Num país que acumulou tantos problemas e onde os políticos nos devem tantas explicações, o rito eleitoral é o oxigênio da democracia.
por Rodrigo Arantes em 20/09/22 09:29
A campanha de Lula está há meses trabalhando pela meta de ganhar a eleição de primeiro turno.
No começo o motivo era por causa do golpismo de Bolsonaro, que poderia fazer um ato como do Capitólio nos EUA feito pelos seguidores de Donald Trump. Mas depois do 7 de setembro e da convocação do presidente para se auto-chamar de imbrochável, o medo deste golpismo parece que murchou mas aumentou ainda mais a inquietação do PT sobre a necessidade do que chamam de voto útil. Inclusive com alguns jornalistas se exaltando em ataques diretos à pessoa de Ciro Gomes por não desistir de sua candidatura.
Vamos pensar um pouco sobre o porquê deste posicionamento e tentar entender o porquê deste direcionamento do partido?
O presidencialismo tem por princípio a concentração do poder de toda uma nação num mandato que concentra poderes quase absolutistas nas mãos de duas pessoas em semelhança às figuras de poder exercidas por monarcas desde os tempos da antiguidade. Mas para poder aproveitar totalmente esse potencial precisamos observar alguns pontos.
Primeiro, o PT é um partido original de São Paulo onde possui agora aliança com uma figura que foi o governador do Estado por 16 anos, chegando ao poder como vice de Mário Covas e se tornando o sonho de consumo dos empresários na presidência do país, sonho que tentam realizar desde 2006, onde Alckmin foi inclusive oponente de Lula num segundo turno.
Segundo, o mercado ajudou a eleger Bolsonaro para tirar o PT pensando que conseguiria depois dar conta do jeito do presidente. O que não aconteceu completamente até hoje e talvez nunca aconteça. Além disso, sua figura rendeu uma rejeição internacional que pesa sobre a vaidade de quem frequenta os círculos do topo da renda mundial. Este preço inconveniente além das pataquadas frequentes que lhes custam muito dinheiro tornou a sua presença na presidência uma dor de cabeça e um constrangimento para todos. Tanto que o famoso índice Big Mac da revista da The Economist registra que o Dólar deveria valer cerca de 4,50 se não fosse uma sombra de incertezas que vai continuar pairando sobre o Brasil enquanto tivermos um presidente que pode a qualquer momento falar qualquer tipo de loucura e isso repercutir negativamente mundialmente. Ontem mesmo o presidente esteve no enterro da rainha Elizabeth II e pra variar tentou usar o contexto como palanque causando tumultos e constrangimentos num momento de luto de uma nação que é a Mecca do capitalismo financeiro mundial…
Terceiro, o mercado está com saudade de ter um presidente executivo como Michel Temer com carta branca para soltar a caneta e cometer atrocidades, como instituir o PPI e o teto de gastos, e que não fala nada fora do script que cause qualquer sentimento de ansiedade em bancos estrangeiros sobre qual vai ser a próxima peripécia do Brasil.
E o mercado tem tudo isso com a chapa Lula-Alckmin que ainda oferece aos seus super sócios estrangeiros um botão de eject para em uma eventual necessidade que poderia surgir por exemplo de crises internacionais entre EUA ou Reino Unido com a Rússia e a China repetir o script da década passada e rebaixar novamente a economia brasileira implodindo o câmbio e rebaixando o país de patamar de desenvolvimento para quebrar as suas pernas e manter o país endividado e fornecendo commodities a preços baixos para controlar a inflação por lá.
Sem debater seus projetos para o país, dizendo na revista Time para todos os bancos de Wall Street lerem que não se deve falar seus planos antes de eleito, na verdade Lula está mandando uma mensagem cifrada ao mercado que na verdade o plano é não ter plano. O que na verdade é a filosofia econômica que Wall Street defende, e que prega que o governo não deve intervir na economia e o simples fato de ter um plano já significa que o governo irá intervir na economia.
Mas para isto ser possível a sociedade precisa aprovar seu projeto no primeiro turno para referendar este cheque em branco para a chapa Lula-Alckmin de modo que este legado político seja totalmente transferível para o presidente e seu vice com o mínimo de compromissos assumidos com a sociedade.
Mas esta estratégia pode cair por terra se a chapa não ganhar no primeiro turno e for forçada a negociar com o terceiro e quarto lugar condições para o seu apoio para assim livrar o mercado do estorvo que ele mesmo criou para si em 2018 com Bolsonaro.
E essas condições podem ser muito exigentes, como compromisso metas macroeconômicas estratégicas ou objetivas e pontuais como a reestatização da Eletrobrás como preço para livrar o mercado deste mal estar. E se por ventura Bolsonaro ganhar, Lula não poderá botar a culpa no terceiro colocado se não aceitar compromissos que sua própria base de eleitores aprovam, como mostrou recentemente um teste de internet promovido pelo Jornal O Globo. Então este terceiro lugar terá um poder muito maior do que o mercado deseja aceitar.
Num país que acumulou tantos problemas e onde os políticos nos devem tantas explicações, o rito eleitoral é o oxigênio da democracia que por meio do escrutínio público das propostas processa e seleciona as melhores ideias para nortear os rumos de um país. Assim, o verdadeiro voto inútil é o voto afoito que evita o acontecimento deste processo necessário e que referenda sem compromissos um cheque em branco para o poder executivo tocar o país como se não devesse nada a ninguém. Em 2018, Bolsonaro escapou de passar por isso com atestados médicos e em 2022 a chapa Lula-Alckmin tenta escapar usando Bolsonaro e sua rejeição mundial como combustível para o medo e um voto inconsciente do eleitorado que resulte em uma vitória no primeiro turno que sirva como um referendo.
O Brasil precisa de um segundo turno porque precisa justamente realizar este dever de casa bem feito consigo mesmo. Quem pede voto útil para acabar com o rito eleitoral mais rápido é que joga contra a democracia, por que não suporta e não tolera o seu processo inclusivo e que dentro dessa janela de tempo a sociedade tenha o direito de lhes cobrar explicações e compromissos para receber o voto que nos pedem.
Todo voto é útil e quem repete esse argumento de voto útil à exaustão agride o espírito da democracia. Está na hora do brasileiro parar de cair em lorotas como está e começar a ocupar o espaço que lhe cabe neste latifúndio. No poder não existe vácuo.
Ou como disse o revolucionário mexicano Emiliano Zapata, se não há justiça para o povo, que não haja paz para os governantes.
*Rodrigo Arantes é escritor, administrador, designer de jogos de escritório, empreendedor, entusiasta de movimentos de empreendedorismo startup e gamificação e fundador do Instituto #AJOGADA™ de Gameologia, que propõe o salto da burocracia para a ludocracia (administração baseada em jogos), pela substituição de documentos por tabuleiros colaborativos nos ambientes de trabalho e de educação.
*As opiniões das colunas são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a visão do Canal MyNews
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