Ícone buscar Ícone abrir menu

jornalismo independente

Diálogos

Israel e Palestina

Ruben Sternschein: Pergunte pela paz

Celebrar a morte dos inocentes, promover essa alegria entre crianças e jovens, é o pior sacrilégio imaginável. É o que faz o Hamas, o Jihad Islâmico, o Hizbolá

por Ruben Sternschein em 17/05/21 12:40

Os judeus moravam em Israel nos tempos bíblicos, há 3500 anos. No ano 586 AEC foram conquistados, massacrados e exilados pelo império Babilônico, permitidos de voltar pelo império persa uns 50-70 anos depois e novamente conquistados, massacrados e exilados pelos romanos no ano 70 DEC. Por 2000 anos os judeus mantiveram seu vínculo com seu lar ancestral  três vezes por dia nas rezas que se realizam em direção a Israel e que incluem vários parágrafos alusivos a Jerusalém, três vezes por dia nas refeições que agradecem pela terra de Israel e por Jerusalém, nas datas das destruições que estabeleceram  a prática de 4 jejuns, na celebração do shabat como antecipo da paz que devolveria a oportunidade de voltar a Israel, na celebração da páscoa que conclui com a frase “no ano próximo em Jerusalém”, na celebração de chanucá (festa das luzes), na celebração de pentecostes, na celebração da festa das cabanas, e na quebra do copo no final do casamento judaico. Durante esse período se sucederam impérios, religiões e  povos diferentes. Uns passaram, outros ficaram, junto a um pequeno remanente judeu. Na transição da idade antiga para a idade média foi quando os romanos e os bizantinos denominaram várias partes do território como Palestina. O último foi o mandato britânico que se propôs dividir o território em dois estados, um para a população judia e outro para a árabe. No ano 1922 o Mandato criou a Jordânia com o intuito de cumprir a promessa dada à população árabe.  O lado judaico deveu esperar mais 25 anos. Em 1947 a ONU votou uma nova divisão da parte que os britânicos prometeram aos judeus, a fim de criar um estado para os judeus e outro para outros setores da população árabe que nele ficou . Os judeus aceitaram a decisão e declararam a independência no território designado. A população árabe junto a vários países da região se recusaram e atacaram o jovem estado numa guerra devastadora que terminou com novas delimitações do território. Famílias árabes e judias fugiram, outras foram expulsas e outras se realocaram em casas que outrora pertenciam à outra população. A história de não aceitação da existência judaica através de  ataques militares vem se repetindo há décadas. A guerra mais determinante foi a de junho de 1967 quando em resposta às ameaças egípcias Israel se antecipou e os exércitos árabes recuaram de vastos territórios incluindo Jerusalém oriental, Gaza, as Alturas do Golan e Cisjordânia. Em Israel se dividiram as ideias sobre qual seria a forma de garantir a paz através desses territórios. Os habitantes deles ficaram reféns de políticas inconclusivas, condições deploráveis, falta de direitos básicos, lideranças locais corruptas e células terroristas de vários grupos  que abusam de sua desgraçaria para recrutar seus jovens como assassinos suicidas.

Na última semana coincidiram eventos infelizes: Famílias judias que eram donas de casas invadidas há décadas por famílias árabes reclamaram seus direitos. A lei fria lhes dá a razão, o coração sensível aos Direitos Humanos – não. Manifestações em apoio à umas famílias como a outras resultaram em tumultos que se estenderam a lugares sagrados no momento do Ramadã e do aniversário de Jerusalém. A polícia mal liderada reagiu com gases e balas de borracha no intuito de dissipar as agressões e devolver as vizinhanças a suas casas em segurança. As milícias do Hamas a longos quilômetros dos tumultos dispararam centenas de mísseis nas cidades de Israel. Vários deles caíram por erro nas populações árabes. Há mortos, feridos, despojados e amedrontados, entre todos os grupos religiosos e culturais. 

Até aqui os fatos documentados pelas evidências arqueológicas, históricas e jornalísticas. As narrativas são diversas. 

As discussões, as estratégias, os valores, as razões podem ser variadas e discutidas. O terror não. A guerra é a pior invenção humana, mas tem limites, estabelecidos internacionalmente. Disparar indiscriminadamente a populações civis com o intuito de matar inocentes é assassinato, é terror, e é inadmissível em toda e qualquer situação. Celebrar a morte dos inocentes, promover essa alegria entre crianças e jovens, é o pior sacrilégio imaginável. É o que faz o Hamas, o Jihad Islâmico, o Hizbolá. Israel como qualquer pais, tem o dever – não somente o direito –  de impedi-lo. Para cumprir com o mandamento bíblico e humano de escolher pela vida (Deuteronômio 30:19). De todos.

O panorama é especialmente triste na perspectiva de que um novo governo estava se harmonizando no parlamento israelense incluindo direitas, esquerdas, diversas linhas religiosas e partidos árabes. Mais ainda à luz da colaboração sanitária e humanitária entre todas as populações durante a pandemia. Médicos árabes atendiam judeus. Médicos judeus atendiam árabes. 

Como judeu, como pai, como filho, como humano, compreendo e sofro a urgência da resolução deste conflito. Vejo com vergonha a miséria de famílias palestinas nos territórios em discussão abandonados por seus dirigentes e por Israel, que não contam com a prosperidade, a democracia e os direitos humanos dos árabes das outras regiões de Israel que me enchem de orgulho. A mente se revolta diante do uso manipulativo das reações sociais para ganhar poder a expensas de vidas. A sensibilidade humana não pode aceitar a tentativa de assassinar crianças e idosos judeus com mísseis e estimular linchamentos entre populações árabes e judias que conviviam em paz nas cidades mistas de Lod e Acre até semana passada.

No meio dos gritos e assassinatos terroristas por um  lado e de civis extremistas judeus e árabes por outro, soube que grupos de judeus se ofereceram para ajudar árabes ameaçados por extremistas judeus e vice-versa: grupos de civis árabes dispostos a defender judeus ameaçados por vizinhos árabes extremistas. Colegas rabinos, padres, pastores, sheiks e imãs se uniram para rezar pela paz e chamar seus fiéis a reconstruí-la. 

No judaísmo a Paz como a vida são valores centrais. A saudação mais antiga e mais nova pergunta: como esta sua paz. Deus é conhecido como quem faz a paz. Pela paz deve se renunciar a honrarias e até ao próprio Deus. Pela vida, a tudo.

Um colega e amigo rabino e professor de filosofia em Jerusalém, escreveu que o versículo : “peçam pela paz de Jerusalém” (Salmos 122:6) deve ser lido literalmente nesta hora: “perguntem pela paz de Jerusalém”. Perguntem o que é necessário para que aconteça.  Escrevo estas linhas como reza ativa para que achemos a resposta. 


Quem é Ruben Sternschein?

Ruben Sternschein é rabino da Congregação Israelita Paulista, Doutor em Filosofia Judaica pela USP e pesquisador da USP e da UNFESP.

últimos vídeos

Inscreva-se no Canal MyNews

Vire membro do site MyNews

Comentários ( 0 )

Comentar

MyNews é um canal de jornalismo independente. Nossa missão é levar informação bem apurada, análise de qualidade e diversidade de opiniões para você tomar a melhor decisão.

Copyright © 2022 – Canal MyNews – Todos os direitos reservados. Desenvolvido por Ideia74

Entre no grupo e fique por dentro das noticias!

Grupo do WhatsApp

Utilizamos cookies para oferecer melhor experiência, melhorar o desempenho, analisar como você interage em nosso site e personalizar conteúdo.

ACEITAR