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Chico Otavio

Caso Marielle

Acusado de ser espião no PSOL pode revelar novos motivos para as mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes.

O interesse da família Brazão nos negócios imobiliários em Guaratiba, cobiçada região da Zona Oeste do Rio de Janeiro, está na lista de possíveis motivos para as mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes.

por Chico Otavio em 06/04/24 14:34

Foto: Bernardo Guerreiro / Mídia NINJA

Essa possibilidade surgiu na análise de um detalhe da ficha de filiação ao PSOL de Laerte Silva de Lima, acusado de ser um espião dos Brazão dentro do partido. No documento, de 2 de abril de 2017, aparece o nome de Pedro Paulo de Figueiredo Pereira, o Dom Pepito, como militante responsável pela filiação. Conhecido líder comunitário de Guaratiba, Pepito é ligado a uma entidade que já apareceu em investigações sobre a ação de milícias na região.

Mapa da região de Guaratiba no estado do Rio de Janeiro

Laerte, como infiltrado, participava de agendas públicas do PSOL. Em delação premiada, Ronnie Lessa, ex-PM acusado de executar Marielle e Anderson, disse que Domingos Brazão disse que o espião o alertou que Marielle teria pedido à população local que não aderisse a loteamentos situados em área de milícia.

Dom Pepito, que também assina a ficha de filiação de Erileide Barbosa da Rocha, mulher de Laerte, já foi presidente do Centro de Desenvolvimento Comunitário e Associações de Guaratiba. Criada em 2003, a entidade foi alvo de busca e apreensão, sete anos depois, durante a “Operação Biscoito”, deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, em parceria com a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (Draco-IE), para desarticular um grupo de milicianos que atuava em Pedra de Guaratiba.

A entidade também foi acusada por moradores de Piraquê, comunidade de Guaratiba, de cobrar R$ 10,00 para liberar a entrega residencial de correspondências.

Pedro Paulo, de 74 anos, se filiou oficialmente ao PSOL em 2 de outubro de 2017. Na região, é visto como um veterano líder comunitário, integrante das fileiras do brizolismo, mas que teria dado uma guinada para a direita, assumindo forte oposição ao presidente Lula e ao PT. Em 2006, disputou uma vaga para deputado federal pelo PRONA, obtendo apenas 1.197 votos, muito aquém do necessário para se eleger. Quem o conhece, acha que ele pode ter sido ludibriado ao assinar a ficha de filiação do PSOL. Pepito levou as duas fichas pessoalmente à sede do partido, no Rio.

Procurado por email e telefone celular, Pepito não respondeu aos pedidos de esclarecimento do MyNews.

INTERESSE DOS BRAZÃO

Chiquinho Brazão, como vereador, nunca escondeu o interesse pela questão fundiária na região de Guaratiba. São atribuídas a ele, em 2017, um ano antes do crime, as manobras para barrar o projeto de lei de criação de áreas de proteção ambiental e de recuperação urbana (Aparu) em Guaratiba. Até hoje, o projeto, de autoria do então vereador Brizola Neto (PSOL, à época), tramita sem solução na Casa e sem jamais ter ido a votação em plenário.

Então presidente da Comissão de Assuntos Urbanos na Câmara Municipal, Chiquinho foi visto com frequência na região em 2017. Ele ficava em um café no mercado SuperCompras, na Ilha de Guaratiba. Desde a época, alavancada pelo braço armado da milícia, a indústria da grilagem e construção clandestina vinha planando, com tratores e retroescavadeiras, as regiões de Guaratiba e Vargens, um dos últimos celeiros verdes da cidade, o “pantanal do Rio”. E este processo de ocupação encontrou respaldo na Câmara, de onde saíram projetos polêmicos que passaram por cima de leis federais para dar à grilagem o direito legal à terra.

AMEAÇA EM NOVO PALMARES

Uma das bandeiras do PSOL era o combate às desapropriações de moradores em comunidades para a construção de empreendimentos imobiliários. Em 2017, o gabinete de Marielle participou da mobilização dos moradores pela regularização de terras do assentamento na comunidade de Novo Palmares, em Vargem Pequena, vizinha de Guaratiba. Duas integrantes do gabinete compareceram ao encontro ao lado de organismos como a Pastoral de Favelas, movimento comunitário organizado no âmbito da Igreja Católica, o Iterj (Instituto de Terras e Cartografias do Estado do Rio de Janeiro), autarquia vinculada à Secretaria do Meio Ambiente, e o Nuth (Núcleo de Terras e Habitação), um braço da Defensoria Pública do estado.

Na época, segundo percepção das assessoras da vereadora, não se vislumbrou interesse por parte dos moradores de vender seus imóveis, mas sim, de obter o título da terra. Mas o encontro foi interrompido por uma dirigente comunitária local, que não concordou com a realização da atividade à revelia da entidade.

Em novembro do mesmo ano, num fim de tarde, os moradores de Novo Palmares se assustaram quando um homem armado desembarcou de um carro preto com vidros escurecidos em busca de uma líder comunitária. Ele parou na porta de uma mulher de meia idade, olhou para o seu rosto e comparou seus traços com a foto que trazia na mão oposta à da arma. Era o recorte de um jornal em que outra moradora mencionava a luta fundiária da comunidade. Daí veio a constatação: não era seu alvo. Trêmula, a moradora teve a certeza que escapou graças à foto. Antes de sair, o homem avisou: “Vê (sic) aí na sua comunidade as pessoas que estão se metendo na nossa localidade”.

Por questão de segurança, o nome da vítima está sendo preservado. Mas ela chegou a contar na Delegacia de Homicídios da Capital (DH Capital), então responsável pelo Caso Marielle, que o homem da ameaça mencionou que era de Guaratiba. Em algumas reuniões na região, conhecidas como fóruns, ainda em 2017, os moradores mostravam fotos de Marielle como forma de legitimar a luta. O slogan do mandato, “Marielle presente”, inclusive, dava força ao movimento – apesar da ausência física dela, a vereadora estava ali, já que a sua imagem era usada por pessoas simpáticas ao movimento pela titulação da terra.

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