para pessoas com 40 anos de idade em decorrência das novas variantes, está deixando órfãos e menores desassistidos. Aquele avô que não conseguiu se aposentar agora cuida dos netos, aos trancos e barrancos, pois o filho e a nora perderam a vida. Reparem bem, o filho e a nora trabalhavam para organizar a casa e cuidar dos mais velhos e das crianças. Como comprar remédios? Como alimentar os descendentes? Como se alimentar? Enquanto isso, o governo humilha seu povo com Auxílio Emergencial pífio de 150,00, 250,00 e 375,00 reais em pleno período de aumento da inflação.
E as crianças que não têm acesso à escola? Tem sido comum entre os profetas do pós-apocalipse, ops, não, perdão, do pós-pandemia, o anúncio do Ensino Híbrido e a prevalência do Ensino a Distância. Só pelo teor das previsões destes profetas sabemos de onde falam e para quem falam. As escolas alimentam crianças e adolescentes famintos, produzem sociabilidades e as preparam, ainda que com muitas dificuldades e limites, para o futuro. Mas, qual será o futuro da Nação em Luto? Qual será o futuro da Nação em Luto sem comida, sem teto e sem renda? Qual será o futuro da Nação em Luto que não vacina sua população para o retorno seguro às escolas? Qual será o futuro da Nação em Luto com cerca de 20% de desempregados (entre desocupados e desalentados)?
A Nação em Luto, produzida e fabricada pela incompetência e negligência, está gerando um gap histórico, uma geração fragilizada que carecerá, mais do que nunca, do esforço conjunto da sociedade e do braço forte e eficiente do Estado. Reparar tal perda? Impossível. Corrigir tais danos? Sem garantias de que seja eficiente. Tentar? Inevitável.
Jamais retomaremos à normalidade no pós-pandemia. O novo normal será a Nação em Luto, se isso, em alguma hipótese, pode ser considerado normal. No entanto, normal ou não, pouco importa. Teremos que lidar com ela. Afinal, de algum modo, em maior ou menor grau, todos somos responsáveis. Senão por suas causas, por suas consequências.
Pedro Henrique Máximo é arquiteto e urbanista, professor da PUC-Goiás, UEG e UniEVANGÉLICA. Doutor em Arquitetura e Urbanismo (UnB).
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