Quatro anos depois, voltou ao São Paulo F.C., onde já tinha sido tricampeão brasileiro consecutivo, agora como coordenador do departamento de futebol, seu clube do coração
Em 18/09/23 15:13
por Balaio do Kotscho
Ricardo Kotscho, 75, paulistano e são-paulino, é jornalista desde 1964, tem duas filhas, 5 netos e 19 livros publicados. Já trabalhou em praticamente todos os principais veículos de mídia impressa e eletrônica. Foi Secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República (2003-2004). Entre outras premiações, foi um dos cinco jornalistas brasileiros contemplados com o Troféu Especial de Direitos Humanos da ONU, em 2008, ano em que começou a publicar o blog Balaio do Kotscho, onde escreve sobre a cena política, esportes, cultura e histórias do cotidiano
Ninguém o viu no Maracanã domingo, nem antes nem depois da bela vitória do São Paulo por 1 a 0 contra o Flamengo no primeiro jogo das finais da Copa do Brasil.
Tem sido assim, desde que se aposentou da carreira de técnico, quando estava exatamente no Flamengo, em 2016, por causa de um problema no coração, quando se tornou comentarista dos bons no SporTV.
Quatro anos depois, voltou ao São Paulo F.C., onde já tinha sido tricampeão brasileiro consecutivo, agora como coordenador do departamento de futebol, seu clube do coração. Virou um cartola profissional remunerado, exatamente o que faz falta no Flamengo, cuidando do vestiário e da relação entre elenco e direção do clube.
Discreto até em demasia, Muricy Ramalho, 67, paulistano e são-paulino, filho de um feirante, que já rodou meio mundo jogando bola e treinando times até na China, não dá mais entrevistas e prefere ficar longe dos holofotes, mas ele é um dos principais responsáveis, junto com o técnico Dorival Júnior, que ele ajudou a contratar, pela ressureição do clube do Morumbi nesta reta final da Copa do Brasil, que o clube nunca venceu, depois de várias temporadas fracassadas.
Muricy abriu uma exceção neste final de semana para os repórteres Alexandre Araújo, Bruno Braz e Luiza Sá, do UOL, e falou longamente da vida do futebol agora fora dos gramados.
“Muricy vai da aposentadoria no Fla à chance de taça inédita no São Paulo”, é o título da matéria em que ele conta que foi convidado por Tite para ajudá-lo na seleção na Copa de 2022, mas preferiu ficar no clube. “Tive outras propostas, mas fiquei no São Paulo, porque o São Paulo é a minha vida, a minha paixão”.
Trata-se de um caso cada vez mais raro de amor à camisa no futebol brasileiro, um esporte que virou negócio de bilhões. É a antítese do que vimos domingo no Maracanã, com o milionário Flamengo se arrastando em campo, enquanto o técnico Sampaoli corria de um lado para outro como um alucinado à beira do gramado.
“Por causa da saúde não sou mais técnico, mas ainda tenho essa paixão e sei que posso ajudar. Eu trabalho muito, só que eu não apareço, né? Aí pode parecer que não sou importante. Trabalho mais do que quando era técnico e não tenho férias, porque quando jogadores tiram férias, dirigente trabalha mais”.
Antes disso, Muricy tinha sido o único técnico a recusar um convite da CBF para ser técnico da seleção brasileira, quando treinava o Fluminense e também preferiu cumprir seu contrato com o clube. Outra raridade: o ex-jogador e ex-técnico é um homem de palavra, daqueles de antigamente.
Uma conjuminação de astros permitiu a Muricy promover o casamento perfeito entre técnico e elenco, um confiando no outro e se superando em campo contra times tecnicamente superiores.
Mas a astrologia nada tem a ver com isso, na visão de Muricy, para quem essa confiança só veio com muito trabalho, muitos treinos, muita conversa. Para quem iniciou a carreira com seis anos de idade, no time mirim do São Paulo, nunca existe jogo nem campeonato perdido. A vida de Muricy é um jogo para ser jogado até o fim, com o coração na ponta da chuteira.
“Se eu quisesse fazer nada, poderia me aposentar e ficar na praia em Riviera (litoral norte de São Paulo), ter uma rotina mais tranquila como comentarista no SporTV entrando ao vivo da minha varanda”.
A última vez que o encontrei foi na famosa pizza da casa do Faustão, seu grande amigo, onde Muricy gostava de contar suas histórias engraçadas do tempo em que foi treinador na China e anunciava com orgulho os novos craques que estavam surgindo no inesgotável celeiro do Centro de Treinamento de Cotia. No domingo, seis deles estavam em campo no time que derrotou o poderoso Flamengo.
É ali que está o segredo. Discípulo do grande Telê Santana, Muricy Ramalho ajudou a formar uma nova geração à sua imagem e semelhança, ensinando o amor à camisa. Isso ainda existe no nosso futebol, acredite.
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